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“O trabalho remoto em casa é fonte de desigualdade”, diz urbanista Carlos Moreno

Para o criador do conceito da cidade de quinze minutos, as empresas precisam criar lugares para trabalhar hiperconectados e descentralizados

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 Maio 2025, 21h57 - Publicado em 5 Maio 2025, 14h25

O urbanista franco-colombiano Carlos Moreno é criador do conceito da cidade de quinze minutos, que procura reduzir o tempo de deslocamento e tornar os centros urbanos mais sustentáveis e amigáveis. O exemplo mais conhecido da aplicação desse modelo é o de Paris, onde a prefeita Anne Hidalgo abraçou a ideia com empenho, com resultados palpáveis. Outras cidades, como Melbourne (Austrália), Medellín (Colômbia) e Chengdu (China), também passaram a fazer planejamentos urbanos com base no conceito de “proximidade feliz”, em que os serviços e as atividades de que um morador precisa, incluindo os locais de trabalho, estão a poucos minutos de distância a pé ou de bicicleta. “Em Paris, o tempo de deslocamento caiu em relação ao que era antes da pandemia”, diz Moreno, que nasceu na Colômbia em 1959, filho de agricultores, e chegou à França na juventude como refugiado político, onde fez faculdade e se tornou professor da Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Ele também é membro da prestigiada Académie des Technologies da França. Moreno estará no Brasil entre os dias 6 e 8 de maio para participar do fórum Arqfuturo, em Campinas (SP), e para o lançamento de seu livro “A cidade de 15 minutos” (BEI Editora), em que expõe suas ideias sobre uma mudança de paradigma nas cidades, substituindo o espaço para carros por espaço para as pessoas. A seguir, a íntegra da entrevista concedida por Moreno à VEJA:

Como surgiu a ideia da cidade de quinze minutos?

Em 2015, quando se firmou o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, entendi que as cidades precisam estar na linha de frente dessa luta, pois contribuem mais para a emissão de CO2. A proposta de um modelo policêntrico de cidade, com múltiplos centros, consiste em revalorizar o tempo urbano da proximidade.

Quais problemas esse modelo procura corrigir?

A cidade é um conjunto de ilhas de proximidade para as pessoas. A falha está na centralização e na excessiva fragmentação urbana. As cidades têm que ser feitas para as pessoas e não para os carros. A cidade de quinze minutos aproxima as pessoas de todo tipo de serviço de que necessitam, de maneira descentralizada.

Como isso está sendo aplicado?

Em Paris, nas ruas diante das escolas não passam mais carros. Elas se tornaram miniparques voltados para os pedestres. São 500 novas vias para pedestres em frente às escolas, quando antes existiam 200. Isso é uma mudança de paradigma. Foram eliminados 60 000 lugares de estacionamento em superfície, que agora são ocupados por jardins. Em grandes avenidas, onde antes havia duas faixas para veículos e duas para vagas de estacionamento, agora há ciclovias. A capital francesa hoje tem 200 quilômetros de pistas protegidas para bicicletas.

Qual foi o resultado?

O tempo de deslocamento caiu em relação ao que era antes da pandemia, porque agora as pessoas conseguem fazer o essencial para a sua vida perto de casa. São serviços públicos, esportivos, médicos, comércios, padarias, açougues, livrarias, zonas verdes, zonas de descanso, atividades culturais e escolas que agora podem ser acessados a pé.

Como levar o trabalho para perto das pessoas?

Criando novos lugares de proximidade para trabalhar. O trabalho gera muitos deslocamentos. Depois da pandemia, esse aspecto está se transformando profundamente, com a evolução do trabalho à distância. Não me refiro ao trabalho remoto em casa, porque essa modalidade é uma grande fonte de desigualdade. Nem todo mundo tem um grande apartamento para poder trabalhar de casa. Em vez disso, estão sendo criados novos lugares de proximidade para se trabalhar. Muitas empresas que tinham prédios inteiros para acomodar seus funcionários agora estão se reconfigurando para oferecer lugares múltiplos em que os colaboradores que vivem em diferentes regiões possam trabalhar.

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A construção de prédios ao longo de corredores de transportes, como ocorre em São Paulo, é uma boa solução?

A verticalização não é uma solução mágica. Ao contrário, em algumas situações pode até agravar o problema. É preciso levar em consideração o conceito de densidade orgânica, menos opressivo, que oferece um espaço público vertical com terraços, serviços, vegetação e áreas comuns. O problema em São Paulo é que o que se tem é uma verticalidade de negócios ou de rendimento por metro quadrado, um empilhamento de pisos sem serviços para as pessoas. Não é uma cidade para as pessoas, é uma cidade para as construtoras.

Esse não é apenas um problema de São Paulo?

Em toda a América Latina existe o paradigma do surgimento de zonas mais modernas, muitas vezes corporativas, em que a verticalidade é a solução. Estive em Santiago do Chile, onde conversei com o criador do edifício Costanera Center, o mais alto da América do Sul. Ele está parcialmente vazio, pois a verticalização das cidades não é acompanhada de mistura social e funcional. Em Santiago, criou-se no bairro central uma série de construções que agora estão sendo chamadas guetos verticais. As pessoas que ali vivem às vezes gastam mais tempo descendo de elevador dos andares mais altos, do que no trânsito ou em transporte público. Em horários de pico, o tempo de deslocamento até o térreo leva até 25 minutos.

É possível aplicar o modelo da cidade de quinze minutos a metrópoles como São Paulo, onde milhões de pessoas vivem em bairros distantes?

Sim, equilibrando densidade de habitação com serviços e com lugares para trabalhar hiperconectados e descentralizados. O extremo oposto da verticalidade massiva sem serviços é o espalhamento massivo sem serviços. Quando as pessoas vivem a 20 ou 30 quilômetros do centro histórico, sem serviços, significa que têm um teto para morar, mas não vivem na cidade. Atualmente, ir de um bairro mais afastado para trabalhar no centro não é uma comodidade, não é um prazer. É um castigo ou um sofrimento pelas más condições do transporte público e do trânsito, ou, o que é pior, uma perda de tempo e de saúde urbana.

Em algumas cidades britânicas, houve protestos da população contra a implantação do modelo da cidade de 15 minutos. Por quê?

Sim, em muitas cidades houve protestos de setores muito radicais que consideram que reduzir o espaço para o automóvel é um atentado contra a liberdade. Isso foi fruto do boato de que queríamos que as pessoas não saiam das suas casas, que fiquem lá encerradas, como uma continuação do que ocorreu na pandemia. Posteriormente, porém, as eleições na Inglaterra mostraram que os eleitores apoiavam as plataformas que defendiam cidades mais tranquilas, mais amigáveis e com mais árvores, do que continuarem feitas para os carros. Os setores mais extremistas que defendiam os carros acabaram tendo apenas 4% dos votos. Ou seja, quando se explica com clareza a proposta e quando se percebe o benefício do novo modelo, as coisas mudam.

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O custo para implantar esse modelo é muito alto para as prefeituras?

A outra opção, manter as cidades fragmentadas, custa mais, pois gera problemas de construção, de poluição e de saúde urbana. Sem falar nos impactos das mudanças climáticas. Valência, a terceira maior cidade da Espanha, por exemplo, há apenas três meses, foi destruída por um inundação. As ondas de calos nas cidades são cada vez mais letais. O uso do carro estimula o sedentarismo, que leva à obesidade e a doenças cardiovasculares. Quando se junta todas as externalidades negativas que o nosso modo de vida provocam, em comparação com a mudança de paradigma, fica evidente que o custo de adaptação não é a principal barreira. O custo de transformar a cidade para o modelo de proximidade não é alto. Trata-se de fechar as ruas, abrindo-as para as pessoas e para as bicicletas, de tirar o asfalto e se reencontrar com a terra, com a vegetalização. A barreira não é econômica, é política, de mentalidade. O mais difícil é mudar o modelo de negócios que prevalece nas cidades.

Como esse novo desenho de proximidade pode ajudar a reduzir a sensação de insegurança nas cidades?

O sentimento de insegurança de fato transforma a vida negativamente e aumenta a desconfiança do espaço público, o lugar mais sagrado da cidade. Quando o público desaparece por temor da criminalidade, cria-se um círculo vicioso. Quanto menos gente houver no espaço público, maior a sensação de insegurança, o que incentiva ainda mais o seu esvaziamento. O desafio, na América Latina, é ter um espaço público seguro e onde as pessoas se sintam bem, o que chamamos de tropofilia.

Não basta ter um número maior de policiais nas ruas?

A qualidade de vida nas cidades não é proporcional ao número de policiais. Há uma visão da polícia de proximidade, cujo objetivo é regenerar o vínculo da segurança no espaço público. Mas no longo prazo, o investimento necessário para manter as forças policiais de pé é inversamente proporcional ao que se necessita para ter um espaço público de qualidade, com sentimento de urbanidade e empoderamento cidadão.

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