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O novo mundo novo

No estilo das startups, empresas tradicionais adotam soluções de tecnologia avançada, como inteligência artificial, e têm aumento incrível de produtividade

Por Marcelo Sakate Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h34 - Publicado em 12 abr 2019, 07h00

Um alerta: esta reportagem não foi escrita com o uso de ferramentas de inteligência artificial, como as que permitem hoje direcionar o estilo de texto para determinadas audiências ou checar a veracidade de informações de maneira automatizada. Mas esse futuro está próximo. Cada vez mais, empresas brasileiras dos mais diversos setores utilizam soluções de inteligência artificial (IA), aprendizado de máquina (tradução mambembe da expressão em inglês machine learning) e inteligência analítica aplicadas à avalanche de dados acumulados sobre seus negócios para aprimorar processos, produzir com maior eficiência, reduzir custos e perdas e ampliar os lucros. São ferramentas que não estão mais restritas a startups e empresas de tecnologia, cuja natureza disruptiva explica o apetite por inovações, ou a grandes bancos e corporações que dispõem de rara capacidade para fazer investimentos vultosos. Graças ao ganho de escala, o custo está em queda, o que possibilita o desenvolvimento de novas aplicações. O treinamento de profissionais para lidar com essas transformações também está mais acessível.

Uma área em que a IA é notoriamente mais perspicaz que os humanos é a da detecção de fraudes. Bancos, financeiras e operadoras de telefonia já perceberam isso. Nas seguradoras, não faz muito tempo, o combate a ilegalidades era feito por amostragem. A Seguradora Líder, que faz a gestão em todo o país do seguro obrigatório para acidentes de trânsito, o DPVAT, registra cerca de 500 000 sinistros por ano. A Líder contratou uma empresa brasileira especializada na análise de big data, a Neoway, com o objetivo de melhorar seus processos. A Neoway usa técnicas de estatística, modelagem preditiva e aprendizado de máquina para identificar padrões numa imensa base de dados e, então, fazer previsões certeiras. Tais técnicas permitem antecipar ocorrências com o cálculo de probabilidades — do calote numa conta ao diagnóstico de uma doença. No caso da Líder, a Neoway faz o cruzamento das informações dos reclamantes do DPVAT (como CPF, conta bancária, delegacia onde foi feito o boletim de ocorrência etc.) com 3 000 bases de dados públicas para calcular a possibilidade de que um determinado sinistro constitua, na verdade, uma fraude. “Conseguimos ser mais assertivos na atuação sobre casos suspeitos”, diz Mariza Trancho, superintendente da Líder. Mesmo fazendo a análise por amostragem, a empresa precisava mandar times próprios para investigar 8 000 casos por mês. Graças à IA, o envio de especialistas a campo caiu à metade.

A tecnologia também ajuda as empresas a evitar processos judiciais e multas. A Pernambucanas, uma das mais tradicionais redes varejistas do Brasil, começou em meados do ano passado a fazer uso da análise inteligente de dados para auditar cerca de 1 500 fábricas têxteis e de confecções que integram sua cadeia de fornecedores em todo o país. Até então, o processo incluía visitas frequentes às fábricas para verificar o cumprimento das obrigações tributárias e trabalhistas, uma vez que a varejista é corresponsável por eventuais irregularidades. “Reduzimos os gastos com as auditorias em 40%, mas o principal ganho foi de tempo. O processo de avaliação de um fornecedor, que levava uma semana, agora é feito quase instantaneamente”, diz Mariana Morais, analista de sustentabilidade da Pernambucanas.

Tecnologia
PRECISÃO – A tecnologia inteligente está nas relações de consumo e na indústria tradicional (Istock/Getty Images/Germano Luders/.)

Como é típico dos novos tempos, as companhias que adotam as ferramentas mais modernas observam uma explosão na adesão de consumidores. Faz pouco mais de um ano que a Vivo pôs em operação a sua ferramenta de IA, a Aura, para atender seus clientes, em complemento ao tradicional call center. A Aura dialoga com o cliente, com respostas personalizadas a perguntas sobre consumo de dados, valor de conta ou dúvidas sobre o serviço em geral. Em um ano, a telefonista virtual atingiu a marca de 2,5 milhões de atendimentos mensais. “O objetivo é que no futuro a Aura seja capaz de gerar negócios, com base em modelos preditivos que indiquem, por exemplo, a necessidade de contratação de pacotes adicionais de dados por um cliente ou a migração de plano”, diz Ricardo Sanfelice, vice-presidente Digital & Inovação da Vivo.

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O dinamismo do mercado também alavanca as empresas que fornecem soluções. A Neoway tornou-se um raro caso de sucesso no país porque soube se antecipar à transformação do mercado. Fundada em 2002 pelo engenheiro Jaime de Paula, em Florianópolis, como uma empresa que integrava produtos na área de tecnologia, ela só decolou sete anos depois, quando se especializou na análise de dados. Desde então, construiu uma carteira com mais de 1 000 clientes e atraiu como sócios fundos americanos dedicados ao Vale do Silício e o fundo soberano de Singapura. “Atendemos empresas de quinze setores. Os executivos entendem que podem usar a tecnologia para gerar negócios”, diz De Paula.

É o caso das companhias de vale-­refeição. Elas usam IA para identificar as empresas mais atraentes para se tornar clientes. A Ticket ampliou a taxa de conversão de empresas que visitam o seu site graças ao emprego de inteligência analítica capaz de identificar os interesses dos clientes, e passou a oferecer serviços sob medida a cada um deles sem a necessidade de um funcionário. Com uma ferramenta mais eficiente de análise, gasta-se menos em marketing enquanto mais clientes são conquistados.

Se alguém se espanta com o impacto da IA na produtividade e nos lucros, é bom saber que um salto ainda maior pode estar por vir. Um estudo recém-publicado do economista Erik Brynjolfsson, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, mostra que o investimento maciço em IA e outras inovações está gerando um ganho de eficiência aquém de seu potencial quando se analisa a economia como um todo. No momento em que a adoção das ferramentas atingir massa crítica, haverá uma explosão de produtividade, a exemplo do que ocorreu, um século atrás, com a chegada da eletricidade. Se o estudo estiver certo, o futuro será ainda mais auspicioso para as empresas no Brasil e no mundo.

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Publicado em VEJA de 17 de abril de 2019, edição nº 2630

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