Em meio à escalada protecionista no mundo, guerra tarifária ecoa na COP30
Países dependentes de petróleo reclamam de taxas alfandegárias da União Europeia disfarçadas de medidas contra o aquecimento global
A decisão de Donald Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris — o alicerce que, há uma década, sustenta as discussões da Cúpula do Clima da ONU — não é o único obstáculo a travar as negociações para conter a perigosa escalada da temperatura na Terra. A guerra tarifária deflagrada pelo presidente americano, que desestabilizou as trocas internacionais, também ecoou em Belém e transformou o vínculo entre comércio e políticas ambientais em um dos quatro pontos mais espinhosos da COP30, ao lado de transparência, metas de carbono e financiamento. Ao longo da conferência, países em desenvolvimento usaram a tribuna para acusar a União Europeia de adotar medidas protecionistas travestidas de ação climática pela redução do desmatamento de áreas nativas e da concentração de carbono na atmosfera. Desperdiçaram saliva. Impassíveis, os inúmeros delegados do Velho Continente não demonstraram qualquer disposição em revogar suas práticas. Até quinta-feira, 20, não havia uma definição final para o impasse, apenas a tentativa de seguir com as conversas em outros órgãos colegiados.
Ganhar tempo em um cenário tão conturbado é compreensível, mas o relógio já se aproxima das últimas voltas. Em janeiro, a União Europeia colocará em prática a fase final do Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono (CBAM, na sigla em inglês). A norma visa reduzir emissões dos setores industriais que mais emitem CO2 — como ferro, aço, cimento, fertilizantes, alumínio e hidrogênio —, mas também busca proteger a indústria local. Empresas que exportam para o bloco já precisam relatar as emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global. Agora, contudo, quem estiver acima dos índices considerados equivalentes aos de seus concorrentes europeus pagará uma taxa adicional. Sob pressão de consumidores cada vez mais exigentes, as empresas do Velho Continente investem há anos na descarbonização de suas operações, mas enfrentam rivais de países dependentes de combustíveis fósseis, que oferecem preços mais baixos às custas de elevados níveis de poluição. “China e Índia podem perder mercado e são estrategicamente contra qualquer mecanismo desse tipo”, afirma Gustavo Pinheiro, associado sênior do E3G, centro de estudos especializado em finanças e transição climática.
Levar a agenda comercial para a COP30 foi a estratégia encontrada pelo grupo de países emergentes com pouca margem para atenuar seus impactos ambientais. A Organização Mundial do Comércio, afinal, se transformou em uma espécie de balcão de reclamações, em que as divergências entre países são apresentadas, mas raramente solucionadas. Há cinco anos, os Estados Unidos paralisaram o órgão de apelação da OMC ao se recusarem a indicar novos juízes, o que praticamente inviabilizou seu funcionamento. Na condição de anfitrião da convenção, restou ao Brasil apelar para um “espírito de mutirão” diante de medidas adotadas unilateralmente pela União Europeia. “É importante sinalizar que é complicado estender uma mão para um acordo climático e, com a outra, manter mecanismos que ameaçam seus parceiros comercialmente”, afirma Rogério Studart, economista e ex-diretor pelo Brasil no Banco Mundial e no BID.
Os rumos da discussão indicam que o bom senso dificilmente conterá o ímpeto protecionista. Embora ainda não tenha definido o valor das alíquotas, o comissário de Clima da União Europeia garante que a regra entrará em vigor no prazo previsto, mas faz questão de acenar para as empresas brasileiras: “A exposição do país nesses setores é muito baixa”, afirma o holandês Wopke Hoekstra, em um raro momento de franqueza no meio diplomático. A situação nacional, no entanto, seria ainda mais confortável se as fontes de energia que movem a indústria de transformação fossem devidamente consideradas. “Temos uma matriz limpa, mas as metas de redução de carbono são calculadas apenas da porta da fábrica para dentro”, afirma Davi Bomtempo, superintendente de sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria. “Isso reforça a percepção de que há uma clara estratégia de defesa comercial.”
O tarifaço verde, no entanto, não representa apenas desvantagens para a economia nacional. Alguns setores, como a mineração, enxergam as barreiras de carbono como uma oportunidade de novos negócios. A Vale, uma das maiores produtoras de minério de ferro do mundo, mira na redução das emissões de sua operação com o objetivo de se tornar mais atraente para os clientes. “Queremos descarbonizar a cadeia do aço com produtos capazes de gerar 10% menos gás poluente nos fornos siderúrgicos”, diz Rodrigo Lauria, diretor de mudanças climáticas e carbono da companhia. O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, corrobora a visão. “Nossa estratégia contra o protecionismo tem sido a abertura de mercados”, disse ele, após discursar recentemente para ministros de Meio Ambiente de todo o mundo, na capital paraense.
O governo tenta driblar os entraves, mas tem telhado de vidro: o Brasil segue entre os países mais fechados do mundo. O acordo Mercosul–União Europeia, assinado em setembro após vinte anos de intensas negociações, é visto como chance de mudança, mas ainda depende de regulamentação. A taxação de cunho ambiental surge novamente como obstáculo, especialmente o Regulamento Europeu de Desmatamento, que veta produtos agrícolas oriundos de áreas desmatadas após 2020. Fruto da influência dos poderosos produtores rurais europeus, incapazes de competir com o pujante agronegócio brasileiro, a medida ignora nossa robusta legislação antidevastação e traz alertas para quem exporta. “Se isso virar moda, cada país criará sua regra, contrariando o sistema global de commodities”, afirma Roberto Perosa, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes. O protocolo, previsto para dezembro, deve ser adiado pela própria União Europeia devido à dificuldade de rastreamento de cadeias complexas como a da soja, em que grãos de áreas desmatadas se misturam aos que atendem às normas ambientais.
Superar o protecionismo climático exige articulação política, mas ferramentas econômicas podem abrir caminhos. Na COP30, surgiu o embrião de um mecanismo capaz de alinhar comércio e clima: a integração de mercados regulados de carbono, que busca criar parâmetros universais e evitar que um só bloco dite as regras do jogo. “Se não enfrentarmos isso agora, em dez anos o comércio estará ainda mais dificultado”, afirma Cristina Reis, da Secretaria de Mercado de Carbono do Ministério da Fazenda. A iniciativa, porém, deve levar uma década para ser implementada. O tempo urge. As barreiras verdes, afinal, sobem na mesma velocidade dos termômetros.
Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2025, edição nº 2971

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