Lula cita Pix e volta a defender integração financeira entre países emergentes
Presidente defende o comércio do Brics em moedas locais, e acena para uma nova arquitetura financeira entre países emergentes

No palco do Fórum Empresarial Brasil–Indonésia, em Jacarta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apontou para uma revolução que não veio de Wall Street nem de Pequim, mas de um aplicativo gratuito criado pelo Banco Central do Brasil. “O Pix e o QRIS indonésio são modelos que podem inspirar o Brics a realizar comércio em moedas locais”, afirmou. A frase, embora discreta, reflete uma ambição muito maior: criar uma alternativa ao sistema financeiro internacional dominado pelo dólar.
O Pix, lançado em 2020, é hoje o sistema de pagamento instantâneo mais disseminado do mundo em termos proporcionais: movimenta mais de 40% das transações financeiras do país e inspira modelos semelhantes ao redor do mundo. O QRIS, seu equivalente indonésio, permitiu a inclusão financeira de milhões de microempreendedores no Sudeste Asiático. Ambos operam fora das redes tradicionais de cartões, reduzindo custos e ampliando a autonomia dos bancos centrais sobre seus sistemas domésticos.
A proposta de Lula de integrar essas plataformas sob o guarda-chuva Brics não é apenas técnica. É estratégica. O grupo, que inclui economias que respondem por quase 45% da população mundial e um terço do PIB global, busca há anos reduzir sua dependência do dólar no comércio bilateral. Iniciativas como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e as discussões sobre uma “moeda de liquidação comum” têm avançado lentamente. A ideia de conectar sistemas instantâneos de pagamento pode oferecer o caminho mais pragmático até agora.
O governo americano vê com desconfiança qualquer tentativa de reduzir o uso global do dólar. O Pix, inclusive, tornou-se alvo de uma investigação do Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), sob o argumento de que o sistema prejudica bandeiras de cartão de crédito americanas. O presidente Donald Trump já ameaçou impor tarifas de até 100% sobre exportações de países do Brics, em resposta ao que chama de “ataque ao dólar”.
Lula evitou citar Trump diretamente, mas deixou o recado: “Como a Indonésia, o Brasil se opõe a medidas unilaterais e coercitivas que distorcem o comércio e limitam a integração econômica.”
As falas de Lula acontecem após aproximação dos países, poucas semanas depois do encontro entre o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o secretário americano, Marco Rubio. O discurso também antecede o encontro previsto entre Lula e Trump, no próximo domingo, na Malásia.