No ano passado, uma funcionária pública do Pará assinou o ponto com semanas de antecedência e foi flagrada em um jogo na Copa da Rússia. Apareceu, sorridente, em uma foto segurando a bandeira do Brasil. Fosse esse caso no setor privado, melhores controles internos talvez a impedissem de assinar o ponto por tantos dias. Se ainda assim conseguisse burlar o sistema, seus superiores certamente notariam sua falta e exigiriam seu retorno. Comprovada a fraude, ela poderia ser demitida por justa causa. Na pior das hipóteses, a empresa a desligaria sem justa causa para não sancionar uma conduta danosa à organização.
Sendo funcionária pública, continuou no cargo. Terminada a Copa, foi agraciada com trinta dias de férias em agosto. Como seu flagrante foi noticiado na imprensa, houve pressão para que fosse instaurado um processo administrativo, que resultou em uma reprimenda publicada no Diário Oficial do estado em 21 de janeiro deste ano. Ainda assim, dez dias depois, ela recebeu uma licença-prêmio de 180 dias. Licença-prêmio, vale lembrar, é um benefício do funcionalismo público: a pessoa se afasta do cargo e mantém o salário. Detalhe importante: por lei, deveria ser um prêmio por assiduidade.
Caso isolado? Na mesma Copa, um professor de escola pública do Paraná apresentou licença médica e foi visto, saudável, apreciando um jogo em uma foto que circulou em redes sociais. A indústria de atestados médicos é um canal conhecido que permite o abono de faltas e aumenta os gastos com a contratação de profissionais para substituir os ausentes.
Por certo, essas pessoas não representam a totalidade dos servidores públicos. Por isso mesmo, é injusto que não sofram consequências pelos seus atos e deixem o fardo para os colegas mais produtivos. No limite, deveriam ser desligadas, o que permitiria reconhecer quem trabalha mais e, ao longo do tempo, atrair pessoas mais motivadas. Na prática, continuam no setor público, sob o argumento de que funcionários de carreira têm direito a estabilidade no emprego.
Mas esse direito é um mito. Como já tive oportunidade de escrever neste espaço, a avaliação de desempenho, e até o desligamento de funcionários improdutivos, já está prevista na Constituição. A Emenda Constitucional Nº 19, de 1998, estabeleceu que, “como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho” e que há possibilidade de perda de cargo “mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar”. O problema é que essa lei complementar nunca foi aprovada.
Felizmente, o Senado retomou a pauta com um projeto de lei (PLS 116/2017) já aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Temos também experiências de metas gerenciais em governos e até mesmo bonificação para casos de melhor desempenho. Enquanto outras reformas não avançam, medidas para incentivar a produtividade do setor público poderiam melhorar grandemente a vida do cidadão e fazer justiça aos bons funcionários, que, milagrosamente e a duras penas, ainda sustentam os serviços públicos do país.
Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637