Por que o STF pode barrar o aumento do IOF, segundo especialistas
Viés puramente arrecadatório pode ameaçar a estratégia do governo no STF, dizem tributaristas

O movimento do presidente Lula de levar a decisão sobre o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) reacende o debate sobre os limites de cada Poder, apontam os especialistas a VEJA. O presidente criticou nesta terça-feira o presidente da câmara Hugo Motta, dizendo que a decisão de o Congresso barrar o aumento é absurda. Mas, por ser uma medida criada na tentativa do governo de fechar a contas dentro da meta fiscal, o decreto de Lula para aumentar o imposto corre o risco de esbarrar no argumento de que finalidade puramente a de aumentar a arrecadação e, não, a de regular o mercado.
O argumento central da AGU de que os Decretos que aumentaram o IOF se encontram dentro dos limites do art. 153, V, §1º, da Constituição omite que esse a permissão que o Poder Executivo tem não é absoluta, explica o tributarista Julio Cesar Soares, sócio do Dias de Souza Advogados. “A própria Lei nº 8.894/1994, que regulamenta o IOF, exige que as alterações de alíquota atendam a finalidades de política monetária, cambial ou creditícia, o que não se verifica, conforme corretamente observado pelo Congresso Nacional”, diz Soares que vê intenção declaradamente arrecadatória no aumento do IOF.
“Não houve demonstração de qualquer relação entre a majoração das alíquotas e a correção de distorções no mercado de crédito ou câmbio, tampouco ajustes de política monetária”, afirma. Ele também diz que jurisprudência da Corte é igualmente clara em afirmar que essa prerrogativa depende da demonstração de finalidade extrafiscal legítima.
A estratégia da AGU “subverte o sistema de freios e contrapesos”, porque transforma a competência exclusiva do Parlamento, prevista no artigo 49, inciso V, da Constituição, em algo sujeito a chancela judicial. Na leitura do especialista admitir a tese do governo “restringe o poder de controle do Legislativo sobre atos do Executivo”.
A constitucionalista Paula Beatriz Loureiro Pires, do escritório Eichenberg, Lobato e Abreu, também lembra que a Constituição condiciona a criação ou aumento de tributos a lei em sentido estrito e ao princípio da anterioridade (artigos 150 e 153). “Se o objetivo era arrecadatório, não se pode afastar a legalidade nem a anterioridade”, afirma ela. Paula observa que a possibilidade de alterar o IOF por decreto existe apenas quando a finalidade é extrafiscal – isto é, regular o mercado – o que, segundo o próprio Ministério da Fazenda, não ocorreu.
A justificativa dada pela Fazenda nos decretos foi arrecadatório, e não regulatório. “e, se assim era, não se poderia deixar de observar a prerrogativa maior do Congresso Nacional para instituir e aumentar tributos (princípio da legalidade), observado ainda o princípio da anterioridade”, explica.
O Poder Executivo pode regular o mercado mexendo nos impostos, tendo em vista o caráter extrafiscal de determinados tributos – imposto de importação, imposto de exportação, imposto sobre operações financeiras (o próprio IOF) e o imposto sobre produtos industrializados. A especialista também explica que o Poder Executivo deve seguir “a Lei nº 8.894/1994, que regulamenta o IOF, estabelece as alíquotas máximas a serem observadas em cada hipótese de incidência”.
A advogada Bruna Fagundes, do Briganti Advogados, também avalia que o governo extrapolou suas atribuições ao usar decreto para “criar fato gerador” ao equiparar operações de risco sacado a operações de crédito. “Há evidente desvio de finalidade; o Congresso agiu dentro do texto constitucional ao sustar o aumento”, diz. A especialista também afirma que a tese de que o IOF pode ser ajustado pelo Executivo sem passar pelo Legislativo “não se mantém quando a motivação é puramente arrecadatória”.
Ela no entanto chama a atenção para um detalhe importante na argumentação da AGU. A Constituição não diz literalmente que o IOF (e outros impostos cujo Executivo pode mexer na alíquota) tem obrigatoriamente função extrafiscal, isto é, servir para regular o mercado, não para arrecadar. Ela diz que pode porque essa função sempre foi “entendida” como exceção legítima. “Aceita e assumida como uma verdadeira exceção confirmatória da própria lógica de construção do sistema tributário brasileiro”, diz.
Diante disso, não há neste momento como prever o resultado das ações, segundo a especialista. “Tudo dependerá da ponderação a ser exercida pelos Ministros daquela Corte Constitucional em relação a todos os princípios em jogo, quanto à sua hierarquização e valoração no caso concreto”, diz.
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