O avanço dos investimentos em parques nacionais
Passa de R$1 bi a previsão para explorar o turismo em áreas protegidas. O setor ganha corpo — mas precisa se preparar para os efeitos da crise climática

O incêndio se espalhou rapidamente pelo Parque Nacional do Itatiaia (RJ), por causa de uma combinação fatal: muita vegetação morta, muito vento e cadetes do Exército usando fogareiro de forma errada, no período mais seco do ano. Conforme o fogo avançou, cresceu também o esforço para contê-lo. Entraram em ação vinte veículos terrestres, três aeronaves e um drone do Corpo de Bombeiros. Mesmo assim, foram necessários dez dias de trabalho, em junho de 2024, para apagar o incêndio, que consumiu 3 quilômetros quadrados do mais antigo parque nacional do Brasil. A área abriga parte da já destroçada Mata Atlântica, espécies ameaçadas, como a onça-parda, e nascentes. Incêndios desse tipo, além de destruir flora e fauna, atingem os planos de um setor que ainda está ganhando corpo no país: as concessionárias de turismo nos parques naturais.
Atualmente, há cerca de vinte empresas nesse segmento. Entre as maiores estão Grupo Cataratas, Lagoa Aventuras, Parquetur, Urbia e Viva Parques. A concorrência vai aumentando. Foram assinados entre empresas e governos (municipais, estaduais e federal) 27 contratos nos últimos cinco anos (2020 a outubro de 2024), ante apenas oito nos cinco anos anteriores, segundo um levantamento feito com exclusividade para VEJA NEGÓCIOS pelo Instituto Semeia — ONG dedicada a incentivar a economia sustentável em parques. O estudo calcula que a perspectiva de investimento das empresas no período de 2020 a 2035 passa agora de 1 bilhão de reais. Elas precisam mudar um cenário. “Os brasileiros visitam pouco seus parques. É cultural, falta de hábito. E têm um certo medo — ‘ih, vou passar um perrengue’ — porque imaginam falta de estrutura”, diz Pedro Cleto, diretor-executivo da Parquetur. A concessionária atua em seis áreas protegidas (três parques estaduais e três parques nacionais, incluindo o Itatiaia) em cinco estados e conseguiu aumentar em 17% o número de visitantes de 2023 para 2024.
A maioria dos contratos entrega ao parceiro privado a tarefa de criar e manter infraestrutura turística, como banheiros, lanchonetes, trilhas, tirolesas e bilheterias, com foco em atrair, entreter e educar visitantes dispostos a pagar pela entrada e por serviços. Se a parceria dá certo, libera os governos para que se concentrem em atividades essenciais, como pesquisa e preservação, incluindo reflorestamento e combate a incêndios. Nesse sistema, os parques não são privatizados. “As parcerias têm como objetivo apoiar a gestão pública. Permitem fazer mais e melhores investimentos para receber as pessoas no parque”, diz Renata Mendes, diretora-executiva do Instituto Semeia. “Existem diferentes arranjos de parcerias, como autorizações, permissões ou parcerias com o terceiro setor. É recomendável haver diversidade e complementaridade entre modelos.”
Além de duas concessões em andamento, há quatro projetos municipais já licitados, só aguardando assinaturas dos contratos, em Belo Horizonte, Recife e São Paulo. O governo federal prepara licitações de outras quatro áreas (EcoParque Peixe-Boi, Parque Nacional da Serra dos Órgãos, Parque Nacional de Brasília e Floresta Nacional de Brasília). O aquecimento do setor é boa notícia por vários motivos, como injetar recursos no ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão federal responsável pela gestão de parques, e seus equivalentes em governos estaduais e municipais. O Brasil mudou de nível no ecoturismo. Ainda assim, esses negócios são pequenos diante do potencial brasileiro.

Uma comparação rápida com outros dois países que usam concessões mostra o tamanho da oportunidade à frente. Por aqui, o governo central tem onze contratos assinados ou quase. O governo da África do Sul tem sessenta contratos assinados e mais nove na fila. O dos Estados Unidos tem mais de 500. As concessões de parques nacionais geram 1 400 empregos diretos no Brasil, 5 000 na África do Sul e, nos Estados Unidos, 25 000. A relação entre visitas a parques nacionais e população do país é de 1 para 18 habitantes no Brasil, 1 para 10 na África do Sul e 1 para cada habitante nos Estados Unidos.
O Instituto Semeia projeta que o número de visitas aos parques naturais no Brasil possa ser multiplicado por quatro (de 14 milhões para 56 milhões por ano) sem prejudicar as áreas verdes. Há mais de 500 unidades no país sem concessionária. Para funcionar bem, vão exigir cada vez mais planejamento. “Os parques mais interessantes do ponto de vista de turismo e beleza natural já foram concessionados”, diz Plinio Ribeiro, cofundador e presidente do conselho na Parquetur. “O desafio daqui para a frente é trabalhar em parques com menor visitação. Atrair mais público vai ser um desafio extra.” O desafio tem outro componente. Empresas e governos precisam aprender a trabalhar em um país progressivamente mais quente e seco.
A área de queimadas no Brasil de janeiro a agosto foi mais que o dobro da registrada no mesmo período em 2023, segundo o MapBiomas, do Observatório do Clima. Em área queimada, tivemos em sequência o pior agosto, o pior setembro e o pior outubro desde 2019, ano em que começa a série histórica do MapBiomas. Paralelamente, os mananciais vêm encolhendo. Desde 2010, a superfície de água doce fica quase continuamente abaixo da média histórica, calculada de 1985 para cá. Rios, lagos e cachoeiras menores atraem menos turistas e deixam os parques mais vulneráveis ao fogo. “As mudanças climáticas impõem desafios crescentes à gestão das unidades de conservação, especialmente no que diz respeito à conservação ambiental e à previsibilidade dos negócios das concessionárias”, afirma o ICMBio em nota. Não que o clima alterado gere fogo. A quase totalidade dos incêndios florestais no Brasil começa por ação humana — negligência ou intenção criminosa. Mas o tempo mais quente e seco faz com que as queimadas se espalhem mais rapidamente e sejam mais difíceis de apagar.

Do lado do governo, as áreas protegidas precisam de diagnósticos bem específicos sobre como lidar com o clima. Também nesse aspecto, a África do Sul oferece um bom exemplo: desde 2018, cada parque nacional de lá vem fazendo uma análise de vulnerabilidade, listando impactos em quesitos como infraestrutura, comportamento dos animais e acesso às atrações. Os estudos alimentam uma Estratégia de Preparação para a Mudança Climática, que começou a ser implementada pelo órgão gestor dos parques em 2022.
No Brasil, os contratos de concessão já incluem mecanismos para compensar financeiramente as empresas por desastres naturais e pela eventual necessidade de um parque ficar fechado. Isso não basta, porém, para proteger o negócio. Um parque pode continuar aberto mas perder atratividade por uma degradação lenta do ambiente: cachoeiras secas, fumaça na região, desaparecimento de animais. As empresas concessionárias não têm obrigação contratual de combater queimadas, mas vão precisar agir em diversas frentes de contenção. Entram nesse esforço ações de educação ambiental com a população do entorno para banir ou diminuir as queimadas e um monitoramento mais preciso, para detectar fogo logo no início e alertar autoridades.
A Parquetur afirma que seu desempenho financeiro se mantém sólido, com crescimento de receita de dois dígitos em 2024 e projeção de nova evolução de dois dígitos em 2025. Mas considera graves episódios como o incêndio no Parque do Itatiaia em junho, período em que estima ter perdido 1 700 visitas. A empresa contribuiu de várias formas na luta contra o fogo. Forneceu doze funcionários brigadistas, alimento para mais de 100 pessoas envolvidas no combate, água de três caminhões-pipa e combustível para veículos e equipamentos. Mas Ribeiro, seu cofundador, acredita que é em outra frente que a empresa pode fazer mais diferença — levando a sociedade a defender os parques e se indignar diante do uso criminoso ou negligente do fogo. “Educação ambiental é o nosso principal objetivo e ela tem efeito. Quem visita uma área protegida começa a olhar para os incêndios florestais de outra forma. As pessoas só vão cuidar da natureza se amarem a natureza, e só vão amar se conhecerem”, afirma o empreendedor. É hora de os brasileiros saberem mais sobre essa riqueza do país.
Publicado em VEJA, dezembro de 2024, edição VEJA Negócios nº 9