Por que a fila do INSS só cresce?
De acordo com o Portal da Transparência, cerca de 2,042 milhões de pessoas estão com requerimentos pendentes — a maior fila enfrentada pelo governo Lula

Se há um símbolo duradouro da ineficiência do Estado brasileiro, ele atende por quatro letras: INSS. No final do ano passado, o Instituto Nacional do Seguro Social acumulava 2,042 milhões de requerimentos pendentes — a maior fila enfrentada pelo governo Lula em seu terceiro mandato. Cerca de 16% desse volume está relacionado a pedidos feitos por beneficiários que perceberam descontos não autorizados em seus benefícios. A Polícia Federal desmantelou, então, um esquema fraudulento que aplicou R$ 6,3 bilhões em descontos associativos indevidos entre 2019 e 2024. Mas esse escândalo é apenas o sintoma mais visível de um problema estrutural, constantemente tratado com medidas paliativas, e que escancara a sobrecarga e o colapso operacional que se alastram por diversas áreas da administração pública.
Desde sua campanha eleitoral, Lula havia a prometido reverter esse quadro e, de fato, implementou algumas medidas para atacar o problema. Em julho de 2023, o Executivo relançou o pagamento de bônus de produtividade para servidores e peritos, autorizou a realocação emergencial de pessoal e colheu resultados rápidos: o tempo médio de espera por concessão de benefícios caiu de 76 dias, em janeiro, para 34 dias em julho de 2024. Mas o alívio durou pouco. A partir de agosto, a fila voltou a crescer, atingindo 39 dias de espera em novembro. No final do ano, os requerimentos acumulados já ultrapassavam os dois milhões, segundo o Portal da Transparência.
O governo parece ter visto que o problema não é tão simples de ser resolvido e agora adota um discurso mais realista. “Ela nunca vai ser zerada, mas vamos cumprir o prazo legal de 45 dias”, declarou o ministro da Previdência, Carlos Lupi, em janeiro deste ano. Na prática, essa meta parece cada vez mais distante.
Os números ajudam a entender por quê. Entre 2023 e 2024, a média mensal de pedidos de benefícios saltou de 700 mil para 1,2 milhão — um aumento de 71%. Esse crescimento abrupto é resultado da combinação de três fatores: o envelhecimento da população brasileira, os efeitos retardados da reforma da Previdência de 2019 (que dificultou o acesso à aposentadoria e empurrou milhares de idosos pobres para o BPC, o Benefício de Prestação Continuada), e a digitalização desordenada de processos como o Atestemed — que permite afastamentos médicos sem perícia por até 180 dias, reduzindo custos, mas inflando a quantidade de requerimentos.
A isso somaram-se os efeitos da greve dos servidores do INSS entre julho e novembro de 2024 e a paralisação dos médicos peritos desde outubro. A Federação Nacional de Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps), entidade que representa a categoria, diz que o movimento foi motivado por metas inatingíveis e condições de trabalho cada vez mais precárias. Hoje, o INSS opera com cerca de 19 mil servidores — menos da metade do efetivo de sete anos atrás. A falta de pessoal é crítica: analistas, técnicos e peritos são escassos, e a carga de trabalho se torna insustentável.
Na tentativa de estancar o problema, o governo anunciou, em fevereiro de 2025, uma nova ação extraordinária: 500 funcionários foram destacados para atuar na análise de requerimentos ao longo de 90 dias. Mas mesmo esse esforço pontual esbarra em problemas mais profundos. Segundo a Fenasps, a digitalização, que prometia agilidade, foi implementada de forma capenga. O sistema atual cria um efeito perverso: pedidos são rejeitados automaticamente, levando o cidadão a recorrer várias vezes ao mesmo benefício, sem conseguir resoluções claras. Falhas de sistema, linguagem técnica e pouca acessibilidade tornam o processo online um labirinto para idosos e pessoas de baixa escolaridade — justamente os principais usuários. Isso gera erros de protocolo, duplicidade de pedidos e documentos desatualizados, travando o fluxo de análise.
Esse ambiente de confusão e desinformação virou terreno fértil para fraudes, culminando na fraude de descontos indevidos que desviou R$ 6,3 bilhões dos beneficiários. O chefe do órgão, Alessandro Stefanutto, foi afastado do cargo por decisão judicial e depois demitido pelo presidente Lula.
Segundo a Fenasps, o que o INSS precisa é de um plano robusto de reestruturação. Isso inclui concurso público para recompor o quadro de pessoal, capacitação digital dos servidores, reforma administrativa para tornar a máquina mais eficiente, revisão das metas de produtividade e a implementação de um modelo de atendimento híbrido — digital, mas com suporte presencial — que garanta inclusão sem deixar os mais vulneráveis para trás.
A crise do INSS é reflexo de um Estado que adia soluções estruturais e sobrevive de medidas emergenciais. Enquanto não houver coragem política para enfrentar os problemas na raiz, o colapso continuará sendo apenas adiado.