Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Mercado avalia que concessões são bom sinal — desde que saiam do papel

Marco regulatório incerto, falta de estudos de viabilidade, esgotamento do BNDES e efeito Lava Jato devem atrasar licitações e analistas olham com ceticismo para o pacote

Por Ana Clara Costa
9 jun 2015, 21h29

O anúncio do pacote de concessões de 198 bilhões de reais, feito nesta terça-feira pela presidente Dilma Rousseff, foi encarado como um sinal de que o governo está disposto a acelerar o setor de infraestrutura. Nada além disso. A falta de detalhamento técnico sobre os projetos e as incertezas em relação ao financiamento fazem com que os agentes de mercado olhem a execução do que foi anunciado com ceticismo. A notícia boa, segundo especialistas consultados pelo site de VEJA, é que o governo demonstrou, com o anúncio desta terça, que flexibilizará as regras sobre a taxa de retorno dos investidores – o que deve elevar a atratividade dos projetos. Eles apostam numa taxa próxima de 15% ao ano, o dobro da que havia sido imposta pelo governo nas concessões passadas, em que o modelo era o de modicidade tarifária. Ou seja, ganhava o certame o consórcio que apresentasse menor tarifa ao usuário, como em caso de pedágios, por exemplo.

O pacote lançado nesta terça foi parte da estratégia do governo de criar uma “agenda positiva” sobre o Brasil depois de um primeiro semestre permeado de denúncias decorrentes da Lava Jato, manifestações e dados econômicos ruins. A empreitada pode até ajudar a acalmar os ânimos do mercado no curto prazo, mas para que tenha efeitos concretos sobre a cambaleante credibilidade do Brasil, é preciso mais que um pacote de ideias. “Não dá para os investidores reagirem enquanto não houver um plano mais detalhado e a questão da taxa de retorno não for definida. Por enquanto, há apenas uma sinalização. Em anos anteriores, um pacote como esse serviria para animar o mercado. Mas, depois de tudo o que aconteceu no setor, é preciso de mais que um anúncio”, afirma Paulo Fleury, da consultoria de infraestrutura Ilos.

LEIA TAMBÉM:

‘Não faltará dinheiro’ para financiar concessões, diz Levy

Dilma diz que plano de concessões dá ‘virada de página’ em crise

Governo anuncia condições de financiamento do BNDES para concessões

Continua após a publicidade

Segundo o especialista, um dos pontos frágeis do pacote foi a inserção do projeto de construção da ferrovia bioceânica entre o Peru e o Brasil, anunciada durante a visita do premiê chinês Li Keqiang, em maio. “Anunciar a ferrovia sem ter a menor ideia de quanto custará, de fato, sem nenhum estudo de viabilidade, faz com que o plano perca credibilidade. Eles jogaram um sonho num pacote que deveria ser concreto”, diz. O governo estima, no pacote, que a obra custará em torno de 40 bilhões de reais.

Os investidores interessados em aportar seus recursos podem esperar retornos maiores que os 7,5% fixados pelo governo nas concessões de rodovias, durante a primeira gestão da presidente Dilma. A petista frustrou o setor de infraestrutura ao limitar os ganhos dos consórcios, por meio do modelo de modicidade tarifária. A premissa desse formato de concessão é premiar a empresa que oferecer a menor tarifa ao usuário. O lado ruim é que, se a rentabilidade fixada for muito baixa, não há interessados, como no caso da BR-262, cujo leilão foi em 2013.

A mudança na estratégia do governo tem mais a ver com as exigências do momento do que com a súbita simpatia da presidente Dilma pelo capital privado. Ocorre que, como a participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) será reduzida, por motivos de esgotamento dos cofres do Tesouro, as empresas terão de recorrer ao financiamento privado, onde se praticam taxas de mercado, que são mais próximas da Selic – hoje em 13,75% ao ano. A captação mais cara, necessariamente, se traduzirá em aumento da taxa de retorno dos investidores para fazer frente aos juros altos. “Quando se tem projetos financiados a taxas de mercado, o serviço da dívida é mais caro. Isso requer uma geração de caixa maior por parte das empresas, o que implica na volta da taxa de retorno ao patamar de dois dígitos, perto de 15%”, afirma Massami Uyeda Junior, sócio do escritório de advocacia Arap, Nishi & Uyeda, especializado em concessões de infraestrutura.

LEIA TAMBÉM:

Governo lança pacote de concessões, mas financiamento é incerto

Continua após a publicidade

O governo garantiu que não faltará caixa ao BNDES para financiar os projetos. Porém, as regras serão mais rígidas. Para aeroportos e rodovias, o banco financiará até 50% das obras a juros subsidiados, sendo que o porcentual máximo só será alcançado se as empresas também emitirem debêntures no mercado de capitais. O intuito é estimular o acesso das companhias ao financiamento privado. No caso de ferrovias e portos, cujos projetos devem levar ainda mais tempo para sair do papel, o limite de financiamento é de 70%. Outra mudança está na concessão de empréstimos-ponte, que são recursos que eram oferecidos pelo BNDES aos consórcios para que as obras começassem antes da aprovação do empréstimo total, cujo processo é mais burocrático porque envolve a apresentação de garantias pelas empresas vencedoras. De acordo com o novo pacote, as companhias terão de obter esse tipo de linha com o setor privado.

O cenário de aperto do crédito e a necessidade de recorrer a dinheiro privado tornam as concessões um negócio ainda menos atrativo para construtoras médias, que não estão envolvidas na Operação Lava Jato. Como as garantias exigidas (tanto para obter crédito no BNDES quanto em bancos privados) envolvem os próprios ativos das empresas, especialistas acreditam ser difícil a entrada de empreiteiras que não tenham um grande patrimônio para colocar em risco. “Empresas médias têm limites. É muito difícil que apresentem garantias para obras de centenas de milhões de reais. Uma construtora média raramente tem orçamento anual de 1 bilhão de reais e isso não é suficiente para oferecer garantias a projetos como os que o governo prevê executar”, avalia Fernando Marcondes, sócio da área de infraestrutura do escritório de advocacia L.O. Baptista-SVMFA.

O ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Valdir Simão, afirmou na segunda-feira que as empreiteiras processadas no escândalo do petrolão podem participar das concessões enquanto não forem declaradas inidôneas, ou seja, impossibilitadas de fornecer serviços ao governo. Os processos administrativos correm na CGU, mas podem ser anulados se forem firmados os acordos de leniência. Endividadas e citadas em ações de improbidade administrativa de mais de 4 bilhões de reais, mesmo as maiores construtoras do país podem não cumprir as garantias exigidas por bancos, especialmente porque o crédito para essas empresas desapareceu depois da Lava Jato. Por isso, o governo conta com a assinatura dos acordos para emplacar seus projetos, pelo menos, a partir do ano que vem. Ou seja, parte do pacote de concessões depende da assinatura de acordos que são alvo de duras críticas por parte da sociedade.

Construtoras estrangeiras têm buscado informações sobre as concessões e avaliam a entrada no mercado brasileiro, em parceria com empreiteiras locais. Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da consultoria BarralMJorge, afirmou ao site de VEJA que as consultas feitas por multinacionais têm aumentado. “O diabo está nos detalhes e as empresas estão esperando as minutas. Como a estrutura de financiamento de projetos no Brasil é muito peculiar, elas devem trabalhar em parceria com empresas locais”, afirma Barral, sem citar os nomes das estrangeiras interessadas. O advogado Fernando Marcondes também conta ter recebido consultas de empresas da China e dos Estados Unidos. “Eles estão interessados, mas só vão se movimentar quando houver detalhes. Por ora, tudo o que o governo apresentou é incerto”, diz.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.