‘O 5G terá impacto de US$ 1,2 trilhão ao PIB brasileiro’, diz CEO da Nokia
Para Ailton Santos, país precisa avançar o quanto antes no leilão do 5G para começar a colher benefícios da nova geração da tecnologia que vai mudar o mundo
Com a votação do edital do leilão do 5G marcada para 18 de agosto, o CEO da Nokia no Brasil, Ailton Santos, tem motivos para comemorar. A empresa, de receita global de 21,9 bilhões de euros em 2020, deve ser uma das principais beneficiadas da adoção da quinta geração de tecnologia no país. Outrora conhecida por seus aparelhos celulares, hoje a multinacional finlandesa abandonou os dispositivos para brigar em outras frentes. Ao lado da chinesa Huawei e da sueca Ericsson, é quem está à frente no mercado de infraestrutura para a nova conexão. Em entrevista a VEJA, o executivo-chefe da companhia no país diz que o atraso do leilão não é um grande problema, mas admite que o Brasil precisa instalar logo a nova tecnologia para colher os louros do processo. Ele alerta ainda para preocupações da indústria e de chefes de estado em relação à cibersegurança. “Nós temos trabalhado com o governo americano para criar mecanismos que possam ajudar a controlar esse tipo de situação”, afirma.
No início de 2020, esperava-se que o Brasil avançaria em relação à adoção da quinta geração das redes móveis. Não foi o que aconteceu. O país ficou muito atrasado com os adiamentos? Como o senhor avalia? A diferença de alguns meses não é algo muito crítico, mas é óbvio que quanto antes for empregado será melhor. A Nokia encomendou um estudo através da Omdia onde foi apontado que, com a implementação do 5G no Brasil, a gente deve ter um impacto de 1,2 trilhão de dólares no PIB até 2035. Se for contar o aumento de produtividade com a economia digital, estamos falando de 3,08 trilhões de dólares. Isso está separado em diferentes indústrias, mas quanto mais cedo começarmos a instalar a nova tecnologia, mais cedo teremos esses benefícios e esse impacto de volta.
Como a Nokia está em relação ao 5G no mundo? Nós já temos mais de 220 acordos comerciais de 5G no mundo. Estamos nos principais países, entre as quatro maiores operadoras nos EUA, as três na Coreia do Sul e as três no Japão. Temos mais de 60 redes já em introdução ao 5G. Na Europa, estamos liderando as pesquisas do 6G. Também fomos selecionados pelo projeto federal de cibersegurança do 5G nos EUA.
Será muito difícil para o país instalar a nova geração em todas as localidades do país? O que nós estamos vendo de vantagem é que, no Brasil, o leilão não é arrecadatório, mas, em contrapartida, vai demandar um investimento para cobertura rápida em todas as áreas. Isso deve ajudar muito a aplicação do 5G no país. O leilão prevê que todas as capitais do Brasil já estejam com 5G instalado até o meio do ano que vem. Mais importante do que isso, quando a gente fala no âmbito corporativo, é que as empresas não estão esperando a rede pública ficar disponível para fazer os investimentos necessários para o 5G. Quando a gente entra na questão de redes privativas, que é onde hoje a Nokia se diferencia no Brasil, estamos desenvolvendo soluções para diversos segmentos de indústria, como na parte da medicina, da mineração, de ferrovias e óleo e gás. As indústrias não precisam esperar que as operadoras disponibilizem o sinal para trazerem as soluções.
O senhor poderia dar exemplos? Nós já temos várias parcerias. Um exemplo é o trabalho que temos com a WEG, em Jaraguá do Sul (SC), onde implementamos um projeto de 5G para a avançarmos em soluções para a indústria 4.0. Nós temos também uma parceria com o Núcleo de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Tecnologia da Informação (Virtus), da Universidade Federal de Campina Grande, onde os alunos e professores exploram essa tecnologia e desenvolvem soluções para serem colocadas em prática quando o 5G for implantado no Brasil. Nesse sentido, também temos uma parceria com o Senai, em São Paulo, onde criamos um laboratório para indústria 4.0 com cursos profissionalizantes para investigar o uso do 5G na indústria. Temos um convênio também com a ConectarAgro, que é uma associação que já criou conectividade no campo para mais de 6 milhões de hectares. Enfim, nós temos muita coisa. A gente acredita que o desenvolvimento do 5G não é só uma questão tecnológica, mas passa pela questão do desenvolvimento pessoal e das parcerias.
Com o emprego do 4G, vimos uma escalada da chamada ‘Economia dos Apps’. O que podemos esperar da nova tecnologia? Quando o 4G surgiu, os grandes modelos de negócios novos não vieram da base da rede, vieram do topo, e foram basicamente as aplicações. Quando a gente começou a implantar o 4G no Brasil e no mundo, poucos tinham visibilidade do que seria a economia dos aplicativos. Nesse sentido, EUA e a China foram os países que saíram na frente. Com o 4G, aplicativos como Netflix, Spotify, iFood, Waze, TripAdvisor, Uber e Airbnb mudaram a economia e eliminaram concorrentes pré-estabelecidos. O 4G trouxe vantagens competitivas, mas, mais importante do que isso, criou barreiras para quem não estava na vantagem competitiva. O mesmo irá acontecer com o 5G. A nova geração vai complementar o que está sendo servido no 4G e, sobretudo, vai fazer decolar a Internet das Coisas, colocando dispositivos para conversarem entre si, sem interação humana. Para isso, é preciso de um conjunto de características de conectividade que só são encontradas no 5G, como uma velocidade alta e uma latência muito baixa, que vai ajudar no tempo de resposta e reação, por exemplo, para que um carro autônomo perceba se outro veículo ou alguma pessoa esteja se aproximando. Os exemplos de carros autônomos e telemedicina, inclusive, são os mais comentados hoje, mas a indústria terá grandes ganhos.
E, em específico, no Brasil? Na Vale, por exemplo, nós já temos um trabalho com tratores autônomos. Na agricultura, o 5G ajuda a fazer a gestão hídrica e a eficiência de fertilizantes. Na logística, vai ajudar a gerir frotas de trens e caminhões para serem mais assertivos no consumo de combustível e peças, precisão de rotas e na conservação da carga. A adaptação ao 5G não é só uma questão de competitividade, mas também de sobrevivência.
O leilão se dará por regiões ou por frequências? Quem participa do leilão são as operadoras, não as fabricantes. No caso, podem participar a Tim, a Vivo, a Claro e outras operadoras menores. Elas é quem vão competir nas frequências. Depois que elas adquirem suas frequências, cada uma tem a sua própria estratégia de como vão trabalhar com cada fornecedor. Elas são livres para escolher isso. O leilão não coloca nenhum tipo de restrição para as operadoras.
Alguns chefes de estado têm levantado bandeira sobre os riscos que o 5G pode trazer à cibersegurança e acusam a rival chinesa da Nokia, a Huawei. Essa preocupação faz sentido? O 5G traz, sim, algumas preocupações adicionais de segurança em relação ao 4G. É uma discussão técnica e não geopolítica. Com o 5G, haverá até bilhões de dispositivos acessando diretamente a internet sem conexão humana e criando uma comunicação entre si. É o que chamamos de Internet das Coisas (IoT). Isso obviamente cria uma superfície de ataque muito maior do que nós estamos acostumados hoje, onde basicamente boa parte dos acessos é feito através de terminais de celulares. O IoT vai trazer um desafio maior em relação a esses ataques. O segundo ponto é que o interesse de ataque também será diferente, com o 5G. Se hoje o interesse poderia estar voltado, por exemplo, para atacar um consumidor, por meio de uma fraude bancária, quando você pensa numa cadeia produtiva, você pode atrair cyber-crimes ou instituições criminosas muito mais profissionalizadas, que poderão manipular toda a cadeia. Isso cria uma preocupação dos países em geral porque não é uma questão só de segurança pública, mas é você ter controle de toda a sua cadeia produtiva. Nós temos trabalhado com o governo americano para criar mecanismos que possam ajudar a controlar esse tipo de situação.