Taxa de juros e mudanças no arcabouço esfriam ânimo do mercado financeiro
Investidores acenderam o sinal amarelo. É provável que sentimento agora seja mais equilibrado, entre o pessimismo exagerado e a euforia dos últimos meses
O lacônico comunicado do Banco Central para justificar a manutenção da taxa Selic em 13,75% ao ano, divulgado na quarta-feira 21, provocou grande desconforto no mercado financeiro. No documento, inexistem pistas de que o BC está disposto a promover uma guinada no ciclo de aperto monetário. “Não me parece um texto de quem tem pressa para reduzir juros”, resume Raphael Figueredo, sócio da casa de análise Eleven Financial, uma das maiores do pais. No mesmo dia, o Senado acrescentou mais nuvens de insegurança no ar ao desidratar o arcabouço fiscal, propondo mudanças nas regras que poderão tornar menos efetivo o projeto de contenção dos gastos públicos. Se não bastasse, outras notícias preocupantes vieram de fora, com potencial de provocar estragos por aqui. Indicadores fracos da economia chinesa e novos dados da inflação na Europa mostraram que o risco de uma escalada de preços permanece alto.
Essa soma de sinais negativos (sendo que o último Copom teve um peso maior) provocou solavancos na bolsa brasileira, que fechou em baixa na quinta 22, com recuo de 1,17%. Até então, o mercado andava bastante animado com a retomada de negócios. Nas últimas semanas, a bolsa vinha contabilizando o seu melhor desempenho em mais de um ano. Entre 1º e 15 de junho, o Ibovespa subiu 10%, superando com folga os principais índices americanos. Desde o seu pior momento no ano, em 23 de março, o indicador havia acelerado 20%, considerando dados até 21 de junho. Na Faria Lima, o coração financeiro do Brasil, o mau humor havia sido substituído pela convicção em um novo ciclo de crescimento.
Diante das notícias recentes, no entanto, o mercado acendeu o sinal amarelo. Em termos de humores, é provável que opere agora em um sentimento mais equilibrado, entre o pessimismo exagerado do início do ano e a euforia dos últimos meses, desencadeada por fatores como o resultado do PIB no primeiro trimestre, a queda da inflação, a expectativa de redução dos juros e o avanço do arcabouço fiscal — que agora está sob risco.
A onda recente de otimismo ganhou força especialmente após a agência de classificação de risco S&P Global alterar a perspectiva de longo prazo do Brasil de “estável” para “positiva”. Foi o primeiro avanço da nota do país desde dezembro de 2019, mas é preciso lembrar que o sonhado grau de investimento, a classificação mais alta de crédito concedida por essas agências, permanece como uma miragem distante. Já havia um sentimento maior de confiança no país mesmo antes da publicação da S&P Global feita na semana passada. No acumulado do ano até 16 de junho, o fluxo de capital internacional na bolsa de valores de São Paulo totalizou 17,2 bilhões de reais, o que representou um aumento de 30% em relação ao mesmo período do ano passado. É possível que as notícias dos últimos dias tenham alguma influência negativa no comportamento dos investidores estrangeiros a curto prazo, mas as perspectivas ainda permitem otimismo. “Não há razão para que o Brasil não possa crescer de forma agressiva novamente”, disse, em entrevista recente, Amer Bisat, especialista em mercados emergentes da americana BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo.
É curioso observar que o início da retomada do mercado de ações tenha contrariado os prognósticos apocalípticos feitos por muitos analistas do mercado. Na mesma medida, o cenário maior de incertezas configurado nos últimos dias mostra que alguma cautela sempre é importante, tratando-se de Brasil. O importante a partir de agora é não desviar o foco do que realmente interessa: a agenda de reformas e o compromisso com o equilíbrio fiscal. “Ambos são elementos críticos que requerem atenção especial”, diz Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos. Por isso, o mercado reagiu com preocupação aos vetos do Senado à proposta original do novo marco fiscal. No campo positivo, ressalte-se que a reforma tributária começou a andar e, a despeito da manutenção da taxa Selic em 13,75% na última reunião do Copom, permanece a certeza de que, ainda em 2023, os juros deverão começar a cair. Valeu como alerta: a maré começou a virar, mas as ondas ainda são um risco.
Publicado em VEJA de 28 de Junho de 2023, edição nº 2847