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Incluir negros é questão de sobrevivência para empresas, diz Eduardo Lyra

Fundador da Gerando Falcões crê que os programas de trainees da Bayer e Magazine Luiza são o caminho para diminuir a desigualdade e fazer a coisa certa

Por Felipe Mendes Atualizado em 25 set 2020, 19h27 - Publicado em 25 set 2020, 16h36
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  • O empreendedor social Eduardo Lyra, 32 anos, é uma figura cada vez mais destacada do cenário nacional. Nascido em uma favela na cidade de Guarulhos, São Paulo, enfrentou dificuldades, mas não deixou de sonhar com um futuro melhor. Já escreveu livros, fez curso de liderança na Universidade Harvard, foi apadrinhado por Jorge Paulo Lemann, um dos empresários mais ricos do mundo, e nomeado pela revista Forbes como um dos jovens com potencial para mudar o mundo. E tem buscado fazer isso por meio de sua organização não-governamental Gerando Falcões, que é dedicada ao desenvolvimento econômico, social e cultural nas periferias, com foco na inclusão do jovem negro no mercado de trabalho. Por perseguir esse objetivo, o empreendedor vê como positivo o movimento trilhado por grandes empresas como Magazine Luiza e Bayer de fazer programas de trainee voltados a negros, como conta VEJA desta semana. Segundo Lyra, a repercussão negativa de parte da sociedade sobre os programas é um sinal de alerta de que ainda há muito trabalho para ser feito sobre inclusão das periferias e contra o racismo.

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    O Magazine Luiza e a Bayer lançaram programas de trainees voltados aos negros. Com isso, despertou-se o ódio de uma parcela da sociedade, que acusou as empresas de praticarem “racismo reverso”. Como o senhor vê isso? O que o Magazine Luiza e a Bayer estão fazendo é a coisa certa a ser feita. Mas nós estamos muito atrasados. Todas as vezes que nós deixamos de fazer a coisa certa, pode ser tarde demais para alguém que precise de ajuda e reconhecimento na ponta. Incluir talentos negros no mercado de trabalho não é um ato de caridade, e sim uma questão de sobrevivência para as empresas. É impossível inovar com um grupo de pessoas parecidas, que estudaram nas mesmas universidades e frequentaram os mesmos lugares. É preciso haver um complemento de CEP, de cor, de background e de historicidade. Quem não embarcar nesta participação e nesta decisão, não vai conseguir inovar, e vai deixar de ser agraciado pelo consumidor brasileiro, que mora na Cidade Tiradentes, no Capão Redondo, no Morro da Providência ou no Complexo do Alemão, preto e pardo em sua grande maioria. Que outras empresas tomem decisões grandes como essas.

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    O Magazine Luiza optou por esse método de programa de trainee porque identificou uma anomalia em seus cargos de liderança. Embora a varejista tenha mais da metade de seu quadro de funcionários formado por negros ou pardos, eles ocupam apenas 16% dos cargos de liderança e nenhum pertence ao conselho de administração. Definir métricas é o caminho para diminuir essa desigualdade no ambiente corporativo? É exatamente o que precisa ser feito. O que os CEOs, os homens e as mulheres de negócios do Brasil, precisam fazer é definir métricas de longo prazo, com compromissos de fazer uma inclusão efetiva nas próximas décadas. Senão, fica só no discurso. E a população pobre, negra, das periferias e favelas está cansada de discurso. Precisamos de ação, de uma operação estratégica que reveja todo esse sistema de igualdade que ataca os pobres brancos e pretos.

    Como o senhor atua, por meio do Gerando Falcões, para mudar essa realidade? Nós temos um papel de formação de jovens para o mercado de trabalho, com foco específico para os negros. Estamos formando esses jovens para o trabalho em diversas áreas, sobretudo em tecnologia, utilizando a aprendizagem digital para tornar esse jovem mais competitivo. Hoje, temos jovens trabalhando em empresas como Ambev, Microsoft e 99. O nosso desafio é mostrar para o jovem negro que, depois de anos de exclusão social, o Magazine Luiza é para ele, a Microsoft pode ser para ele, tal como a Ambev, mesmo que ele não tenha referências de pais e tios que trabalharam nessas empresas.

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    Acredita que essas atitudes podem ser um pontapé inicial para uma mudança de paradigma no ambiente corporativo? O Magazine Luiza está passando uma mensagem para o jovem negro de que a empresa também é para ele. Quanto mais empresas participarem deste movimento, mais forte essa mensagem vai ecoar dentro do jovem da favela. E isso vai servir para mostrar que a Avenida Faria Lima e que a Avenida Paulista também podem ser para ele. Mas hoje ainda não são, isso é um fato. É natural que aconteça toda essa polêmica na sociedade. Tudo que é novo, que quebra paradigmas, no começo choca. Mas efetivamente é a coisa certa a se fazer. Precisamos derrubar muros e construir pontes. Só assim vamos tornar real um mundo em que a favela estará misturada com o centro, o branco com o preto, o rico com o pobre, a direita com a esquerda, o gay com o evangélico. Essa capacidade de juntar as pessoas diferentes é que vai fazer esses muros caírem e colocar o Brasil numa rota diferente.

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    Segundo estudo da consultoria McKinsey em quinze países, as organizações que possuem diversidade racial na liderança têm 36% mais propensão ao lucro. Como você vê esse dado? Inclusão é um aspecto de agenda econômica. O Brasil pode se tornar muito mais competitivo se tiver negros trabalhando nas principais empresas do país, ocupando as principais cadeiras para tomada de decisão. Com isso, o país vai conseguir gerar ainda mais empregos, inclusive para brancos, porque a economia vai crescer, com mais oportunidades e distribuição de riqueza. Ter um sistema que exclui os negros é a maior burrice da história do Brasil. Só cria desigualdade, ódio, medo da violência e aumento da criminalidade. Jovens que poderiam ser doutores, médicos, CEOs, hoje, vão para a criminalidade ou viram bandidos por não serem inseridos no mercado de trabalho. O próximo CEO da Ambev pode estar em alguma favela traficando, liderando uma boca de fumo, numa facção criminosa. Estamos perdendo oportunidades, perdendo talentos todos os dias por deixar de fazer a coisa certa. Mas o espírito do tempo pede a grandeza da ação do Magazine Luiza em larga escala. Precisa-se tirar uma lição educativa disso. A sociedade precisa ser reeducada e isso dói no começo. É natural.

    Como o senhor vê o espaço para o negro hoje no mercado de trabalho? O modelo como as áreas de recursos humanos das empresas é construído hoje é frágil. Por isso, elas perdem talentos. Eu sou um empreendedor premiado hoje. Mas isso só aconteceu porque, como um jovem preto, que nasceu na favela, filho de um ex-bandido, eu jamais teria sido aceito por uma grande multinacional. Então, tive de construir o meu próprio mecanismo de viabilidade econômica. Mas eu tive esta chance. Quantos Edus não tiveram e ficaram de fora do mercado de trabalho? Só que muitos deles não viram empreendedores sociais, viram bandidos. É preciso corrigir rapidamente esse algoritmo.

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