O mistério dos milhões enviados para prefeitura do pai de Arthur Lira
Moradores de Barra de São Miguel e fontes na Câmara afirmam que recursos enviados via orçamento secreto vão para projetos totalmente paralisados
O município Barra de São Miguel, localizado em Alagoas, possui apenas 8.434 habitantes, mas tem chamado atenção nos últimos tempos não só por seu belo litoral, mas por ser um município alagoano que recebeu proporcionalmente grandes recursos das emendas de relator, também conhecidas como orçamento secreto. Apesar de ter sido um município agraciado em milhões de reais de verbas do governo federal, moradores reclamam que as destinações declaradas para obras não se veem além do papel. O prefeito da cidade desde 2021 é o ex-senador Benedito de Lira, mais conhecido como Biu, pai do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-Alagoas), reeleito com 219.452 votos.
De acordo com o Painel de Transferências +Brasil, do Ministério da Economia, no ano de 2021 a cidade recebeu 5,98 milhões de reais de verbas da União. Desses, 1,4 milhão foram enviados via Ministério do Desenvolvimento Regional para “pavimentação de ruas”, enquanto 3,8 milhões de reais foram enviados pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) para pavimentação e drenagem de vias para produtores marisqueiros, típicos da região, do povoado Palateia. No fim de setembro, um gerente da estatal foi afastado após ser alvo da segunda fase da operação Odoacro, deflagrada pela Polícia Federal, que o investiga por ter recebido cerca de 250 mil reais de empresas ligadas a fraudes a licitações.
Já em 2022, foram enviadas 6,09 milhões de reais para Barra de São Miguel por meio do Ministério do Turismo. Um cruzamento de dados feito com o site do Portal da Transparência mostra que 6,25 milhões de reais foram solicitados à pasta por emenda individual pelo deputado federal e filho do prefeito, Arthur Lira. Entre os projetos especificados na destinação dos recursos, estão 1,625 milhão de reais para construção e reforma da Praça de Eventos, e 1,056 milhão para a reforma e revitalização da Praça Miriel Cavalcante, ambas na mesma localidade. No mesmo ano, houve ainda o repasse de 1,912 milhão de reais para a construção do Centro de Convenções, que estaria na 4ª etapa de realização.
Em entrevista a VEJA, no entanto, moradores da cidade alegam que não há obras na cidade compatíveis ao especificado. Na região da Palateia, por exemplo, as casas estão construídas sobre chão de terra batida e não teria havido pavimentação de ruas. De acordo com um morador, há cerca de 20 dias, após o primeiro contato da reportagem, o prefeito convocou uma reunião para realizar a licitação do calçamento da região. Já o Centro de Convenções estaria há cerca de dois anos sem obras e com uma pequena estrutura abandonada (foto).
Outras destinações duvidosas de verba pública tratam de supostos alugueis e instalação de mais de sete banheiros químicos para a orla da praia, no valor de 179,5 mil reais em 2021 e 2022. Porém, a população afirma que só avistou quatro unidades de banheiros químicos na orla e o seu valor de compra seria de 3,1 mil reais por unidade, o que totalizaria menos de 15 mil reais para aquisição dos equipamentos vistos.
No Portal da Transparência consta também que em 2021 e 2022 a prefeitura pagou a Cicero Marques da Silva 1,529 milhão de reais referente a material de construção, porém, moradores alegam que no período as obras da prefeitura vistas na cidade contemplam apenas dois banheiros e uma pequena casa, o que não seria compatível ao valor declarado.
Procurada, a prefeitura não respondeu até a publicação da reportagem.
Conforme mostrou reportagem da última edição de VEJA, 1,3 bilhão de reais foram enviados via emenda de relator mesmo com as restrições legais do período eleitoral, sendo a maioria com destino a prefeituras comandadas por aliados bolsonaristas. A movimentação ocorre apesar de a Lei das Eleições, de 1997, proibir o pagamento de transferências voluntárias (como as emendas de relator) da União para os demais entes da federação nos três meses que antecedem o pleito.
Neste mês, a Polícia Federal realizou ainda as primeiras prisões ligadas ao chamado orçamento secreto, relacionadas ao desvio milionário de recursos de emenda de relator que supostamente seriam enviados para a área da saúde em municípios do Maranhão. Em 2022, foram destinados 13,8 bilhões de reais em emendas individuais, de bancada e de relator, para a área da saúde.
Os casos de corrupção envolvendo o chamado orçamento secreto aos poucos vão sendo revelados e gerando investigações da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Controladoria Geral da União. Nesta segunda-feira, 24, após a reportagem de VEJA, senadores de oposição a Bolsonaro acionaram o Tribunal de Contas da União para investigar o pagamento de 1,3 bilhão de reais em emendas de relator.