Governo tenta baixar preço do gás para impulsionar indústria e agronegócio
Planalto prepara mudança para baratear o recurso natural com o fim do monopólio da Petrobras
Nos temas que preocupam o setor industrial brasileiro no pós-Previdência, como a reforma tributária e o crescimento da economia, os empresários continuam desanimados. O índice de confiança da indústria — que serve como termômetro para medir as expectativas dos executivos quanto ao futuro de seus negócios — tem caído mês a mês. O Planalto sabe disso e, na tentativa de gerar uma agenda positiva, alinhado com os ministérios da Economia e de Minas e Energia, prometeu para as próximas semanas um anúncio relevante: o maior plano para fomento do setor de gás natural da história brasileira, com o objetivo de baratear a energia. O ponto principal da medida será o fim do monopólio da Petrobras na produção e distribuição do combustível no país. Segundo o governo, a chegada de concorrentes cortaria quase pela metade o preço do gás. A queda poderia impulsionar tanto a indústria quanto o agronegócio, já que a produção de fertilizantes é dependente do gás — o que beneficiaria o consumidor com produtos e alimentos mais baratos, além, é claro, de uma conta de gás encanado mais baixa.
A alvissareira notícia veio no embalo da divulgação feita em maio pela Petrobras da descoberta de seis campos de gás puro no litoral de Sergipe, que terão a capacidade de dobrar a produção nacional em quinze anos. Isso a um custo baixíssimo, entre os menores do planeta, o que permitirá o fim da dependência de importação do recurso natural da vizinha Bolívia. “Há uma expectativa muito grande com esse anúncio. Ele pode pôr o Brasil em outro patamar do setor”, afirma João Carlos Mello, diretor da consultoria Thymos Energia.
Chamado de Novo Mercado de Gás, o plano teve suas diretrizes básicas divulgadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) na segunda-feira 24. Uma série de mudanças na legislação federal será feita para consentir o investimento de estrangeiros em exploração, processamento e distribuição de gás, facilitar a venda de ativos por governos estaduais e criar um mercado paralelo, que poderá ser usado por grandes consumidores. A ideia é convencer também os estados a atualizar suas leis de modo que seja possível o ingresso de novas empresas no setor. A discussão nessa frente será grande e, prevendo dificuldades, a União já sinalizou com um incentivo da ordem de 6 bilhões de reais, por meio de repasses e financiamentos, para os estados que atenderem rapidamente ao plano federal. Entre aqueles que devem ser mais beneficiados estão São Paulo e Rio de Janeiro — por já possuírem uma infraestrutura de produção e uma malha de distribuição robusta —, além de Sergipe, graças aos seus recém-descobertos campos.
Outros obstáculos, no entanto, já se apresentam ao governo. É que, para o plano ser efetivo, um complexo acordo entre a Petrobras e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) precisa ser aprovado. O Cade entende que a petroleira se valeu de seu monopólio para vender gás a preços abusivos. As multas podem chegar a 60 bilhões de reais — uma soma impagável. A estratégia do governo é usar a encrenca para pavimentar a quebra do monopólio: em troca do encerramento da briga, a Petrobras deverá vender toda a sua participação nas concessionárias estaduais de gás, os gasodutos e as unidades de processamento. Nas contas do Planalto, ao tirar a estatal do mercado, a concorrência tende a derrubar o preço do gás em 40% nos primeiros cinco anos. E, para o Ministério da Economia, o impulso decorrente disso no PIB industrial seria de até 9%. Faz sentido, uma vez que certos setores, como o siderúrgico, têm na energia mais de 50% de seus custos.
Todas essas estimativas, porém, vêm cercadas de dúvidas. Nem mesmo o Ministério de Minas e Energia sabe dizer de onde o time de Guedes tirou tais projeções. De acordo com o economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o barateamento será de 2% a 5% por ano ao longo de uma década — uma queda muito mais gradual do que a apresentada pela equipe econômica. O barulho feito pelo governo também trouxe apreensão — fez lembrar os problemas que a ex-presidente Dilma Rousseff causou ao setor elétrico quando, em 2012, forçou as distribuidoras a aceitar novas regras para renovar concessões e cortar 20% do valor da conta de luz. “Dizer que vai reduzir o preço em porcentuais tão altos é uma estratégia equivocada. Pode até reduzir, contudo essas mudanças não são repentinas”, analisa Pires.
Uma vez que o plano ainda não foi divulgado em sua inteireza, as concessionárias temem que contratos possam ser quebrados para que a alardeada queda rápida de preços aconteça. E justo Sergipe, o estado dos novos supercampos do combustível, iniciou uma briga com a distribuidora Sergas. O governo e a agência reguladora local, Agrese, isentaram a companhia de eletricidade estadual, a Celse, de pagar pelo uso dos gasodutos da Sergas, pois a empresa elétrica importa o gás e só usa a distribuição da concessionária para levá-lo até a termelétrica Porto de Sergipe I. A Sergas, que tem o próprio estado, a Petrobras e a japonesa Mitsui como sócios, contestou a mudança na Justiça. O imbróglio está sendo visto como o prenúncio do que pode acontecer no resto do Brasil. “Gera preocupação quando se fala em redução ou em quebra de monopólio. Temos trauma”, diz Gustavo De Marchi, consultor jurídico da associação das concessionárias, a Abegás. O trauma é compreensível; basta pensar no episódio do setor elétrico. Entretanto, concorrência e gás barato podem, sim, virar sinônimos — e essa é uma notícia animadora.
Publicado em VEJA de 3 de julho de 2019, edição nº 2641
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