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O superciclo de concessões em infraestrutura

A melhoria de regras permitiu que o setor privado avançasse e o resultado é um pico de R$ 259 bi neste ano em investimentos

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 29 nov 2024, 06h00

O Brasil está vivendo um superciclo de infraestrutura graças ao alinhamento de fatores favoráveis que têm permitido suplantar gargalos históricos no setor e incertezas da conjuntura fiscal e econômica. Segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), 2024 deve fechar com 259 bilhões de reais investidos em infraestrutura, um recorde dos últimos dez anos em valores atualizados. Isso equivale a 2,2% do PIB projetado para o ano, um aumento de 0,3 ponto percentual sobre 2023. É pouco diante do que se considera necessário para um país que busca se desenvolver, que seria investir mais de 4% do PIB ao ano, mas também é uma medida das oportunidades de negócios que se apresentam para suprir a demanda em transportes, energia elétrica, saneamento e outros serviços públicos que exigem obras e manutenção. O estoque de capital em infraestrutura no país, hoje em 35,5% do PIB, ainda está longe do ideal, que seria de ao menos 60% do PIB (veja o gráfico). Se o setor está ganhando tração para preencher esse hiato, isso se deve principalmente à crescente participação de empresas por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPPs). Atualmente, a iniciativa particular investe 3 reais para cada 1 real destinado pelo Estado à infraestrutura.

Os planos para os próximos anos são promissores. A Abdib estima que os leilões previstos até 2027 devem garantir mais 300 bilhões de reais em investimentos. Para 2025, estão previstas licitações de 22 terminais portuários e de mais de 100 aeroportos regionais. As duas dezenas de projetos de saneamento básico previstas para o ano que vem devem atrair 72 bilhões de reais em investimentos. O setor elétrico, que já é o campeão em aportes, deve continuar energizado, com uma novidade para 2025: o governo federal tem a previsão de fazer em junho o primeiro leilão de armazenamento de energia por meio de baterias. O setor de rodovias, que já tem 29 000 quilômetros sob concessão, espera dobrar a cobertura nos próximos cinco anos. “Vivemos o nosso melhor momento, com grande número de projetos, problemas em concessões em andamento sendo resolvidos e novos contratos de melhor qualidade”, diz Marco Aurélio Barcelos, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias, que estima em duas dezenas o total de novas concessões previstas para 2025, entre estradas federais e estaduais.

Novos modelos de concessões e PPPs estão sendo lançados. “A prioridade tem sido aumentar o nível de investimento feito e melhorar a qualidade dos serviços”, diz Marcus Cavalcanti, secretário especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal. Uma das novidades em curso são as concessões rodoviárias light: em vez de grandes investimentos, como os necessários para duplicações, o foco é em obras de manutenção, de forma a garantir a segurança com pedágios de tarifas menores ou sem cobrança em estradas de regiões mais pobres ou com menor fluxo de veículos.

Setor elétrico: falhas no serviço e reequilíbrio de tarifas são desafios constantes
Setor elétrico: falhas no serviço e reequilíbrio de tarifas são desafios constantes (Antonio Molina/Fotoarena/.)
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Outro modelo que tem crescido em municípios, com apoio do PPI, é o de concessões de iluminação pública por meio de PPPs, em que a empresa expande, opera e faz a manutenção do serviço, recebendo uma mensalidade paga com a Cosip, uma taxa embutida na conta de luz. Existem cerca de 130 contratos do tipo no Brasil e estima-se que mais de 1 000 municípios sejam elegíveis para adotar o modelo. Mais inovações em parcerias com o setor privado estão surgindo nos estados. O governo de São Paulo está apostando em projetos não convencionais como um que coloque em mãos privadas a missão de construir e gerir a infraestrutura para lidar com a água em seus momentos de escassez (reservatórios) e de excesso (drenagem). “Esse é apenas um exemplo do que estamos idealizando para ir além dos planos já robustos em áreas como mobilidade urbana, com a expansão de transportes sobre trilhos, e rodovias”, diz Rafael Benini, secretário paulista de Parcerias em Investimentos. Ele diz que a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) começou com um plano de alcançar 200 bilhões de reais em investimentos privados contratados no longo prazo em concessões. Ainda na metade do mandato, o valor já passou de 300 bilhões e Benini estima que, até o final de 2026, chegará a 400 bilhões de reais contratados. Entre as apostas estão os investimentos em infraestrutura social, o que inclui os leilões recentes para PPPs dedicadas à construção e à manutenção de escolas estaduais. “Trata-se de uma solução muito positiva, pois aumenta a qualidade das instalações e reduz o desperdício de dinheiro público, enquanto a gestão pedagógica permanece com o Estado”, diz Claudio Frischtak, sócio-fundador da Inter.B Consultoria.

arte concessões

A ideia de que concessões e PPPs são mecanismos para preencher as lacunas em infraestrutura estava longe de ser uma unanimidade entre gestores públicos até recentemente. Agora é quase um consenso, construído ao longo dos últimos anos conforme as primeiras parcerias com a iniciativa privada demonstravam seus benefícios e novos projetos foram sendo aprimorados com os erros e acertos. Um marco nessa trajetória foi a Lei de Concessões, que completa trinta anos em fevereiro de 2025. A primeira grande concessão foi a que cedeu a gestão da Ponte Rio-Niterói para um consórcio que hoje compõe o Grupo CCR. Em 2015, após o fim do contrato, houve nova licitação, desta vez vencida pelo grupo EcoRodovias, em uma demonstração de maturidade de um modelo que garante gestão e melhorias em um ativo de infraestrutura. Quando surgiram os primeiros projetos de concessão no Brasil, especialmente em saneamento e rodovias, a estrutura institucional e regulatória era incipiente. Não existia um histórico que servisse como referência para saber o que funcionava ou não. “Nos anos 2000, começaram a surgir alguns problemas, como intervenções unilaterais nas concessões e ameaças à segurança jurídica, incluindo percepções negativas do modelo em casos específicos, como em rodovias no Paraná. Isso gerou preocupações no mercado investidor e acabou contaminando o setor de concessões como um todo”, afirma Gustavo Gusmão, sócio de infraestrutura da consultoria EY.

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Tarcísio de Freitas: o governo paulista já tem 300 bilhões de reais contratados
Tarcísio de Freitas: o governo paulista já tem 300 bilhões de reais contratados (Paulo Pinto/Agência Brasil)

A situação começou a mudar com a Lei 11.079/ 2004, a chamada Lei das PPPs, que introduziu novas formas de concessões, com a participação financeira do governo nos projetos. Isso foi importante para viabilizar iniciativas que dependiam mais de recursos públicos e para proporcionar maior segurança jurídica ao setor privado — muitas vezes preocupado, por exemplo, com a ideia de que o poder público fosse mau pagador. A lei ajudou a criar um ambiente mais favorável às concessões. Desde então, três tendências se consolidaram no setor. A primeira foi o crescente protagonismo dos estados, que avançaram com suas próprias leis de PPP e projetos de concessão. A segunda foi a resiliência comprovada do investidor de infraestrutura a crises ou incertezas macroeconômicas. A terceira foi a evolução positiva do ambiente regulatório. “Houve um reforço, por parte do poder concedente e das agências reguladoras, que se modernizaram e olharam para o mercado internacional em busca de inovações”, diz Marcello Guidotti, presidente da EcoRodovias. Alguns setores, como os de energia elétrica e transportes, são considerados mais maduros em termos de regulação, enquanto outros, como o de saneamento, estão em estágio intermediário, ainda lidando com marcos legais recentes.

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A questão regulatória tem evoluído também em nível estadual. “Vejo de forma otimista neste ano o projeto de lei para reestruturar a Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo) e os planos para criar uma agência do setor em Minas Gerais. Essas iniciativas coroam um esforço por maior segurança e independência regulatória”, diz Eduardo Camargo, presidente da CCR Rodovias. Há, porém, um risco de retrocesso nesse campo por causa do interesse político que as agências reguladoras vêm despertando, o que inclui tentativas recentes de ministros de interferir em sua atuação. O mercado está especialmente preocupado com uma Proposta de Emenda à Constituição, apresentada pelo deputado federal Danilo Forte (União Brasil-CE), que dá à Câmara o poder de fiscalizar as agências, efetivamente reduzindo sua autonomia.

Ponte Rio-Niterói: concessão, em 1995, foi o marco inicial do setor
Ponte Rio-Niterói: concessão, em 1995, foi o marco inicial do setor (Ricardo Siqueira/Brazil Photos/LightRocket/Getty Images)

Além dos ataques às agências reguladoras, há outras pendências. A primeira é a falta de planejamento, para basear decisões em projeções futuras, como o crescimento das cidades e a necessidade de expansão de rodovias. “Os ativos de infraestrutura têm vida útil longa, de décadas, mas ainda prevalecem os programas de governo sobre os programas de Estado, que valorizam o que foi legado pelos gestores públicos anteriores”, diz o economista Gesner de Oliveira, sócio da GO Associados e coordenador do Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais da FGV-SP. O segundo desafio é o custo elevado do dinheiro no Brasil, especialmente com juros em alta, o que acaba drenando recursos que poderiam ir para a infraestrutura. Para contornar esse problema, o BNDES vem aumentando a aprovação de créditos para projetos na área. As empresas também estão explorando alternativas no mercado de capitais, com um aumento de emissão de debêntures, graças a um decreto federal deste ano que criou uma nova classe desses títulos, com benefícios tributários, voltada para a infraestrutura.

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Saneamento: com mais de vinte projetos, deve atrair 72 bilhões de reais em 2025
Saneamento: com mais de vinte projetos, deve atrair 72 bilhões de reais em 2025 (Sabesp/Divulgação)

O terceiro desafio é a insegurança jurídica, que passa por incluir nos contratos dispositivos que tornem mais ágeis os reequilíbrios (por exemplo, em ajustes tarifários), que incentivem as partes a cumprir com responsabilidades e que contemplem melhor os riscos extraordinários das concessões. Os últimos dois pontos são úteis para evitar situações como a dos recentes apagões na cidade de São Paulo, em que a prefeitura e a concessionária de energia elétrica se acusaram mutuamente de não cumprir obrigações. O quarto desafio são os custos de construção crescentes, agravados por escassez de mão de obra e por um setor de engenharia ainda se reerguendo do impacto dos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato, com empreiteiras menores ocupando aos poucos o vácuo deixado pelas grandes. O quinto e último desafio é a necessidade de ampliar a capacidade dos órgãos ambientais de analisar e aprovar projetos, uma demanda que tende a crescer com os investimentos que se avolumam a cada minuto. O superciclo de infraestrutura exige uma superpreparação não só das empresas, mas também do poder público.

Publicado em VEJA, novembro de 2024, edição VEJA Negócios nº 8

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