Google e OpenAI acirram disputa em nova fase da inteligência artificial
Empresa competem com IA que é capaz de enxergar e descrever o ambiente físico, além de manter conversas 'humanizadas' com as pessoas
No filme Ela, de 2013, Samantha é uma assistente virtual de celular que se comunica como uma pessoa, com senso de humor afiado e capacidade surpreendente de aprimorar sua inteligência. Solitário e introvertido, o humano Theodore cria laços profundos com o programa, numa história considerada, à época, um misto de comédia romântica e ficção científica. Pouco mais de dez anos depois, o roteiro do longa está prestes a se tornar realidade. Lançado há alguns dias, o GPT-4o, nova versão de inteligência artificial da empresa americana de tecnologia OpenAI, soa como a Samantha do filme. Trata-se de uma inteligência artificial simpática e engraçada, que não economiza em expressões, na versão em português, como “hum”, “então”, “ah” e “tipo”, o que torna a sua fala mais natural. Com a câmera do celular ativada, ela consegue enxergar e descrever o ambiente em tempo real, como se fosse uma pessoa. Trata-se, em suma, de uma IA “humanizada”, para usar uma palavra citada por seus fabricantes.
A OpenAI não está sozinha nesse campo. Apenas um dia após o seu lançamento, o Google anunciou o Projeto Astra, uma assistente virtual com funcionalidades semelhantes, ainda sem data para chegar ao público. Em um vídeo demonstrativo (basta digitar “Projeto Astra” no YouTube para encontrá-lo), a assistente consegue reconhecer objetos e se lembrar de detalhes do espaço, além de ajudar a resolver problemas em tempo real. “Estamos evoluindo e inovando em diferentes frentes de aplicação da IA”, comunicou o Google por meio de nota. “Não se trata de uma corrida, mas de entregarmos inovação tecnológica com impacto positivo real às pessoas.”
Não é de hoje que Google e OpenAI lideram inovações no campo da inteligência artificial. Em uma parceria de 13 bilhões de dólares com a Microsoft, a OpenAI lançou em 2022 o ChatGPT, chatbot inteligente que ganhou fama instantânea. Após o boom do ChatGPT, o Google não demorou para se equiparar: meses depois, lançou o Gemini (antes conhecido como Bard), chatbot com as mesmas características do concorrente. Desde então, Google e Microsoft (por meio da OpenAI) se consolidaram como líderes no desenvolvimento da nova tecnologia — e estão elevando o jogo para um novo nível. “As duas empresas disputam cada palmo do mercado de inteligência artificial”, diz Fábio Ayres, professor-adjunto de tecnologia no Insper. “A OpenAI saiu na frente, dominou por algum tempo, mas ainda não temos um cenário consolidado.”
As big techs têm pressa e, por isso, planejam despejar grandes cifras no desenvolvimento de tecnologias na área. Recentemente, Demis Hassabis, chefe da divisão de inteligência artificial do Google, afirmou que a empresa poderá gastar estratosféricos 100 bilhões de dólares em projetos voltados para IA. “Não discutimos nossos números específicos, mas acredito que desembolsaremos mais do que isso ao longo do tempo”, disse Hassabis. Microsoft e Apple também planejam injetar bilhões de dólares no setor.
O mercado, contudo, tem dúvidas sobre como esses gastos poderão se transformar em rentabilidade no futuro. A Meta, de Mark Zuckerberg, é prova de que os investidores estão ficando impacientes. Também apostando pesadamente no desenvolvimento de IA, Zuckerberg disse que ainda demoraria tempo para que os investimentos gerassem algum retorno para a companhia — depois de tal afirmação, a cotação das ações da Meta chegou a cair 10%. De todo modo, é inegável que a IA deixou o terreno da ficção científica para virar realidade.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2024, edição nº 2894