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Luz, câmera, algoritmo: IA revoluciona a publicidade global

Peças feitas com ferramentas de inteligência artificial são o sinal mais evidente da transformação que a tecnologia inflige à indústria da propaganda

Por Felipe Carneiro, de Los Angeles
26 jul 2025, 08h00

No fim de junho, a equipe de marketing da Latam Airlines notou um pico de procura por informações sobre viagens ao Chile e resolveu fazer uma campanha-relâmpago para atrair compradores para seus voos. Até três meses atrás, a urgência da situação não permitiria nada mais sofisticado do que links patrocinados nos sites de busca ou banners chamando o internauta para o site da empresa. Mas em maio o Google lançou uma ferramenta de IA generativa de vídeos, o Veo 3, que está mudando drasticamente a publicidade no mundo. Em apenas quatro dias, e a um custo até 95% mais baixo do que uma produção tradicional, a Latam conseguiu colocar no ar quatro anúncios de trinta segundos e mais dezesseis bumpers (aquelas propagandas de cinco segundos comuns no YouTube e em redes sociais) com pessoas, falas, efeitos sonoros, trilha, transições de cena e simulações realistas de movimento, luz e sombra, tudo 100% feito com IA. “Na lógica anterior, você precisaria de uma equipe de filmagem, locação, comida para todo mundo, motoristas… na prática, não daria para fazer”, diz Rodrigo Paoletti, diretor de produtos e soluções do Google Brasil. O resultado, para a Latam, foram vídeos com milhões de visualizações e 47% de aumento nas buscas por passagens.

A Latam, claro, não está sozinha. Nos Estados Unidos, a plataforma de apostas Kalshi causou furor no mercado publicitário local ao lançar, no intervalo da final da NBA, a liga de basquete número 1, um anúncio ainda mais impressionante que o da Latam. Em trinta segundos, um barrigudo de chapéu embala um chihuahua, uma noiva foge da polícia em um carrinho de golfe, um fazendeiro se delicia em uma piscina cheia de ovos, e mais personagens em situações malucas e cheias de detalhes contam no que apostariam. Segundo seu criador, P.J. Accetturo, o vídeo foi feito em 48 horas por 2 000 dólares. O impacto da IA na produção publicitária é gigantesco, mas é só a parte que aparece para o público. Desde 2014, quando o Google introduziu os leilões automáticos para compra de espaço para anúncios na internet — uma forma menos sofisticada de IA —, a tecnologia tem se infiltrado em todas as áreas desse setor, do planejamento de marketing e branding à medição de resultados. As agências já estão mudando a tradicional cobrança por hora de trabalho para taxas fixas, já que a IA reduziu expressivamente o tempo para realizar as campanhas.

A possibilidade de realizar campanhas cada vez mais sofisticadas, em pouquíssimo tempo e a um custo muito menor, é considerada por muitos como uma tábua de salvação para uma indústria que tem visto suas margens de lucro caírem continuamente há anos. Mas não é assim que os investidores veem. As ações das grandes agências multinacionais, como WPP e Omnicom Group, têm caído consistentemente. O problema não é o que a IA está fazendo agora, afinal, a eficiência só sobe e as projeções da receita publicitária global são de crescimento de 6% ao ano até 2028. A questão é o futuro que parece muito próximo. Sam Altman, fundador da OpenAI (dona do ChatGPT), já afirmou que “95% do trabalho de profissionais de marketing hoje será facilmente, quase instantaneamente e com custo quase zero, tratado pela IA”; e Mark Zuckerberg, fundador da Meta, prometeu que as marcas em breve poderão “nos dizer que objetivo estão tentando alcançar, quanto estão dispostas a pagar para cada resultado, e então nós faremos o resto”.

A mudança de guarda no setor ficou evidente no mês passado em Cannes, na França, onde ocorre o maior festival de publicidade do mundo. As praias e os iates, tradicionalmente ocupados por soirées das agências, desta vez foram dominados por estandes e festas promovidas pelas gigantes de tecnologia, como Amazon, Spotify e Salesforce. De fato, a fatia da receita mundial da propaganda mordida pelos quatro maiores ganhadores desse jogo — Google, Meta, Amazon e ByteDance (dona do TikTok) — evoluiu de 37,6% em 2019 para 54,6% em 2024, quando as receitas do setor superaram 1 trilhão de dólares pela primeira vez (veja o gráfico).

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Não resta dúvida, o caminho para se manter no topo é mesmo abraçar a tecnologia. A WPP, multinacional inglesa que está entre as maiores do mundo há décadas, comprou em 2021 uma empresa pioneira de IA, a Satalia, e desenvolveu o seu próprio modelo de inteligência artificial. Treinou a ferramenta com seus dados exclusivos de anos de experiência global e implementou cedo o uso em todas as subsidiárias. Mais de 70% das aquisições do conglomerado desde então foram startups de tecnologia, e não agências. São 330 milhões de libras esterlinas (mais de 2 bilhões de reais) investidos por ano somente em IA para seguir à frente da concorrência.

Imagens exibidas no intervalo da final da liga de basquete NBA: a IA utilizada para fazer anúncios que viralizam
Imagens exibidas no intervalo da final da liga de basquete NBA: a IA utilizada para fazer anúncios que viralizam (Fotos/Reprodução)

Para completar sua transformação em uma empresa eminentemente tecnológica, a WPP anunciou que em setembro assumirá uma nova presidente, Cindy Rose, contratada a peso de ouro da Microsoft, onde trabalhava como chefe de operações. “Nós temos 114 000 funcionários usando nossas ferramentas, e o modelo também aprende com cada interação”, afirma Alexandre Kavinski, chefe do comitê de IA da WPP no Brasil. “A IA potencializa nossos publicitários, e os publicitários potencializam a nossa IA.”

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Com uma evolução tão rápida, o que esperar da publicidade nos próximos anos? Duas tendências despontam entre os especialistas. A primeira é a hiper­per­sona­li­za­ção dos anúncios. Já em 2023, uma campanha para o filme Barbie usou uma ferramenta de IA da startup francesa Photoroom para que qualquer pessoa se colocasse no pôster do filme, e 13 milhões delas postaram o que pode ser chamado de um anúncio personalizado em suas redes sociais. O próximo passo é fazer uma propaganda específica para cada pessoa, o que vai ser possível com o custo cada vez mais baixo de produção e a montanha de dados dos usuários nas mãos das big techs.

A segunda tendência parece saída de um filme de ficção científica: agentes de IA como novos consumidores. O Google já lançou um “agente de compras” que monitora preços e avisa usuários quando produtos ficam mais baratos. Em breve, esses assistentes digitais terão autonomia para tomar decisões de compra mais complexas — como reservar hotéis, comprar passagens e escolher produtos. Quando isso acontecer, os anunciantes precisarão criar propagandas não para humanos, mas para convencer algoritmos. O futuro pode ser de tal modo que um robô crie anúncios, outro os direcione e um terceiro os leia. Parece roteiro ruim feito por IA, mas será realidade muito em breve.

Publicado em VEJA, julho de 2025, edição VEJA Negócios nº 16

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