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Petróleo: acordo entre Arábia Saudita e Rússia deixa o mundo em suspenso

Apesar das incertezas, uma coisa está clara: se alguém se deu bem na confusão, foram os dois países

Por Felipe Mendes Atualizado em 4 jun 2024, 14h54 - Publicado em 17 abr 2020, 06h00

Muito se especulou sobre as reais intenções do príncipe saudita Mohammed bin Salman e do presidente russo Vladimir Putin ao estabelecerem uma guerra de preços no mercado de petróleo. Primeiramente, imaginou-se que o imbróglio se dava apenas pela divergência de opiniões: enquanto o árabe — aliado dos Estados Unidos — desejava manter a cotação da commodity mais alta, o russo queria depreciar o valor para impedir o desenvolvimento da produção do óleo de xisto e de combustíveis alternativos, como o etanol. Porém, desde que ambos chegaram a um acordo pouco significativo para mexer nas estruturas do mercado de óleo e gás, no domingo 12, tornou-se mais evidente todo o jogo de cena. Eles passaram na Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados, a Opep Plus, um plano de redução de irrisórios 9,7 milhões de barris de petróleo por dia. A restrição compreende menos de 10% da produção diária, enquanto, por causa da pandemia do novo coronavírus, o consumo global afundará em 29 milhões de barris por dia só em abril. Conseguiram manter os preços no menor patamar desde 2002, barrar os investimentos de petrolíferas em outros países, suspender o desenvolvimento da cadeia de xisto nos Estados Unidos e, de quebra, derrubar a demanda por opções mais sustentáveis. “Estamos nos vendo, de novo, em um cenário bem complicado para os mercados de energia”, diz o analista Edward Moya, da consultoria Oanda.

Pouco adiantou o movimento das peças feito no tabuleiro geopolítico por Donald Trump. Com o petróleo na casa dos 20 dólares, muitos investimentos mundo afora ficam inviabilizados. Um relatório da consultoria Wood Mackenzie mostra que, devido aos preços baixos, os investimentos em todo o globo serão reduzidos em 30%. O ponto de equilíbrio, segundo analistas, são 40 dólares. Somente nesse patamar os americanos conseguem extrair lucro das caras operações de fracking — processo de quebra das pedras de xisto para a produção de óleo e gás. Assim acontece com o pré-sal brasileiro, que, apesar de ter plataformas competitivas, sofre com o custo do transporte do óleo e, para garantir uma margem razoável de lucratividade, precisa que a commodity esteja acima de 50 dólares. Rússia e Arábia Saudita são os dois maiores produtores mundiais e já há alguns anos observam pelo retrovisor os Estados Unidos se aproximarem. A vantagem insuperável dos dois países em relação aos concorrentes internacionais é que eles também possuem os campos de exploração mais baratos do planeta.

Roberto Castello Branco - INCERTEZA - Castello Branco, presidente da Petrobras: mudança de planos
INCERTEZA - Castello Branco, presidente da Petrobras: mudança de planos (Mauro Pimentel/AFP)

O tombo do valor do petróleo, que rondou os 60 dólares até meados de fevereiro, afeta em cheio a Petrobras e, por tabela, o Brasil. Apesar do efeito positivo da queda no custo dos combustíveis em meio à quarentena provocada pela pandemia do coronavírus — período no qual o consumo tem caído em média 40% —, a volatilidade traz incertezas que transformam o mercado de energia em um quebra-cabeça difícil de ser montado. O plano da Petrobras de arrecadar até 30 bilhões de dólares com a venda de ativos entre 2020 e 2024 foi, literalmente, para o lixo. A missão, anunciada pelo presidente da estatal, Roberto Castello Branco, era negociar todas as operações em terra ou águas rasas nas regiões Norte, Nordeste e Sul do país. Nos últimos meses, a empresa até conseguiu se desfazer de ativos na Nigéria e transferiu o controle da Liquigás e da BR Distribuidora, porém no pacote de ativos a ser liquidados há campos de petróleo, oito refinarias, além de fábricas de fertilizantes e de biodiesel. O projeto vai ficar para outro momento. Em teleconferência com analistas, Castello Branco admitiu que não venderá tão cedo as propriedades da companhia. “Os ativos se desvalorizaram muito. Nessa situação, não se vende nem mariola, quanto mais refinaria”, afirma David Zylbersztajn, professor da PUC-Rio e ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Dona de uma das maiores dívidas corporativas do mundo — herança das gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff —, a Petrobras vê todo o programa de reestruturação em xeque. A empresa pretendia investir 12 bilhões de dólares neste ano, mas teve de mudar os planos. Em vez disso, projeta um investimento de 8,5 bilhões de dólares e anunciou um programa de demissão voluntária (PDV) para cortar empregados de cargos altos, como gerentes, coordenadores e consultores. “Existia um cálculo de que a Petrobras teria capacidade de produzir 7 milhões de barris de petróleo por dia até o fim desta década. Isso, certamente, demorará mais a acontecer”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

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Como efeito colateral, o preço da gasolina desabou. Assim, as vendas de etanol — cujo valor é calculado com base em quanto a Petrobras cobra pelo derivado de petróleo nas refinarias — despencaram nas usinas brasileiras. Nos últimos quinze dias de março, as vendas de álcool hidratado, utilizado em carros flex, foram de 672 milhões de litros, uma queda de 21% em relação ao mesmo período de 2019, segundo dados da União da Indústria da Cana-de-Açúcar. Uma das opções avaliadas pelo Ministério da Agricultura é o aumento da contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide) para a gasolina e a suspensão temporária dos tributos de PIS/Cofins sobre o etanol para reorganizar o mercado. “Muitos produtores de etanol decidiram dedicar suas usinas à produção de açúcar”, afirma Fernando Mazuca, diretor financeiro da Uisa, ex-Usinas Itamarati. Apesar das incertezas, uma coisa está clara: se alguém se deu bem na confusão, foram a Arábia Saudita e a Rússia.

Publicado em VEJA de 22 de abril de 2020, edição nº 2683

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