Por que o Bolsa Família vai mudar de nome mesmo sem pagar R$ 400
Rebatizado de Auxílio Brasil, programa de transferência de renda depende de manobras no orçamento para governo bancar promessa

O Bolsa Família, programa de transferência de renda, deixará de ser pago após 18 anos. Engendrado durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a iniciativa de pagar um benefício social — que agora tinha valor médio de 189 reais — virou uma unanimidade no Brasil, e mesmo quem atacava o programa, como é o caso do atual presidente Jair Bolsonaro, concorda com a necessidade de assistir a população de baixa renda, e claro, com as oportunidades políticas que isso traz. Às vésperas da eleição de 2022, na qual Bolsonaro deve disputar a sua permanência no cargo com Lula, o presidente tornou o rebranding do programa na prioridade número um de seu mandato. Antes mesmo da promessa de bancar 400 reais mensais até o fim de 2022 para 17 milhões de famílias, a primeira mudança do programa foi rebatizá-lo. Assim, a partir de novembro, os beneficiários passarão a receber o Auxílio Brasil e não mais o Bolsa Família, ainda que o valor pago seja bem próximo do benefício atual.
A troca de nome do programa social aconteceu pela medida provisória 1.061, de agosto deste ano. Na prática a MP que institui o nome Auxílio Brasil determina que, 90 dias após a sua publicação, está revogada a lei de 2004 que criou o programa Bolsa Família. Assim, a partir de 10 de novembro, ele será extinto. Na quinta-feira, questionado por VEJA, o Ministério da Cidadania afirmou que o Auxílio Brasil será pago a partir de 17 de novembro, utilizando o calendário do Bolsa Família. Porém, para operação do programa, o governo precisa publicar um decreto nos próximos dias com a regulamentação. Vale salientar que, caso o Congresso não aprove a MP 1.061 até dezembro, ela perde os efeitos, e o programa volta a se chamar Bolsa Família e com a modelagem anterior de operação.
Segundo o Ministério da Cidadania, o Auxílio Brasil em novembro terá um reajuste de 20%, com o benefício médio passando de 189 reais para cerca de 200. Esse aumento será concedido com as sobras de orçamento do Bolsa Família. Após o pagamento do Auxílio Emergencial durante sete meses deste ano, será possível financiar esse aumento, porém não há como chegar nos 400 reais planejados. A ideia do governo Bolsonaro era pagar o auxílio turbinado já em novembro porque, neste mês, foram feitos os últimos pagamentos do auxílio emergencial.
Com a promessa de aumento feita antes mesmo de haver meios de bancar o programa, o governo corre para resolver a equação. Até o meio de outubro, a aposta era em um benefício de 300 reais, que para ser bancado dependia da abertura de espaço fiscal via PEC dos Precatórios e a aprovação da reforma do Imposto de Renda, já que a alíquota sobre dividendos e juros sobre capital próprio seriam as fontes para financiar o programa de forma permanente. Com o enrosco do IR no Senado, Bolsonaro decidiu aumentar a aposta. Ordenou aos auxiliares um programa de 400 reais — mesmo que isso furasse o teto de gastos. Já que não há fonte permanente para o programa, o aumento será concedido apenas até o fim de 2022. A ideia do governo era já pagar o benefício de 400 reais em novembro, mas como a PEC dos Precatórios ainda não foi votada na Cãmara, o Ministério da Cidadania admitiu que o benefício no próximo mês terá um valor menor.
O que é a PEC
A PEC dos Precatórios é uma Proposta de Emenda à Constituição que altera as regras para o pagamento de dívidas judiciais do governo que já transitaram em julgado, ou seja, já passaram por todas as instâncias e precisam ser pagas. O texto que está na Câmara dos Deputados propõe um limite para o pagamento dessas dívidas, corrigido pela inflação. Para 2022, cerca de 40 bilhões de reais serão autorizados para os precatórios, caso a MP seja aprovada. O valor total devido pelo governo no próximo ano é de 89,1 bilhões de reais.
A abertura de quase 50 bilhões no teto de gastos, porém, não é suficiente para bancar o auxílio de 400 reais, segundo a equipe econômica. Para manter o discurso de austeridade fiscal — mesmo que o mercado financeiro já tenha precificado o estouro do teto — o governo tenta então manejar o teto na MP. Além do limite dos precatórios, o texto estabelece uma alteração na correção da âncora fiscal, trocando o período de julho a junho para janeiro a dezembro. Com a disparada da inflação em 2021, o governo teria então um espaço maior para gastar no próximo ano. Segundo as contas do relator, deputado Hugo Motta (Republicanos -PB), serão abertos 83 bilhões de reais de espaço no Orçamento do próximo ano.
Para que haja esse espaço, entretanto, é preciso que a medida seja aprovada. Havia a expectativa que a PEC passasse nesta semana, mas, devido ao quórum baixo em Brasília, o projeto deve ser apreciado só na próxima semana na Câmara dos Deputados. Caso aprovada, a matéria segue ainda para o Senado. Apenas depois de aprovada, é promulgada.
De acordo com os técnicos, como a lei deixa de valer em 10 de novembro, a partir desta data não haverá base legal para o governo transferir o dinheiro por meio do programa Bolsa Família.