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Genéricos à mesa

As marcas próprias dos varejistas, que ajudaram a derrubar a Kraft Heinz e são pujantes na Europa e nos EUA, recebem investimentos para deslanchar no Brasil

Por Hugo Vidotto
3 Maio 2019, 22h46

O empresário Jorge Paulo Lemann, o segundo homem mais rico do país, sempre foi admiradíssimo por sua capacidade de comprar grandes empresas e transformá-las em enormes. Foi assim com a Brahma, com a Antarctica e com a miríade de cervejarias que foi adquirindo pelo mundo para montar o império AB InBev. Seu currículo cristalino, porém, foi manchado recentemente. A compra dos gigantes do setor de alimentos Kraft e Heinz (empresas que foram fundidas em uma só) mostrou-se um mau negócio. Seu sócio na empreitada, o megainvestidor americano Warren Buffett, sintetizou, ao jornal britânico Financial Times, o que derrubou a companhia. O problema, disse, não foram baixos investimentos, mas superestimar a força das marcas entre varejistas e consumidores. Em fevereiro, a Kraft Heinz anunciou ao mercado um pacote de más notícias: tinha revisto para baixo o valor de ativos como as marcas Kraft, dona do cream cheese Philadelphia, entre outras, em 15,4 bilhões de dólares. A baixa contábil resultou em um prejuízo de 12,6 bilhões de dólares no quarto trimestre de 2018.

Os investidores não compraram a justificativa de Buffett, e a análise geral é que o consumidor do século XXI quer distância dos alimentos industrializados, preferindo itens mais saudáveis e orgânicos. Há, porém, outro algoz no encalço da Kraft Heinz e de fabricantes de alimentos tradicionais: as marcas próprias das redes varejistas, que, com agilidade para lançar produtos mais baratos, com qualidade cada vez melhor, e, claro, sem agrotóxicos nem conservantes, têm chamado atenção na guerra das gôndolas. São os denominados “genéricos”. “Já passou o tempo em que as marcas próprias eram usadas pelas redes de supermercados para pressionar fabricantes a baixar seus preços”, diz Aparecido Borghi, professor da ESPM. “Elas querem ganhar mercado mesmo, e essa é uma tendência sem volta.”

MULTIPLICAÇÃO - O GPA vai lançar mais 1 500 produtos (Claudio Gatti/VEJA)

No Brasil, a movimentação para roubar os consumidores dos rótulos tradicionais é grande. O Carrefour, por exemplo, deve lançar 450 itens de alimentação, que se juntam aos mais de 3 000 produtos das linhas próprias da rede, como Selection, Viver e Sabor & Qualidade. Em média, tanto os alimentos mais simples, como arroz e açúcar, quanto os mais sofisticados, como orgânicos e itens importados da matriz, têm preços de 20% a 25% mais baixos que os das grandes marcas. Para avançarem também na segunda categoria, chegarão às gôndolas, neste ano, alimentos sem glúten e sem lactose. De acordo com Allan Gate, diretor de Marcas Próprias do Carrefour Brasil, o estigma de que os “genéricos” apresentam baixa qualidade vem regredindo no país. “O consumidor opta pelo custo, mas, ao notar que há qualidade, segue comprando quando a economia melhora”, diz. Os investimentos estão voltados para a captura do consumidor neste momento — apostando na retomada da economia. A rede tem destacado nas embalagens detalhes sobre fatores nutricionais e os benefícios dos alimentos. Além disso, a área de controle de qualidade investiga reclamações para saber o que vem desagradando, e, se for o caso, revisar ou retirar produtos de circulação — uma gestão de marca que tem se intensificado.

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MISSÃO DIFÍCIL – O novo presidente da Kraft Heinz: Patricio é aposta de Lemann (Craig Barritt/Stella Artois/Getty Images)

Estrategicamente, há muito a favor dos varejistas. Primeiro, a agilidade. Os volumes de fabricação contratados dos fornecedores são menores e mais precisos em comparação com os dos grandes fabricantes. Como vão alimentar a própria rede, sem depender de análises mais complexas sobre a atuação em diversos canais, é mais fácil evitar desperdícios. Além disso, os supermercados mantêm contato direto com os compradores, por isso podem avaliar seu comportamento e tendências com rapidez e a baixo custo. “Uma rede de supermercados é ideal para fazer experimentos de consumo”, diz Carlos Caldeira, professor do Insper. A cadeia de fabricação de marcas próprias exime fornecedores do investimento necessário para lançar, sozinhos, um produto. Essa economia ajuda a tornar os preços mais competitivos. As fabricantes tradicionais, porém, ainda têm a seu favor a possibilidade de construir marcas onipresentes, já que podem entrar em qualquer supermercado ou outro ponto de venda, e acabam virando o padrão da indústria. Para os varejistas, importa o contrário: vender itens que só eles têm.

(VEJA/VEJA)

No ano passado, o GPA descobriu que mais de 60% de seus clientes não sabiam que a marca Taeq, de produtos saudáveis, pertencia à empresa. “Isso significa que conseguimos construir uma marca forte”, diz Wil­helm Kauth, diretor de marcas exclusivas do GPA. Num esforço para promover melhor seus artigos, o GPA rompeu a barreira das lojas e criou comerciais, veiculados na TV a cabo e na internet, para divulgar sua linha de produtos de preços mais baixos, a Qualitá. Até 2020, a empresa deve mais que dobrar o número atual de itens, para 2 800, incluindo uma linha de cosméticos e perfumaria. O GPA busca, ainda, ampliar a cadeia de fornecedores. A maior parte deles se concentra em São Paulo, no Rio de Janeiro e em estados do Centro-­Oeste. O objetivo é chegar mais perto de fabricantes no Nordeste para turbinar as marcas próximo a grandes centros como Fortaleza e Recife, inclusive com alimentos locais. O Carrefour Brasil e o GPA, que controla as redes Extra e Pão de Açúcar, têm como meta tornar as marcas próprias responsáveis por 20% de suas vendas totais — o Carrefour em 2022 e o GPA mais cedo, em 2020.

Na Kraft Heinz, a repaginação para enfrentar a concorrência caberá ao novo presidente, o português Miguel Patricio. Após vinte anos como diretor de marketing da AB InBev, Patricio substituirá, em julho, Bernardo Hees, brasileiro que comandou a Kraft Heinz nos últimos anos. Nas prateleiras, a disputa deve seguir acirrada. A Europa está na liderança na preferência dos consumidores pelas marcas genéricas, que representam 31,4% das vendas de todo o varejo, em média, segundo a Nielsen. Na América do Norte, a participação é de 17,7%, e tem crescido. Nos EUA, a Amazon, que já vende marcas próprias, como a AmazonBasics, reforça a lógica por sua rede de supermercados, a WholeFoods. Atacado por todos os lados, Patricio vai ter trabalho para recuperar o bom nome de Lemann na praça.

Publicado em VEJA de 8 de maio de 2019, edição nº 2633

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