ASSINE VEJA NEGÓCIOS

Papéis de empresas em RJ oferece risco alto — e muitas vezes, alto lucro

Investir em companhias como Inepar, Oi e Americanas é decisão arriscada — mas, com uma boa dose de coragem, pode ser bom negócio

Por João José Oliveira
29 jun 2025, 08h00

Empreiteira que já foi símbolo da pujança econômica brasileira, com participação em megaprojetos como as usinas de Itaipu e Belo Monte, além de plataformas de petróleo e refinarias, a Inepar sucumbiu à Operação Lava-jato, entrando em recuperação judicial em agosto de 2014. Suas ações, que chegaram a valer 36 reais em janeiro de 2010, já haviam desabado para a casa de 2 reais antes do pedido de proteção judicial — e continuaram em queda, atingindo 1,37 real em novembro de 2022, quando a empresa finalmente saiu do regime de reestruturação. Desde então, o papel acumula alta de quase 70%, mais que o dobro do avanço de 27% do Ibovespa, o principal índice da bolsa brasileira, no mesmo período. A montanha-rus­sa enfrentada pelos investidores da Inepar reflete os altos e baixos das ações de empresas que passam por esse tipo de desafio. Hoje, entre as mais de 400 companhias listadas na bolsa brasileira B3, há dezessete que estão em recuperação judicial (RJ). Algumas são ex-­líderes em seus setores, como a operadora de telefonia Oi, a fornecedora de energia Light e a varejista Americanas. Afinal, vale a pena investir em ações de uma companhia em risco de colapso financeiro — mas que, justamente por isso, pode oferecer oportunidades de valorização expressiva?

Leonardo Coelho, CEO da Americanas: a crise financeira levou à desconfiança dos investidores
Leonardo Coelho, CEO da Americanas: a crise financeira levou à desconfiança dos investidores (Andressa Anholete/Bloomberg/Getty Images)

A história mostra que, sim, investir em empresas em reestruturação judicial envolve riscos consideráveis. Um levantamento exclusivo feito por Einar Rivero, sócio fundador da consultoria Elos Ayta, que levantou informações de todas as companhias em RJ listadas na B3, revela o tamanho da encrenca. Desde o dia anterior à divulgação pública do pedido de recuperação de cada empresa, a mediana de retorno das ações ficou negativa em 13% em uma semana, em 26% em seis meses e em 38% em doze meses. No mesmo período, o Ibovespa teve desempenho positivo em todas essas janelas de tempo. A analogia usada pelo gestor e economista George Wachsmann ajuda a ilustrar o cenário. “Uma empresa em recuperação judicial é como um boxeador que foi à lona”, diz. “O árbitro interrompe o confronto e abre a contagem. Durante esse breve período, o lutador tem uma pausa para tentar se recompor e voltar à disputa.” Vale ressaltar, portanto, que recuperação judicial não é sinônimo de falência. “Em tese, a empresa está pedindo à Justiça proteção por um tempo determinado para reorganizar seu balanço”, diz Filipe Villegas, estrategista de ações da corretora Genial Investimentos.

arte finanças

Quais são os riscos associados a uma empresa em regime de recuperação judicial? Segundo Gustavo Akamine, sócio da casa de análises Constância Investimentos, podem ocorrer impasses nas negociações entre credores e acionistas, além de uma possível deterioração operacional causada pelo desgaste na reputação da companhia, o que dificulta o acesso a novos clientes, fornecedores e crédito. Para Fernando Siqueira, chefe de pesquisa da casa de análises Eleven Financial, o perigo pode ser ainda maior. “Se a empresa chegou a ponto de não conseguir pagar 100% de suas dívidas, então o valor das ações deveria ser zero”, diz. “A ação vira pó.”

Continua após a publicidade

Casos como o da Americanas e o da Oi ilustram as dificuldades vividas por seus acionistas. Os papéis da varejista, atualmente presidida por Leonardo Coelho, deslizaram quase 46% na semana do anúncio da recuperação judicial, em janeiro de 2023, acumulando queda de 97% até junho de 2025. A operadora Oi, por sua vez, perdeu 96% no mesmo intervalo, somando sua segunda passagem pela recuperação judicial. Na ponta oposta, raras exceções mostram que a recuperação é possível — ainda que longe de ser regra. A Light conseguiu acumular alta de 53% após sua recuperação judicial, em maio de 2023, impulsionada por um processo de reestruturação bem-sucedido.

Agrogalaxy: a companhia agrícola entrou em RJ em 2024. Desde então, as ações seguem em baixa
Agrogalaxy: a companhia agrícola entrou em RJ em 2024. Desde então, as ações seguem em baixa (./Divulgação)

Segundo especialistas do mercado financeiro, há perfis de investidores mais dispostos a enfrentar os riscos — nada desprezíveis, ressalve-se mais uma vez — de aplicar em empresas em recuperação judicial. Um deles é o especulador, voltado ao curto prazo. “Para esse tipo de investidor, o racional muda completamente”, afirma Villegas, da Genial Investimentos. “Como o mercado tende a premiar o incerto, esses ativos podem oferecer oportunidades interessantes.” Ainda assim, ele destaca que essa abordagem exige uma estratégia distinta daquela usada em carteiras de longo prazo. “O investidor de curto prazo se apoia em outras ferramentas, como análise gráfica e monitoramento constante das notícias do dia a dia.”

Continua após a publicidade

As ações de empresas em RJ exigem, de fato, um olhar atento dos investidores. Sócio e diretor da gestora de ativos Avantgarde, Felipe Pontes considera que a dinâmica do mercado acionário pode abrir boas oportunidades. Segundo ele, esses papéis costumam afastar a maioria dos investidores institucionais, pouco dispostos a assumir riscos tão elevados. “Com menor liquidez, pouca cobertura de analistas e atenção limitada da mídia, os preços dessas ações podem ficar bastante distorcidos, o que, para quem entra com a estratégia certa, significa uma chance real de ganho”, afirma. Pontes destaca que, ao entrar em recuperação judicial, o valor das ações tende a desabar, refletindo o aumento da incerteza. “Mas, se houver uma reestruturação bem conduzida, com cortes de custos, venda de ativos ou aporte de capital, o potencial de valorização pode ser significativo.” Ele cita como exemplo a OGX, que se transformou na Dommo e acabou sendo adquirida pela petrolífera Prio em 2022. “Apesar da forte volatilidade ao longo do caminho, quem comprou a ação a um preço adequado e soube o momento certo de sair teve uma excelente oportunidade de lucro.”

A atratividade de ações de empresas em processo de reestruturação depende de diversos fatores. Dois dos mais relevantes são a disponibilidade de ativos e a qualidade da gestão. Nem sempre é necessário trocar a cúpula da companhia para tirá-la da crise. Em alguns casos, como quando a recuperação judicial decorre de fatores externos, como um choque macroeconômico ou instabilidade setorial, o time de executivos pode, sim, ter condições de liderar a retomada. “Se a empresa entrou nessa situação por circunstâncias alheias à sua gestão, a mesma administração pode ser capaz de conduzir a recuperação”, afirma George Wachsmann. “Já no caso de uma companhia afundada por erros sucessivos do próprio time gestor, é difícil acreditar que ela vá reverter o cenário mantendo os mesmos líderes.”

Continua após a publicidade
Sede da Oi: as ações da empresa não se reergueram desde o início do processo de recuperação judicial
Sede da Oi: as ações da empresa não se reergueram desde o início do processo de recuperação judicial (Edilson Dantas/Agência O Globo/.)

Quem está disposto a correr riscos deve seguir alguns passos antes de aplicar recursos nessas empresas. Hugo Queiroz, sócio do escritório de investimentos L4 Capital, recomenda separar uma fatia específica da carteira, com a consciência de que o risco de perda total é real. Em seguida, é preciso avaliar a governança da companhia, incluindo o perfil dos conselheiros e executivos, além das relações com credores, fornecedores e clientes. Na sequência, deve-se realizar o valuation da empresa, ou seja, calcular o valor justo com base em seus ativos, passivos, geração de caixa e capitalização de mercado. Por fim, é essencial entender o ambiente judicial do processo, observando quem conduz o caso e quais os termos apresentados à Justiça e aos credores. Queiroz é investidor da Inepar e aposta na recuperação do negócio. “A nossa ambição é posicionar a empresa como uma espécie de Itaúsa do setor de óleo, gás e infraestrutura”, diz. Investir em empresas em reestruturação é como caminhar na corda bamba: o risco é alto, mas o prêmio pela travessia pode ser generoso.

Publicado em VEJA, junho de 2025, edição VEJA Negócios nº 15

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 9,90/mês*
OFERTA RELÂMPAGO

Revista em Casa + Digital Completo

Veja Negócios impressa todo mês na sua casa, além de todos os benefícios do plano Digital Completo
A partir de 10,99/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a R$ 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.