O Zé fez um império: 90 anos de histórias do fundador da J&F
José Batista Sobrinho abriu um açougue, há setenta anos, e deu o primeiro passo no grupo que hoje é global e fatura quase 400 bilhões de reais
Maior grupo privado não financeiro do Brasil, com receita anual de 393 bilhões de reais. Maior empregador do país, com 173 000 funcionários — são 278 000 no mundo. Maior produtor de proteína animal do planeta, com 465 unidades produtivas e escritórios comerciais. Negócios nos setores de carnes, celulose, energia, mineração, cosméticos, finanças. Quem diria que esse império empresarial, sob a holding J&F, nasceu como um pequeno açougue no sertão do Brasil? O “J” vem do nome do fundador, José Batista Sobrinho, o “F” é de sua mulher, Flora. O início foi com a abertura da Casa de Carne Mineira em Anápolis, Goiás, há setenta anos. Pela história que desde então se desenrolou, Zé Mineiro, como é carinhosamente chamado, se tornou um dos mais destacados empresários do país. Sua fortuna não é conhecida, mas dois de seus filhos, Wesley e Joesley, aparecem como dotados de 2,6 bilhões de dólares, na 18ª posição da lista de brasileiros mais ricos da revista Forbes. No dia 18 de dezembro, Zé completa 90 anos, ativo a ponto de ir todos os dias ao QG de seu poderoso grupo, na Zona Norte de São Paulo.
Tudo começou em 1953. José, aos 20 anos, era o sétimo entre os oito filhos de um fazendeiro que havia migrado de Minas Gerais para o interior goiano. “Assim que eu voltei do Exército, sem nada, meu pai deu a mim e a meu irmão um jipe e falou pra gente usar. Foi aí que compramos três lotes de novilha para vender carne”, diz Zé Mineiro. A freguesia, lembra, era formada por donas de casa. O açougue ia bem, mas o primeiro salto foi dado em 1957. Zé Mineiro enxergou que a construção de Brasília, então no início, seria uma grande oportunidade. Decidiu mudar para lá e começar a fornecer carne para os acampamentos de operários das empreiteiras que erguiam a nova capital federal. A primeira aquisição, movimento que é marca registrada do grupo, veio em 1969, com a incorporação de um frigorífico em Formosa, outra cidade goiana. Dali nasceu a Friboi, principal marca da JBS, a processadora de carnes do grupo.
Enquanto o pai expandia o negócio pelo Centro-Oeste, os pequenos Wesley e Joesley cresciam em abatedouros junto ao irmão mais velho, José Batista Júnior, que já participava das atividades. “Esses meninos não aprenderam comigo atrás deles. Foram sozinhos”, afirma Zé Mineiro. “Quando surgia um problema mais sério eu dizia para procurarem um jeito de resolver. E deu certo, cada um se virou como podia.” Por mais que o pai diga o contrário, os filhos dizem ter aprendido muito com o “Seu Zé”. Uma lição que sobressai é a de “pegar com as duas mãos”. Wesley explica: “Ele dizia que é como dirigir um carro: manter duas mãos ao volante reduz o risco de um acidente”. Outro aprendizado foi o da delegação. “Meu pai viajava, não parava em casa, porque tinha que olhar gado para comprar. Era um ritmo intenso, mas quando nós chegamos, meninos ainda, ele começou a nos delegar”, diz Joesley. Em 1988, os filhos foram incumbidos dos frigoríficos. Zé Mineiro permaneceu à frente do braço de pecuária. Ainda hoje percorre as fazendas da família.
“Com as duas mãos”, os filhos internacionalizaram a operação, primeiro com a compra da Swift, na Argentina, em 2005, e depois com a da Pilgrim’s, nos Estados Unidos, em 2009. A JBS se consolidou como a segunda maior empresa de alimentos do mundo. Na trajetória ascendente, veio um tropeço em 2016. Joesley e Wesley foram alvos da Operação Lava-Jato e fecharam acordo de delação premiada com a Justiça. No âmbito do acordo, uma gravação de Joesley com o presidente Michel Temer foi entregue, com a indicação de uma suposta compra do silêncio do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Meses depois, já em 2017, eles foram presos por uso de informação privilegiada para lucrar no mercado financeiro com a divulgação da gravação, que provocou um baque na bolsa de valores, no que ficou conhecido como o “Joesley Day”. Recentemente, foram absolvidos da acusação pela Comissão de Valores Mobiliários. “A prisão foi um momento superdifícil, não nos orgulhamos, mas meu pai tem muita estabilidade emocional”, diz Wesley. “Nunca vi ele eufórico nos momentos bons nem prostrado nos ruins.” Durante esse período, que durou seis meses, o recado que o pai fazia chegar aos filhos era “fiquem firmes”.
Aos 90 anos, Zé Mineiro conquistou tudo. Se pudesse dar um presente ao pai, Wesley diz que daria “muitos anos mais de vida”. “Ele é apaixonado por viver e sempre diz que é uma pena ter tão pouco tempo restante.” Na quarta 13, os filhos fizeram uma festa na fazenda da família para celebrar a data tão marcante. Evento à altura de quem construiu um império: cerca de 1 000 convidados, entre políticos, empresários e amigos.
Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2023, edição nº 2872