O banho de loja do Grupo Pão de Açúcar mirando a volta ao topo
Rede supermercadista vende ativos, reestrutura dívidas e simplifica a operação. Antes 1º do segmento, grupo agora é o 4º em seu setor
Em dezembro de 2021, a pandemia de covid-19 havia arrefecido e Marcelo Pimentel, um homem alto, grisalho e de sorriso fácil, aproveitaria as festas de fim de ano para reencontrar as irmãs na Inglaterra, país em que elas vivem. No aeroporto de Guarulhos, enquanto aguardava seu voo, ele recebeu uma ligação de um headhunter, como são chamados os profissionais que caçam talentos para posições de destaque nas empresas. Pimentel já estava há quase três anos como presidente da Lojas Marisa, em grave crise financeira, e não descartava a possibilidade de trocar de emprego. Do outro lado da linha, o headhunter queria saber se Pimentel estava interessado em um novo cargo. “Podemos conversar”, respondeu. Assim que chegou à casa da irmã, já tinha aparecido em seu WhatsApp a mensagem do profissional. “Podemos falar amanhã?” Dali em diante, tudo foi muito rápido. No dia seguinte, ele passou por entrevistas com o conselho de administração do Grupo Pão de Açúcar. No outro, foi sabatinado por franceses do grupo Casino, principal acionista da rede de supermercados brasileira. Em pouco tempo, seria contratado.
Pimentel assumiu a presidência do Grupo Pão de Açúcar em março de 2022 com a difícil missão de ajustar as finanças daquela que, por muitos anos, foi a principal rede de supermercados do país. À época, a dívida bruta da companhia superava a marca dos 8 bilhões de reais, valor que equivalia a dez vezes o seu lucro anual antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda). “O GPA tirou o olho da bola”, disse Pimentel a VEJA NEGÓCIOS. Passados dois anos e meio, a situação mudou. A dívida bruta foi reduzida em cerca de 4 bilhões de reais. A proporção da dívida líquida sobre o Ebitda caiu para 2,8 vezes, não muito distante do índice do Carrefour (2,4 vezes) e inferior ao do Assaí (3,6 vezes), dois importantes concorrentes.
Mesmo assim, os desafios pela frente continuam grandes. Hoje o GPA é o quarto colocado no ranking dos supermercados do país. O faturamento do atual líder, o Carrefour, de 115 bilhões de reais no ano passado, foi 5,6 vezes superior ao do Pão de Açúcar (veja o quadro). Voltar aos dias de glória, quando encabeçava a lista dos maiores varejistas do país, é tarefa árdua. “Por muito tempo no Brasil, o Pão de Açúcar ditou tendências”, diz Cristina Souza, presidente da consultoria especializada Gouvêa Foodservice. A executiva elenca inovações como a introdução, nos anos 1950, do autosserviço — quando o cliente pega o produto nas prateleiras em vez de solicitá-lo no balcão —, os antigos hipermercados da bandeira Jumbo, nos anos 1970, e o programa de fidelidade pioneiro, cujo anúncio é amplamente conhecido: “É Cliente Mais?”.
A maior conquista do Pão de Açúcar nos últimos anos, a redução do endividamento, foi alcançada após a venda de uma série de ativos. A lista de desapegos inclui onze lojas, um grande terreno no Rio de Janeiro, participações na holandesa Cnova e no colombiano Grupo Éxito, 71 postos de gasolina e até a sede da empresa, em São Paulo. Mais de 1,8 bilhão de reais foram angariados como resultado dessas iniciativas. Outras estratégias têm sido levadas adiante. São mudanças que não estão voltadas para o portfólio de ativos da companhia, mas para o que ela oferece aos clientes.
Há um esforço para descentralizar e aumentar o alcance da rede por meio dos chamados mercados de proximidade, os Minuto Pão de Açúcar. Nesse caso, as entregas de compras feitas pela internet não saem mais de grandes centros de distribuição em direção às casas dos consumidores. Em vez disso, o GPA envia os produtos a partir de uma loja próxima do destino. Por um lado, é algo que reforça a necessidade de capilaridade, mas há ganhos consideráveis no encurtamento das distâncias. Pimentel nota que, graças à mudança, os clientes podem comprar alimentos como queijos e vegetais também no ambiente digital. Atualmente, os perecíveis são uma grande aposta da varejista. “Eles já representam mais de 50% de toda a venda do negócio”, diz o CEO.
A ascensão dos pequenos mercados, no entanto, é liderada pela mexicana Oxxo, que se posiciona entre lojas de conveniência e de proximidade e abriu mais de 500 lojas desde que desembarcou no Brasil, em 2020. O Minuto Pão de Açúcar, com 186 unidades, está muito distante da rival. Pimentel, contudo, questiona a operação 24 horas adotada em boa parte das Oxxo. “O risco com segurança é alto e o custo não traz o retorno esperado”, diz. A competição no setor, hoje muito mais acirrada que nos tempos do pioneiro Abilio Diniz, que morreu em fevereiro deste ano, é um dos pontos que fazem alguns analistas adotarem uma postura de cautela em relação ao GPA. A empresa, fundada pelo pai de Abilio, Valentim Diniz, em 1948, foi inovadora em parte porque, naquela época, o segmento não existia nos moldes que a família apresentava. “A alta concorrência é algo que, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, tem impactado as margens do setor”, diz Caroline Sanchez, da casa de análise Levante.
O presidente do GPA considera que há espaço para crescer especialmente em São Paulo, razão pela qual está concentrando a expansão do Minuto no estado para só depois partir para outras regiões. O foco no mercado paulista exemplifica a filosofia que tem sido adotada no GPA: fazer menos para tentar fazer melhor. A atual gestão dos supermercados afirma que reduziu o contingente de projetos de mais de 300 para apenas dez nos últimos dois anos e meio. Um exemplo é o abandono da plataforma de entregas James, cujo custo foi considerado alto demais ante o retorno modesto.
A arrumação do GPA vem em hora que pode se provar especialmente oportuna. O grupo francês Casino estaria interessado em se desfazer de sua participação de 22,5% na empresa, segundo rumores que circulam no mercado. Os franceses entraram no negócio em 1999, com 25% de participação, e chegaram ao posto de controladores, com 40% das ações em março deste ano, quando esse percentual foi diluído com uma emissão de ações de 704 milhões de reais. Segundo Cristina Souza, da Gouvêa Foodservice, o GPA pode estar tentando “se tornar sexy para uma potencial negociação a médio prazo”. Já Caroline Sanchez, da Levante, diz que os rumores têm animado investidores a aumentar a sua participação na empresa. Questionado por VEJA NEGÓCIOS, Pimentel nega qualquer relação entre as mudanças que estão sendo implementadas no GPA e a posição do Casino. “Isso tem zero impacto na operação”, afirma. “Embelezar a noiva não é o caso aqui.” De todo modo, ela está bem mais bonita do que em 2021, quando o então futuro CEO recebeu o telefonema do headhunter.
Publicado em VEJA, setembro de 2024, edição VEJA Negócios nº 6