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O que é a ‘taxa da seca’ que faz ressurgir debate sobre infraestrutura no Amazonas

Cobrança pela baixa navegabilidade revela fragilidade logística na região que abriga mais de 500 indústrias na Zona Franca de Manaus

Por Luana Zanobia, de Manaus
Atualizado em 22 nov 2024, 18h08 - Publicado em 22 nov 2024, 09h00

A seca histórica que assolou o estado do Amazonas no último ano expôs uma ferida aberta há décadas: a infraestrutura precária da região. Embora o estado abrigue um dos maiores polos industriais do Brasil, a Zona Franca de Manaus (ZFM), que hospeda mais de 500 empresas, incluindo gigantes globais como Honda, LG e Coca-Cola, revelou a vulnerabilidade de um sistema logístico altamente dependente das vias fluviais.

A ZFM é uma anomalia no contexto industrial brasileiro. Enquanto a taxa de agregação de valor nas regiões mais industrializadas do país gira em torno de 15%, no Amazonas esse índice chega a impressionantes 27,6%. Isso significa que, mesmo representando apenas 2,8% do PIB da indústria de transformação, a região gera mais valor agregado do que áreas como São Paulo e o Sul do país, desafiando a visão comum de que o Amazonas é uma zona puramente extrativista.

“Esses dados demonstram que o Amazonas possui uma indústria robusta, que vai além da simples montagem de produtos”, afirma José Roberto Machado, professor da Universidade Federal do Amazonas. O faturamento projetado para 2024, em torno de 38 bilhões de dólares, é uma prova do impacto dessa produção para a economia local e nacional.

Contudo, a seca de 2023 paralisou a logística fluvial, a principal via de escoamento das mercadorias da região, gerando uma cadeia de problemas. Os armadores, responsáveis pelo transporte de contêineres, impuseram uma “taxa da seca” para compensar os custos extras associados à navegação em rios de nível mais baixo. O aumento foi significativo, com variações que chegam a até US$ 5.500. Para as indústrias, que movimentam milhares de contêineres, os custos adicionais se acumularam rapidamente, impondo uma carga financeira de cerca de R$ 1,4 bilhão em 2023.

O impacto financeiro, contudo, vai além das fronteiras das indústrias. O governo federal se beneficia dessa crise, arrecadando impostos como PIS e Cofins sobre os valores inflacionados pelo aumento logístico. Enquanto isso, o estado do Amazonas não recebeu, em 2023, nenhum investimento significativo em infraestrutura que pudesse mitigar os efeitos da seca ou melhorar o sistema de transporte.

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A infraestrutura, ou a falta dela, é o cerne do problema. Embora a BR-319, rodovia que liga Manaus a Porto Velho, tenha sido discutida desde a década de 1970 como uma solução para a integração da Amazônia com o restante do Brasil, o projeto ainda não saiu do papel de maneira efetiva. “Uma rodovia não é suficiente para resolver o problema logístico da Amazônia”, afirma Augusto César, coordenador da comissão Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM) de logística. “Estamos falando de uma região do tamanho do Nordeste, com desafios imensos de transporte. Precisamos de um verdadeiro sistema logístico, que inclua tanto rodovias quanto hidrovias.”

A criação de um sistema de hidrovias permanente, que assegure a navegabilidade dos rios amazônicos durante todo o ano, é uma solução frequentemente discutida, mas pouco implementada. “O potencial das hidrovias na Amazônia é imenso, mas falta infraestrutura adequada para garantir o transporte contínuo, especialmente durante os períodos de seca.”

Além das questões logísticas, a seca e a falta de infraestrutura exacerbam o preconceito estrutural em relação à Amazônia. “Muitos enxergam a região como uma fronteira remota, um recurso a ser explorado ou saqueado”, critica César. “Esse imaginário colonizador ignora o papel vital da Amazônia na economia nacional. A verdade é que o governo federal negligencia sistematicamente a região.”

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Essa negligência se manifesta de forma contundente nos números de investimentos. Em 2023, apenas 0,6% do PIB nacional foi direcionado para projetos de infraestrutura na região, um valor insuficiente para enfrentar a disparidade crescente entre o Amazonas e outras partes do país. A defesa dos economistas da região e do CIEAM é que 2,5% do PIB do estado seja alocado anualmente para corrigir essas assimetrias.

Outro fator que agrava a situação é o uso de questões ambientais como pretexto para atrasar ou bloquear investimentos em infraestrutura. “Há uma preocupação superficial com o meio ambiente que, na prática, serve como justificativa para cortar ou redirecionar recursos. Se houvesse uma verdadeira preocupação ambiental, veríamos mais fiscais, mais pesquisas e mais governança na Amazônia”, argumenta César.

Enquanto isso, a população e as empresas da região seguem à mercê de uma logística cara e ineficiente. O custo de vida na Amazônia é um exemplo claro desse problema. Voar de Porto Velho para Manaus custa cerca de R$ 7 mil, enquanto um voo de Manaus para Lisboa sai por R$ 5 mil. Essa discrepância absurda demonstra a urgência de investimentos na infraestrutura local.

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O debate sobre a “taxa da seca” e a infraestrutura no Amazonas é, na verdade, uma discussão mais ampla sobre como o Brasil enxerga sua maior fronteira. Sem uma mudança estrutural, a Amazônia continuará a ser tratada como uma região distante e negligenciada, apesar de seu imenso potencial econômico e ambiental.

 

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