O preço das ameaças protecionistas de Donald Trump à economia americana
As medidas podem reduzir a renda das famílias americanas em até 4% entre as classes mais pobres e em 2% entre os mais ricos, aumentando a desigualdade
Ainda é incerto se o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, conseguirá tirar todas as suas promessas de campanha do papel. Mas, o que parece quase certo é que suas políticas podem acabar prejudicando os próprios americanos.
O retorno do republicano ao poder já começou a reverberar no cenário econômico global, especialmente no Brasil, onde o dólar ultrapassou a marca de 6 reais nesta segunda-feira, 2 de dezembro. A pressão cambial aumentou após uma declaração agressiva de Trump direcionada ao grupo Brics — composto de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, ameaçando impor uma tarifa de 100% sobre os países do bloco caso decidam adotar uma moeda alternativa ao dólar em suas transações comerciais.
A retórica protecionista de Trump ecoa o tom de seu primeiro mandato, quando ele usou tarifas como arma para proteger o que considerava os interesses econômicos americanos. Porém, desta vez, a postura parece ainda mais severa. Segundo Douglas Rediker, economista e pesquisador do Brookings Institute, a nova rodada de tarifas prometida por Trump não deve ser vista como uma tática de negociação temporária. “Trump tem uma história de usar dois tipos de tarifas: aquelas que são uma ferramenta de negociação e aquelas que são medidas permanentes. Nesse caso, as tarifas parecem se encaixar na segunda categoria”, diz Rediker.
E os efeitos já começam bem antes de Trump assumir a Casa Branca. No curto prazo, empresas tendem a acelerar suas importações para evitar custos mais altos com a futura aplicação das tarifas, como observado em guerras comerciais anteriores. O Goldman Sachs projeta um aumento de 5% a 6% nas importações antes que as novas tarifas de Trump entrem em vigor, à medida que empresas tentam proteger suas cadeias de suprimento. “No entanto, esse efeito temporário não trará crescimento econômico significativo, já que apenas inflará estoques, sem gerar novos investimentos ou criação de empregos”, diz o banco.
A longo prazo, o protecionismo tende a sufocar a própria economia americana. “A determinação de Trump em usar tarifas como uma ferramenta de diplomacia internacional terá efeitos disruptivos significativos no comércio dos EUA e do mundo, e causará grandes dores de cabeça para as empresas americanas que dependem de cadeias de suprimentos globais e de mercados estrangeiros para suas exportações”, diz Eswar Prasad, professor de política de comércio internacional na Universidade de Cornell.
O histórico é claro: as tarifas impostas por Trump em seu primeiro mandato elevaram os custos para empresas americanas que dependem de insumos estrangeiros, como a indústria de manufatura, e o resultado foi uma desaceleração dos investimentos. A taxação sobre o aço, por exemplo, gerou uma redução de 0,5% no PIB dos EUA. O Northern Trust Asset Management, gestora global de investimentos com 1,3 bilhão de dólares sob gestão, alerta que a combinação de políticas protecionistas e restritivas de imigração pode criar um cenário de estagnação econômica, interrompendo a trajetória de crescimento do país. A Associação Nacional de Economia Empresarial (Nabe, na sigla em inglês) dos Estados Unidos projeta um crescimento econômico de 2,7% em 2024, desacelerando para 2% em 2025.
Um das principais defesas do republicano para o protecionismo é a proteção dos empregos, no entanto, essa política não trouxe os resultados prometidos. Para entender isso, é importante lembrar o impacto dos acordos comerciais anteriores. Desde a assinatura do Nafta, em 1994, que facilitou o comércio entre EUA, México e Canadá, muitas indústrias americanas transferiram suas fábricas para o México, onde os custos de produção eram mais baixos. Da mesma forma, a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, permitiu que o país asiático se tornasse um dos maiores exportadores globais, oferecendo produtos mais baratos e pressionando as indústrias americanas que não conseguiam competir com esses preços. Como resultado, entre 1994 e 2016, o número de empregos industriais nos EUA caiu de 17 milhões para 12 milhões.
Trump atribuiu essa perda de empregos ao déficit comercial e tentou reverter o quadro com a imposição de tarifas sobre produtos importados. A ideia era tornar as mercadorias estrangeiras mais caras e, assim, incentivar a produção interna. No entanto, mesmo com essas tarifas, a recuperação dos empregos industriais não aconteceu. Em 2020, o déficit comercial dos EUA atingiu 653 bilhões de dólares, um valor maior do que em 2016, quando Trump assumiu a presidência.
Uma das principais razões para esse fracasso é o aumento no valor do dólar causado pelas tarifas, que, em vez de ajudar, torna os produtos americanos mais caros no exterior. As políticas protecionistas, portanto, acabam prejudicando as próprias indústrias que pretendem beneficiar, agravando o problema que buscam resolver.
As projeções econômicas não são otimistas para o segundo mandato de Trump. O Peterson Institute for International Economics estima que as novas tarifas planejadas podem reduzir a renda das famílias americanas em até 4% entre as classes mais pobres e em 2% entre os mais ricos, aumentando a desigualdade social. O Center for American Progress projeta que as famílias de classe média podem perder até 3.900 dólares por ano devido aos impactos das políticas de Trump. A inflação nos Estados Unidos, que atingiu 9,1% em 2022, recuou para 2,6% em 2024, aproximando-se da meta estabelecida pelo Federal Reserve (Fed). No entanto, apesar dessa desaceleração, há sinais de que as pressões inflacionárias podem ressurgir, colocando em risco a estabilidade dos preços. Esse cenário traz desafios para a política monetária, uma vez que o Fed, que já iniciou o processo de flexibilização das taxas de juros, pode enfrentar a necessidade de reavaliar suas estratégias para manter a inflação sob controle e evitar novos desequilíbrios econômicos.
O retorno de Trump à Casa Branca traz consigo um novo ciclo de incertezas econômicas, marcado por um protecionismo que, apesar de soar patriótico e popular para alguns eleitores, carrega consequências graves para a economia americana. As tarifas prometidas podem até proteger alguns empregos de curto prazo, mas o custo para o país é alto: aumento da inflação, perda de competitividade global, queda nos investimentos e uma maior vulnerabilidade a crises internacionais. Se Trump repetir os erros de seu primeiro mandato, os Estados Unidos poderão enfrentar uma década perdida de crescimento econômico.