O custo da turbulência econômica de Trump para a classe média dos EUA
Com políticas econômicas instáveis e aumento da desigualdade, a faixa social que já foi o motor do país sofre para manter seu padrão de vida

Os primeiros meses do governo de Donald Trump, com sua sequência de medidas econômicas drásticas, prometiam ser desastrosos para a população dos Estados Unidos. As tarifas de importação turbinadas, junto com os cortes no funcionalismo e nos subsídios públicos, fariam os preços dos produtos subir, colocariam um freio na geração de empregos, causariam um baque na renda das famílias e provocariam uma forte desaceleração na atividade econômica. Apesar das turbulências e das incertezas, porém, os americanos — principalmente os pertencentes à classe média, considerada o motor da economia do país — resistiram. Os riscos não desapareceram do horizonte, mas os primeiros obstáculos foram superados. A oferta de empregos permaneceu forte e a renda média cresceu mais que a inflação.
O maior impacto na classe média se deu em virtude das oscilações nas bolsas de valores. Isso porque, nos Estados Unidos, ao contrário do que acontece no Brasil, a maioria da população investe em ações. Uma parte significativa das aplicações em renda variável está em fundos de pensão privados, cujos rendimentos caíram no primeiro trimestre deste ano. Quem estava preparando sua aposentadoria ou já “pendurou as chuteiras” ficou um pouco mais pobre — ou, nos melhores casos, viu o montante do seu pé de meia crescer menos. Prova disso é que o número de pessoas cujo saldo em fundo de previdência ultrapassou pela primeira vez a marca de 1 milhão de dólares foi menor do que no último trimestre de 2024. O solavanco nas aposentadorias não deixou ninguém feliz, mas tampouco causou pânico, já que as contribuições aumentaram no período.

Comportamento semelhante se viu por parte dos investidores individuais em outras modalidades de aplicações. No início de abril, quando as ações sofreram uma queda abrupta depois do tarifaço de Trump, os pequenos investidores colocaram ainda mais dinheiro nos mercados, enquanto os grandes pulavam fora. Naquele mês, segundo dados do governo, ao mesmo tempo que o consumo desacelerou, a proporção da renda pessoal que os americanos investem aumentou de 4,3% para 4,9%, em média. É assim, poupando mais, e não menos, que a classe média americana se protege da perspectiva de tempestade econômica sob Trump. Nada menos que 46% dos cidadãos nessa faixa de renda acreditam que sua situação financeira vai piorar no próximo ano, perante 27% que tinham essa opinião no fim de 2024, segundo pesquisa da seguradora Primerica.
Por um lado, a resistência às oscilações no mercado de ações demonstra quanto esse tipo de investimento faz parte do dia a dia dos americanos médios. “Isso se deve a três fatores: a questão cultural, pois a educação financeira lá acontece desde a infância, a taxa de juros tradicionalmente baixa, o que aumenta a busca por rendimentos mais altos na renda variável, e o lado da oferta, com a popularização de diferentes alternativas de investimentos”, diz Felipe Paiva, diretor de Relacionamento com Clientes, Educação e Pessoa Física da B3, em São Paulo. Para entender quanto a classe média americana leva a sério seus investimentos em ações, basta conferir as assembleias anuais de acionistas nos Estados Unidos. Algumas são tão concorridas que precisam ser feitas em ginásios de basquete. No Brasil, mal enchem uma sala.
Por outro lado, o pessimismo da classe média com a economia e sua tendência de reduzir o consumo por precaução reverberam nas classes mais baixas, que passam a ter menos demanda por seus serviços. “Foi o risco desse impacto na economia, mais do que a pressão das grandes empresas, que fez Trump recuar em parte de suas medidas tarifárias”, diz Stephan de Sabrit, sócio-diretor do Grupo Leste, gestora com foco em private equity e mercado imobiliário nos Estados Unidos.
A necessidade de resistir às políticas econômicas de Trump soma-se a outros desafios enfrentados pela classe média americana nas últimas décadas. A proporção desse estrato da população vem encolhendo, enquanto a base e o topo da pirâmide crescem. Desde o início dos anos 1970, a parcela de americanos de renda baixa aumentou em 3 pontos percentuais, enquanto a daqueles de alta renda ganhou 8 pontos. “Quem estava na camada mais baixa da classe média empobreceu, por causa da mudança nos padrões de geração de emprego, com postos que exigem cada vez mais especialização, enquanto quem estava no limite de cima da classe média e fez bons investimentos multiplicou seu patrimônio”, afirma George Sales, professor da Fipecafi, faculdade de finanças em São Paulo.

À primeira vista, esse cenário pode parecer positivo. Mas os dados mostram que houve um aumento da desigualdade social. Isso porque, nos últimos cinquenta anos, a renda das famílias de classe alta aumentou 78%, chegando a 256 920 dólares anuais, em média, enquanto a da classe média cresceu 60%, para 106 092 dólares, e a da classe baixa avançou 55%, atingindo 35 318 dólares, segundo o centro de pesquisa Pew. Ou seja, não só diminuiu o tamanho da classe média, como sua renda cresceu a um ritmo menor. O impacto é tão significativo que um dos tradicionais símbolos da classe média está se tornando um privilégio dos ricos: a proporção de americanos que possuem casa própria é a menor dos últimos 25 anos. Aos poucos, o motor da classe média move menos a economia dos Estados Unidos.
Publicado em VEJA, junho de 2025, edição VEJA Negócios nº 15