Linha de frente: Haddad assume missão diplomática e vira escudo econômico de Lula
Ministro intensifica diálogo com os EUA na tentativa de blindar Lula do efeito inflacionário das tarifas de Trump

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem liderado as articulações para buscar um entendimento com Washington em meio à escalada protecionista dos Estados Unidos. Em evento promovido pelo Goldman Sachs nesta segunda-feira, 19, ele afirmou que o Brasil está em negociações. “Eu disse ao secretário: não vejo razão para tarifas adicionais sobre produtos brasileiros, ainda mais considerando que os Estados Unidos têm um déficit com o Brasil — não faz sentido taxar itens comprados de nós, disse Haddad. Segundo o ministro, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, reconheceu o ponto e disse que há espaço para negociação. “Pelo menos uma hora por semana temos reservado para isso. Percebo boa vontade por parte do secretário para tratar desses assuntos”, afirmou.
A expectativa brasileira se intensificou após os EUA firmarem acordos com o Reino Unido e a China, removendo ou flexibilizando parte das tarifas bilaterais. Esses movimentos sinalizaram que Washington está aberto a exceções — desde que os países se antecipem com propostas convincentes. O Brasil, portanto, se vê pressionado a costurar sua própria saída diplomática, antes que o impacto se aprofunde.
Em um cenário global marcado por disputas comerciais e crescente protecionismo, as tarifas impostas pelos Estados Unidos não são apenas um entrave às exportações brasileiras — elas carregam implicações políticas significativas. Ao atingirem setores estratégicos e encarecerem insumos importados, essas tarifas tendem a pressionar os preços finais de bens de consumo no Brasil. Em um país onde o custo de vida já pesa no bolso da classe média, qualquer novo aumento alimenta o descontentamento popular. Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que enfrenta uma queda de popularidade pelo aumento dos preços, o impacto das tarifas americanas se transforma em mais um fator de desgaste político. A queda de popularidade entre eleitores de renda média, somada à perspectiva de um cenário internacional menos favorável, pode comprometer a ambição de Lula de disputar um novo mandato em 2026.
Em Brasília, a estratégia é ganhar tempo. A reforma tributária, embora com efeitos práticos apenas nos próximos anos, vem sendo apresentada como o início de um novo ciclo de racionalidade econômica. Haddad tem defendido publicamente o potencial da economia brasileira. Mesmo com a revisão para baixo das projeções de crescimento — o mercado espera algo próximo de 2% este ano — o ministro tem demonstrado otimismo. “Não vejo razão para crescermos menos”, disse.
Segundo Haddad, o mercado financeiro enxerga o Brasil como uma oportunidade ainda subvalorizada. “O país está barato”, disse, ao apontar que há um apetite crescente por investimentos — e não apenas no mercado financeiro, mas também na economia real. “Espero não estar sendo excessivamente otimista, mas acredito que temos uma chance concreta de alcançar um desenvolvimento sustentável, tanto no campo fiscal quanto no social.”
O ministro reconhece que os efeitos da reforma tributária levarão tempo para aparecer, mas destacou seu potencial transformador. “É difícil explicar agora tudo o que vai mudar na economia após a promulgação da emenda constitucional — mas os investidores estão atentos”, afirmou. A reforma, segundo ele, será um marco de racionalidade econômica e eficiência, capaz de melhorar o ambiente de negócios e atrair capital de longo prazo.
Mantendo o ímpeto reformista, o governo também encaminhou ao Congresso a proposta de reforma administrativa, com foco na modernização do Estado e na contenção de gastos. A iniciativa inclui pontos sensíveis, como mudanças nas regras de aposentadoria e cortes em supersalários. “Não sei como o Congresso vai reagir, mas acredito sinceramente que a reforma administrativa precisa começar pelo topo. Só assim se sinaliza, de forma justa, o que será feito com os demais servidores. Uma reforma justa começa com quem ganha mais”, declarou Haddad.
Mas o tempo político corre mais rápido que os indicadores econômicos. E, nesse ritmo, mesmo avanços estruturais podem se diluir diante da percepção popular de que “nada mudou”. Nos bastidores, a equipe econômica reconhece que conter os ânimos exige, antes de tudo, conter os preços — o que depende de manter a confiança dos mercados e garantir o fluxo de investimentos.
Nesse contexto, as tarifas americanas tornam-se mais do que uma disputa comercial: são também uma batalha simbólica. Reverter ou mitigar seus efeitos seria um sinal de competência técnica e articulação diplomática — exatamente o que o governo precisa projetar em um momento de instabilidade.