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“O problema não é o urso polar. É o homem”

À frente da Câmara de Desenvolvimento Sustentável da prefeitura do Rio, economista afirma que o problema não é o futuro, mas o presente, e alerta que precisamos estar preparados para os novos 'preços' que o meio ambiente vai cobrar

Por Márcia Régis, do Rio de Janeiro
19 Maio 2012, 15h00

Sergio Besserman é economista de carreira do BNDES, professor da PUC-RJ e um ambientalista apaixonado, hoje à frente da Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Trabalha com o tema da mudança climática desde 1992 e foi membro da delegação do governo brasileiro em duas conferências do clima da ONU. É membro do conselho de entidades ambientalistas focadas na preservação das espécies. No processo preparatório para a Rio+20, Besserman assumiu a liderança da prefeitura do Rio, operando uma assessoria especial ao prefeito Eduardo Paes. Ás vésperas da conferência que acontece em junho no Rio, faz, à sua maneira, uma bem-humorada defesa do que considera essencial para governos, empresas e indivíduos enfrentarem os próximos anos, quando, acredita, o planeta vai cobrar o preço dos séculos de uso inconsequente dos recursos naturais. “Não existe almoço grátis”, diz ele, na seguinte entrevista ao site de VEJA:

A Inglaterra está em recessão, a França conta 21% dos jovens desempregados, a Alemanha crescerá menos. Na contramão da crise europeia, a China, em quatro anos, aumentou em 4% sua fatia no PIB mundial. Neste cenário conflitante de escassez em países ricos e conquista de consumo nos emergentes, o que é sustentável no mundo atual?

Em primeiro lugar, precisamos entender a nova realidade do século 21. Não temos que proteger meio ambiente nenhum nem salvar as espécies, pelo simples fato de que a humanidade não é capaz de fazer o mínimo estrago que seja à natureza do planeta. Achar que a humanidade pode infringir algum mal ao planeta e, por isso, tem que adquirir consciência e salvá-lo, é uma ideia narcísica e infantil. Nós, os humanos, somos a imagem e semelhança de Deus, mas não somos deuses. Todas as empresas do mundo juntas, mais todo o exército norte-americano, a Nasa e os arsenais nucleares do mundo multiplicados cem vezes não seriam capazes de provocar sequer um arranhão na natureza, cujo tempo é completamente diferente do nosso, conta com milhões de anos. A natureza já passou por cinco apocalipses, enfrentando problemas muito maiores do que qualquer coisa que a humanidade possa vir a fazer daqui a séculos.

Então, o negócio é deixarmos tudo do jeito que está? Como ficam as futuras gerações?

A situação do mundo atual é muito grave – não para o urso polar, para o panda, para os pássaros. É claro que para os animais o quadro tem gravidade, mas é a vida, uma espécie sai e entre outra. Nós, os humanos, é que temos um problema sério. E as consequências são para hoje mesmo, não são para as futuras gerações. O fim da civilização dos combustíveis fósseis e a construção de uma economia de baixo carbono é uma inevitabilidade para a espécie humana. E isso significa que os preços vão mudar. Qualquer investimento feito hoje que calcule uma taxa de retorno para o futuro é uma fantasia. No tempo curto da história humana, relativo a um piscar de olhos do tempo da natureza, fomos muito poderosos. Alteramos muito a paisagem do planeta e cometemos a estupidez de não considerar a premissa mais defendida pelos homens de finanças: não existe almoço grátis. Mas, desde a Revolução Industrial, acreditamos que tinha almoço grátis com a natureza. Estamos a consumir os bens naturais de um planeta que é finito. Entretanto, o ‘business as usual’ acabou.

A estratégia de crescimento futuro implicará novos custos e preços?

A crise macroeconômica global e a retomada do crescimento e do investimento estão profundamente conectadas com o tema da sustentabilidade e alguns novos custos serão internalizados. Teremos o custo internalizado das emissões de carbono. Por exemplo, se emito gases de efeito estufa por conta de alguma atividade, isso tem um custo, porque esquenta o planeta. Os chefes de estado e os cientistas já concordaram que o aumento da temperatura do planeta em até 2,5 graus é um risco aceitável. Portanto, digamos que está contratado globalmente que iremos esquentar, porém não mais do que o previsto neste contrato entre as partes. Assim, precisaremos pegar o custo de emissão de gases efeito estufa e agregá-lo ao preço das mercadorias. Ou seja: quer andar de jipe? Pague o custo do esquentamento do planeta por isso. Considerando que 1 kg de carne bovina equivale a andar 3h30 de carro, se quiser comer picanha, pague pelo efeito estufa também.

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Como equilibrar a conta?

Consumir Eça de Queiroz no Kindle, por exemplo, não esquenta o planeta. Se relacionar socialmente pelas redes não esquenta o planeta. Isso não diz respeito só às relações de amizade. Afinal, muita gente não precisará se deslocar para ir a um local de trabalho – essa coisa ridícula da cultura atual, em que o individuo acorda e senta perante um computador; depois esquenta o planeta duas horas para chegar a outro computador de novo, porque supostamente ainda vivemos na Idade Média e o chefe tem que ver se você está trabalhando ou não. Esses parâmetros vão mudar e não é porque vai sobrar boa vontade: mudarão porque os preços vão sinalizar aos donos de empresas, que calcularão o custo do trajeto do funcionário até a sede e orientarão esse indivíduo para trabalhar em casa, a fim de reduzir o custo da empresa.

Qual é a saída?

Temos que permitir que a natureza do nosso tempo continue a nos entregar serviços totalmente indispensáveis à qualidade da vida humana: clima, solo, biodiversidade. Mas os limites do planeta estão sendo forçados não é para amanhã, é hoje mesmo. O que quer dizer isso? Que vem aí o fim do mundo e outro apocalipse? Não. Quer dizer que vem por aí muito custo e sofrimento e que, com um pouquinho de inteligência, poderia ser evitada e barateada a nossa adequação aos limites do planeta.

Quais são as expectativas dos economistas?

A antiga dicotomia entre meio ambiente e crescimento econômico e social não apenas perdeu sentido, como é idiota. O sofrimento do futuro não será distribuído igualmente, como nada é distribuído igualmente em nossa sociedade atual. Ele vai se abater sobre os pobres, porque são aqueles os que estão em posição mais vulnerável e têm menos recursos para se defender. O mundo de hoje não é mais o mundo do passado. É uma ingenuidade imaginar que 1,5 bilhão de pessoas poderão consumir de uma determinada forma e centenas de milhões de outras pessoas poderão perder suas casas e safras, sem que isso dê em nada. Haverá reação e migração: estamos falando de dezenas de milhões de migrantes ambientais. E se não fizermos o dever de casa serão muitos mais.

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Que dever de casa é este?

Já conhecemos os impactos do drama dos limites do planeta. Mas o principal é que não estamos recorrendo ao principal ferramental do economista ou do homem de negócios: o risco. Não estamos realizando uma análise de risco minimamente inteligente, mas de forma míope. Extinguir 30% das espécies até 2050 pode parecer apenas uma grande perda de riqueza em termos de moléculas, enzimas ou produção agrícola, mas pode incorrer em risco de acidentes mais graves, como colapso do sistema ecológico – 30% de extinção de espécies correspondem à velocidade de extinção registrada em um dos cinco apocalipses. Vai acontecer algo muitíssmo grave? Provavelmente não, mas existe a chance de acontecer. Há o risco – degelo dos mantos de gelo na Groenlândia ou a liberação do metano dos solos congelados da Sibéria, entre outros exemplos. Só que esses grandes riscos a humanidade nunca enfrentou antes. Como podemos agir levando em conta o que vai acontecer em 50 anos? Nunca passamos por isso, é agora que vamos descobrir se seremos capazes. Políticos podem ser pressionados por cidadãos a adotar políticas públicas que evitem riscos para daqui a 30 anos, por exemplo. Mas, conseguiremos isso?

O setor privado pode intervir mais diretamente?

As companhias estão aflitas porque sabem perfeitamente que estamos esbarrando nos limites do planeta e sabem que os preços de hoje ainda não refletem isso. Mas os preços de amanhã serão diferentes. Bem diferentes. Sabem que se continuarmos a emitir gases de efeito estufa como estamos fazendo hoje a temperatura vai aumentar até 5 graus e isso não vai ser o fim do mundo, nem da civilização, mas vai custar muito caro e seguramente provocará um colapso civilizatório. O que não dá para acreditar é que uma civilização que sabe que está caminhando para um colapso seja capaz de prosseguir a vida deixando o mundo permanecer o mesmo. No Brasil, e no resto do mundo, não haverá crescimento econômico nem competitividade, tampouco inclusão social, se não nos preparamos para um mundo que mudará completamente, sem almoço grátis.

E como planejar a vida adiante? A previdência, a aposentadoria…

O drama é exatamente este, não é o urso polar! É o homem. Os preços dos fundos de pensão vão mudar completamente. E o fundo de pensão que acha que está assegurando milhões para os professores do Estado de Nova Iorque ou dos servidores públicos do Brasil podem estar trabalhando com taxas de retorno que não têm nada a ver com a realidade. Qual é a taxa de retorno do pré-sal? Ninguém sabe. E o que aflige as grandes companhias é isso: os preços de hoje podem sofrer alterações radicais amanhã. Deveria ter sido ontem, todas sabem disso. Os empresários serão chamados para colocar toda a sua criatividade de economia de mercado a favor de novos caminhos para a mais acelerada revolução tecnológica da história. A solução não está em nenhum burocrata da ONU ou de cientista do IPCC. Ninguém sabe qual é o caminho certo. Temos que tomar a coragem política de assumir que não tem almoço grátis, estamos esquentando o planeta e quem esquenta tem que pagar por isso.

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O que nós, cidadãos, podemos fazer?

Nós, cidadãos do planeta, vamos precisar desesperadamente que algumas dessas empresas acertem.

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