Eurotrip mais cara? Os freios impostos a aluguéis de curta duração
Com moradores incomodados pelos altos preços, locais como Roma, Barcelona e Atenas estão impondo restrições a locações no modelo AirBnB

Com a população incomodada pelos preços em alta, cidades turísticas como Roma, Barcelona e Atenas estão impondo restrições crescentes aos aluguéis de curta duração
Munidos de alicates gigantes, policiais e funcionários uniformizados da prefeitura de Roma caminhavam pelo centro histórico no fim de janeiro à procura de caixas com chaves de apartamentos que são alugados on-line por plataformas como Airbnb, Booking.com, Spotahome e Uniplaces, entre outras. Para facilitar a vida do hóspede, que sofre imprevistos de viagem e pode chegar a qualquer momento, os proprietários de imóveis passaram a fixar os objetos em postes, bancos e cercas de jardins, prática que não é autorizada pela lei italiana. Além disso, é necessário que os documentos dos viajantes sejam compartilhados com a polícia em até 24 horas após o check-in, e a ausência do contato presencial entre o anfitrião e o cliente dificulta essa etapa em muitos casos. Na Itália, é preciso cadastrar as informações do turista no Portale Alloggiati, sistema digital da Polícia do Estado Italiano usado para o registro obrigatório dos que chegam em qualquer tipo de acomodação. Sob o comando de Alessandro Onorato, secretário de Grandes Eventos, Esporte, Turismo e Moda de Roma, figura midiática e muito presente nas redes sociais, a equipe saiu quebrando tudo e colocando o material em sacos de lixo. Em dois meses, já foram recolhidos 600 objetos ilegais, com multa de 400 euros para os proprietários. “Estamos garantindo decoro e segurança. O turismo não deve ser condenado, pois é um recurso, gera empregos e impactos econômicos, mas deve ser gerido com equilíbrio e escolhas estratégicas”, afirmou Onorato.

Em ano de Jubileu Católico, quando são esperados mais de 30 milhões de turistas em Roma, perde quem busca fazer um contrato de residência de longo prazo, pois as opções de imóveis sumiram do mercado local. A ofensiva contra a via digital de acolhimento ao turismo de massa e o impacto direto em preços de aluguéis para moradores são evidências de uma luta que vem se multiplicando em grandes capitais europeias e de outras partes do mundo. De um lado, o modelo de negócios on-line que oferece estadia de curta temporada e alimenta a especulação imobiliária, causando aumento dos preços nos pontos mais visados por turistas. De outro, os administradores municipais e moradores incomodados com a nova forma de acomodar viajantes. Sem contar os hotéis e pousadas que reclamam da concorrência desse tipo de hospedagem, na maioria dos casos mais barata, mediada pelas plataformas e feita diretamente com proprietários.
Para Camila Casemiro, diretora de eventos da agência francesa Buzz e aventureira — em janeiro esteve em seis países de três continentes —, existem perfis de viagem. Para uma estadia longa, ela prefere se hospedar no estilo Airbnb. “Posso viver a cultura local, preparar um café da manhã e viajar com a minha família. Para um bate e volta, o hotel é mais conveniente, um ponto de apoio seguro para dormir”, afirma a brasileira, que mora em Roma e viveu a pandemia na cidade. “Quando o turismo voltou, houve um descontrole e muitos operam sem licença.”

O Airbnb se defende dos ataques dizendo que está comprometido a apoiar o crescimento econômico, ajudando proprietários de imóveis a se tornar anfitriões, gerando impacto financeiro positivo, renda extra, estímulo ao comércio e restaurantes e geração de empregos. A plataforma, que nasceu nos Estados Unidos quando os amigos Brian Chesky e Joe Gebbia colocaram três colchões na sala para receber hóspedes e pagar o aluguel do mês, em 2007, teve lucro líquido de 2,6 bilhões de dólares em 2024. A empresa anunciou recentemente uma parceria com o Dicastério (ministério) para a Evangelização da Santa Sé, para apoiar o fluxo de peregrinos católicos. Criou uma página de destino multilíngue com variedade de opções de acomodação e um guia de turismo responsável para incentivar o cliente a visitar marcos religiosos e históricos significativos, indo além do Vaticano e da Basílica de São Pedro.
A vice-prefeita de Barcelona, Laia Bonet Rull, esteve na capital italiana no início de abril para conhecer o trabalho do secretário Onorato e trocar experiências. Em meados de fevereiro, o poder municipal espanhol e a Hàbitat 3, fundação que busca preservar habitações sociais, compraram o edifício Casa Orsola de um fundo de investimento privado por 9,2 milhões de euros, visando a garantir moradias acessíveis, pois os moradores do prédio estavam sendo despejados por falta de pagamento. A operação foi considerada um símbolo de resistência. Na mesma localidade, foi anunciada a proibição gradual do aluguel de curta duração via plataformas como Airbnb até 2028. Segundo a prefeitura, há aproximadamente 850 000 acomodações, das quais apenas 10 000 possuem licença, representando 1,1% do total de moradias em Barcelona. Em 2023, apenas três em cada dez turistas se hospedaram em acomodações por breve período, indicando que 70% do turismo ainda ocorrem em meios tradicionais, como hotéis e albergues, conforme dados oficiais da cidade.
Em Portugal e na cidade italiana de Florença também foram vetadas novas licenças para o modelo de locação digital. Em Plaka, bairro histórico de Atenas, moradores e autoridades locais estão se unindo para enfrentar a conversão de imóveis em acomodações de curto prazo. O prefeito Haris Doukas alertou sobre a chegada de 10 milhões de turistas em 2025 e criticou a prática de investidores que tentam contornar as novas leis, como o uso de termos como “apartamentos com serviços” em plataformas de aluguel de curta temporada, apesar das restrições que proíbem essa forma de registro no centro. Os moradores lutam pela preservação da identidade cultural e da vida comunitária na região. Como disse o arquiteto Giorgos Zafeiriou, presidente da associação de moradores de Plaka: “Quando os habitantes vão embora, o bairro morre”.
No Brasil, trinta prédios em seis estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul) foram comprados pela gestora de ativos Brookfield para funcionar como residenciais para renda (multifamily) em locação de curto, médio e longo prazo, com a gestão de aluguéis feita por empresas como Tabas e Luggo. No Rio, o edifício A Noite, considerado o primeiro arranha-céu da América Latina, com 434 apartamentos, será revitalizado pela incorporadora Azo. Em São Paulo, o prédio tombado Renata Sampaio Ferreira, no bairro Vila Buarque — originalmente projetado pelo arquiteto Oswaldo Bratke (1907-1997) em 1956 e requalificado em 2023 pelos escritórios de arquitetura Planta e Metro Arquitetos —, já está operando com 93 unidades residenciais mobiliadas. O prédio tem coworking e academia, e os apartamentos podem ser alugados por no mínimo dois dias com a administradora Tabas, a preços que variam de 350 a 1 800 reais a diária.

A pedido do Airbnb, a consultoria Oxford Economics realizou um estudo que mostrou que as estadias de curta duração em 2023 geraram mais de 149 bilhões de euros em impacto econômico positivo e sustentaram 2,1 milhões de empregos em países da União Europeia. Além disso, o estudo demonstrou que a proporção do estoque habitacional dedicada a aluguéis de breve período em Lisboa, Barcelona, Madri, Paris, Berlim e Amsterdã não excedeu 0,5% do total de moradias. Enquanto o embate entre inovação e regulação continua, o desafio é encontrar uma cidade que acolha visitantes e moradores com equilíbrio.
Publicado em VEJA, abril de 2025, edição VEJA Negócios nº 13