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Na crise, investidores em startups trocam os unicórnios pelos camelos

As promessas de ganhos fabulosos deram lugar a negócios capazes de sobreviver às adversidades

Por Felipe Mendes, Luana Zanobia Atualizado em 4 jun 2024, 12h32 - Publicado em 13 ago 2022, 08h00

Os últimos anos foram extremamente prolíficos para os unicórnios. Não os animais mitológicos propriamente ditos, mas empresas inovadoras de tecnologia e com potencial de atingir a marca de 1 bilhão de dólares em valor de mercado a curto prazo. Com abundância de capital e apetite para o risco, tais negócios pipocaram mundo afora, a ponto de, em fevereiro, serem mais de 1 000 deles à espera de oportunidade para abertura de capital nas bolsas internacionais, com um valor de mercado conjunto avaliado em 3,3 trilhões de dólares.

A alta da inflação e a corrida por investimentos mais seguros estimulada pela elevação dos juros em países como os Estados Unidos mudaram a sorte desses empreendimentos. Alvo preferencial de quem buscava retornos fabulosos sobre o capital aplicado, os cavalos com chifre dos negócios atolaram no ostracismo. “É uma mudança radical, que tem afetado principalmente as empresas em estágio mais avançado de crescimento ao buscarem por novas rodadas de investimento”, diz Gustavo Araujo, cofundador e CEO da consultoria Distrito, especializada no assunto.

A materialização dessa virada de expectativas está no volume de recursos destinados a startups no primeiro semestre deste ano. No Brasil, durante o período, cerca de 300 transações levaram ao aporte de 2,92 bilhões de dólares nessas companhias — valor 44% inferior ao registrado no mesmo período de 2021. Uma das potências do segmento de capital de risco, o fundo japonês SoftBank, com vários investimentos no país, revelou na semana passada um prejuízo trimestral recorde de 23 bilhões de dólares em sua operação global, o equivalente a 118 bilhões de reais. “Fiquei um pouco delirante quando estávamos obtendo grandes lucros, e agora, olhando para mim mesmo, estou bastante envergonhado”, admitiu o fundador e CEO do fundo, Masayoshi Son.

Se os unicórnios enfrentam problemas, os investidores passaram a procurar outra modalidade de empresa, também batizada com nome de animal — só que bem menos arrebatador. Trata-se dos camelos, em analogia ao mamífero capaz de sobreviver a situações adversas, como o calor dos desertos mais inóspitos. Na categoria, encaixam-se negócios novos, inovadores e promissores, mas com capacidade para gerar receita suficiente para sua manutenção e que não tenham a cultura de arroubos de esbanjamento dos antecessores. Com isso, em vez de priorizar o potencial de valor de mercado no futuro das companhias, os investidores passaram a olhar os resultados atuais e suas perspectivas futuras. Nos Estados Unidos, o filtro tornou-se tão rigoroso que as empresas dos sonhos dos investidores são as capazes de cravar faturamento na faixa dos 100 milhões de dólares por ano. Segundo pesquisa da consultoria Dealroom.co, existem hoje apenas 150 startups desse tipo pelo mundo.

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Para as que não nasceram camelos, a alternativa é se transformarem. Nos últimos meses, o mercado brasileiro testemunhou um abalo sísmico provocado pela seca de recursos. Mais de 4 000 pessoas foram demitidas de empresas como Ebanx, QuintoAndar, Kavak, Loft, Vtex e iFood, segundo levantamento do site Layoffs Brasil. O último grande anúncio foi feito pela Loggi, que divulgou, na segunda-feira 8, o corte de 15% dos seus 3 600 funcionários. “Está acontecendo um freio de arrumação nas empresas, porque muitas estavam gastando os aportes que recebiam como se não houvesse amanhã. Foi quase uma década de abundância e de dinheiro fácil, mas isso acabou”, diz o investidor João Kepler, CEO da Bossanova Investimentos. A capacidade de adaptação e a eficiência nos negócios contam mais que tudo a partir de agora.

Publicado em VEJA de 17 de agosto de 2022, edição nº 2802

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