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Onde os nerds se encontram: Brasil é polo de feiras de cultura pop

Nos últimos dez anos, país se consolidou no segmento com o crescimento de marcas como a CCXP o BGS

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 27 set 2024, 06h00

Um dos primeiros encontros de fãs do mundo ocorreu em 30 de março de 1889, nos Estados Unidos, quando os leitores do Golden Hours, um jornal ilustrado destinado a jovens e crianças, se juntaram no Brooklyn Ice Palace, em Nova York, para uma tarde de diversão, com direito a apresentações musicais, shows de ventríloquos, desenhos com caricaturistas e conversas com veteranos da guerra civil e autores de livros infantojuvenis. A Convenção do Clube Golden Hours teve apresentação de P.T. Barnum, empresário e criador do lendário circo Ringling Brothers, e atraiu cerca de 2 000 crianças, de acordo com os relatos dos jornais da época. O evento abriu caminho para o que hoje em dia é considerado um negócio altamente lucrativo no mundo do entretenimento: as feiras e convenções de cultura pop.

Gamescom: primeira edição do evento no Brasil gerou 200 milhões de dólares
Gamescom: primeira edição do evento no Brasil gerou 200 milhões de dólares (ZUMA Press/Alamy/Fotoarena/.)

Nos últimos dez anos, o Brasil se consolidou como um novo polo mundial do segmento, em razão do crescimento de marcas locais como a Comic Con Experience (CCXP) e o Brasil Game Show (BGS), além da entrada de atores internacionais como a alemã Gamescom. Prova dessa maturidade é uma decisão recente da Walt Disney Company, confirmando que a D23, convenção de fãs oficial da empresa, realizada bienalmente em Anaheim, na Califórnia, acontecerá pela primeira vez na América Latina, em São Paulo. Batizada D23 Brasil — Uma Experiência Disney, ocorrerá nos dias 8, 9 e 10 de novembro, no Transamérica Expo Center, ocupando uma área de 41 000 metros quadrados, com uma infraestrutura que inclui um auditório principal com capacidade para 2 400 pessoas, um segundo palco para apresentações e pocket shows, espaços de exposição imersivos e uma megaloja com produtos exclusivos.

A escolha do Brasil para sediar uma edição estrangeira da D23, que tem esse nome como referência ao ano de 1923, em que Walt Disney fundou o estúdio, não é apenas um reconhecimento da base de fãs local, mas também um reflexo do potencial do mercado brasileiro de entretenimento, considerado um dos mais dinâmicos da América Latina. “O Brasil é um dos nossos mercados mais vibrantes e engajados, com uma comunidade que abraça nossas histórias, personagens e experiências de maneira singular”, disse a VEJA Renato D’Angelo, gerente-geral da Walt Disney Company Brasil. Anteriormente, só o Japão havia recebido recortes da convenção bienal americana, em 2013, 2015 e 2018.

Brasil Game Show: lançamentos, competições de eSports e áreas temáticas
Brasil Game Show: lançamentos, competições de eSports e áreas temáticas (ZUMA Press/Alamy/Fotoarena/.)
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A magnitude da D23 Brasil é evidenciada também pela participação de marcas como Bradesco, Visa, Mercado Livre, Claro e Zurich Seguros. Embora a Disney não revele valores de investimento, o impacto econômico de um evento desse porte é multifacetado. Primeiramente, há o influxo direto de receita proveniente da venda de ingressos. Com preços variando de 174,95 reais (meia-entrada) a 999,90 reais (Magic Pass de três dias), as estimativas de arrecadação são substanciais. “Isso tudo reforça a importância de São Paulo como um dos maiores hubs de eventos do mundo e mostra o potencial do Brasil para receber encontros internacionais de grande porte, consolidando ainda mais a cidade como um destino preferencial para eventos globais”, afirma D’Angelo.

A realização da D23 no Brasil não é um caso isolado, mas parte de uma tendência crescente. A Comic Con Experience, idealizada e produzida pela Omelete Company, vem ampliando seu alcance no cenário internacional. Desde a primeira edição, em 2014, já recebeu 1,7 milhão de pessoas ao longo de sua existência, incluindo uma feira itinerante, em Recife, e duas internacionais, em Colônia, na Alemanha, e na Cidade do México. Com dois eventos digitais, sob o selo de CCXP Worlds, a marca alcançou uma audiência de 7,5 milhões de usuários, distribuídos em 139 países.

D23: São Paulo vai sediar o primeiro encontro de fãs da Disney na América Latina
D23: São Paulo vai sediar o primeiro encontro de fãs da Disney na América Latina (Araya Doheny/Disney/Getty Images)
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Em 2024, a CCXP ocorrerá de 5 a 8 de dezembro, no São Paulo Expo, com entradas a partir de 190 reais (meia-entrada) até 2 300 reais pelo Epic Pass, que dá direito aos quatro dias, mais mimos que incluem descontos e foto com um dos convidados — entre eles os atores Giancarlo Esposito, das séries Breaking Bad e Better Call Saul, e Matt Smith, de Doctor Who e A Casa do Dragão. É um fenômeno não apenas cultural, mas também econômico. “Só na cidade de São Paulo, ela tem um impacto de quase 1 bilhão de reais, gerando 24 000 empregos diretos e indiretos”, afirma Renato Fabri, presidente da CCXP. Apesar do sucesso, a CCXP enfrenta desafios, principalmente relacionados à flutuação cambial. “Acaba influenciando”, diz Fabri. “Os cachês são em dólares, os voos, tudo o que a gente faz, mas as receitas aqui do Brasil são em reais.” De qualquer maneira, o executivo é otimista quanto ao futuro do evento e do mercado de cultura pop no Brasil: “O céu é o limite para esse segmento”.

Em meio a esse cenário, a Gamescom Latam, que adquiriu o antigo BIG Festival, emerge como um evento transformador para a indústria de jogos. Realizada no fim de junho, a primeira edição latino-­americana do maior encontro de gamers do mundo superou as expectativas, atraindo mais de 100 000 visitantes de setenta países. O sucesso foi tamanho que a edição de 2025 já foi agendada para o fim de abril, no Centro de Convenções Anhembi. “No último evento, geramos 200 milhões de dólares em negócios”, afirma Gustavo Steinberg, presidente da Gamescom Latam. Além disso, a cidade de São Paulo se beneficiou com uma injeção de 23 milhões de reais em hospedagem e alimentação.

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O sucesso da Gamescom Latam e da concorrente Brasil Game Show reflete o crescimento explosivo da indústria de games no Brasil. Há uma década, existiam cerca de vinte estúdios de desenvolvimento de jogos eletrônicos no país. Hoje em dia, o número se aproxima de 1 200, evidenciando um boom no setor. A BGS começou em 2009, no Rio de Janeiro, e depois se mudou para a capital paulista, ocupando atualmente todos os pavilhões do Expo Center Norte. Mais de 2 milhões de pessoas já passaram pela feira. A edição deste ano, de 9 a 13 de outubro, contará com cerca de 400 estandes, mais de 3 000 influenciadores, campeonatos de eSports, áreas temáticas e centenas de lançamentos e atrações.

À medida que o Brasil se estabelece como um destino primordial para feiras e convenções de cultura geek, é provável que vejamos um aumento do número e da escala desses eventos nos próximos anos. Isso não apenas beneficiará os fãs locais com acesso a experiências únicas, mas também impulsionará o turismo e a economia, consolidando o país como um competidor importante no cenário global de entretenimento e cultura pop. “O público brasileiro é apaixonado por isso tudo, é um consumidor ávido e está sempre em busca de novas experiências”, diz o analista Carlos Silva, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing. “Além disso, o Brasil possui uma estrutura cada vez mais profissionalizada para a realização desses eventos.” São os nerds e geeks assumindo o protagonismo da cena de eventos internacionais.

Colaborou Diego Gimenes

Publicado em VEJA, setembro de 2024, edição VEJA Negócios nº 6

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