IA impõe novo desafio: como lidar com o alto consumo de energia dos sistemas?
Apesar de seu histórico limitado no desenvolvimento de tecnologias de ponta, o Brasil desponta na linha de frente da nova corrida energética

A história recente da humanidade é marcada pela corrida tecnológica. Dos mecanismos simples de 200 anos atrás chegamos à atual era dos computadores e aplicativos. E a sucessão de inovações não para, só ganha aceleração, multiplicando as conexões entre as pessoas e uma miríade de máquinas. Foi nesse terreno fértil que surgiu a inteligência artificial (IA). Por trás da evolução dos softwares, contudo, um novo desafio passou a chamar atenção: o enorme consumo de energia associado ao uso cotidiano de robôs que se comunicam com seres humanos. As raízes da IA conversacional remontam à década de 1960, antes mesmo de a internet existir. O primeiro chatbot da história, Eliza, criado no MIT, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, simulava sessões com um terapeuta usando supercomputadores como o IBM 7094. Já naquela época, o processamento necessário para rodar o programa exigia uma carga energética comparável à demanda de vinte a quarenta residências.

Mesmo antes do IBM 7094, o consumo de energia já representava um obstáculo à evolução das máquinas. Um dos exemplos mais emblemáticos foi o Eniac, o primeiro supercomputador digital, eletrônico e programável, desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial, que consumia energia equivalente à de setenta residências funcionando simultaneamente. Desde então, o mundo avançou, a inteligência artificial ganhou complexidade, mas a demanda energética permanece como uma equação a ser resolvida. Sustentar o progresso de ferramentas como o ChatGPT exige uma infraestrutura portentosa. “Nas décadas de 1950 e 60, os computadores eram ineficientes e consumiam muita energia, mas o impacto global era marginal”, diz Marcos Paraiso, vice-presidente da empresa Modular Data Centers. “Hoje, a escala é completamente diferente, com volumes gigantescos de energia envolvidos.”
Apesar dos avanços tecnológicos, o consumo de energia associado ao desenvolvimento da inteligência artificial segue como uma preocupação crescente. De acordo com a Agência Internacional de Energia, 1,5% de toda a eletricidade gerada no mundo em 2024 foi sugada por centros de processamento de dados, os data centers, e a expectativa é de que essa parcela dobre até 2030, alcançando 3%. Os data centers são instalações físicas que concentram milhares de servidores e outros aparelhos responsáveis por armazenar, processar e distribuir dados em larga escala. Eles funcionam como o “cérebro” digital das empresas de tecnologia. O desafio, porém, não está apenas na expansão das fontes de energia: o consumo de água para resfriamento das máquinas também se tornou um fator crítico.

Diante desse cenário, os investimentos têm se multiplicado. A Meta, controladora do Facebook e do Instagram, já anunciou planos para comprar 650 megawatts de energia solar da americana AES. No balanço mais recente da companhia, Mark Zuckerberg deixou claro que a infraestrutura necessária para sustentar a IA é prioridade. A Microsoft, de Bill Gates, segue na mesma direção: recentemente, fechou um contrato de vinte anos para comprar 100% da energia produzida pela usina nuclear Three Mile Island, na Pensilvânia, com o objetivo de abastecer seus centros de dados.
Apesar de seu histórico limitado no desenvolvimento de tecnologias de ponta, o Brasil desponta na linha de frente da nova corrida energética. Com um parque gerador robusto, matriz diversificada e alta participação de fontes renováveis, o país reúne condições ideais para atrair investimentos bilionários em complexos voltados à inteligência artificial. “O desafio é que ainda não temos uma economia tão ágil, capaz de construir infraestrutura em ritmo acelerado e oferecer o grau de segurança jurídica e operacional que grandes data centers exigem”, afirma Pedro Rodrigues, diretor da consultoria Centro Brasileiro de Infraestrutura.
A situação atual justifica a corrida das empresas em busca de novas fontes de suprimento, mas há precedentes na história mostrando que situações do tipo acabam sendo contornadas depois de um tempo com a criação de equipamentos mais eficientes. Os smartphones são um bom exemplo: fazem milhões de operações por segundo com consumo ínfimo de energia, o que é resultado de décadas de aperfeiçoamento. “Cada vez que se cria algo que demanda muita energia, a indústria é forçada a repensar processos e buscar caminhos alternativos”, afirma Marcos Paraiso, da Modular Data Centers. Os próximos avanços da inteligência artificial não dependem apenas de algoritmos mais engenhosos, mas também da capacidade humana de reinventar a própria base energética que sustenta o futuro digital.
Publicado em VEJA de 30 de maio de 2025, edição nº 2946