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Em dois anos, fatia de celulares piratas no mercado brasileiro salta de 10% para 25%

A explosão opõe fabricantes e sites de varejo on-line

Por Márcio Juliboni, Felipe Erlich 22 nov 2024, 06h00

O mercado brasileiro de smartphones vive uma guerra de titãs. De um lado, estão alguns dos maiores fabricantes do mundo e órgãos como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), subordinada ao Ministério da Justiça. De outro, os maiores sites de comércio eletrônico do país: a Amazon e o Mercado Livre. O empenho de todos em vencer a briga é proporcional às recompensas visadas. Desde 2020, as vendas de celulares superam os 40 milhões de unidades por ano no Brasil e devem movimentar 75 bilhões de reais em 2024. Como em toda guerra, esta também tem um alvo estratégico: a fatia do mercado tomada pela venda de celulares ilegais — um negócio que explodiu em 2023 e que continua firme, graças às facilidades oferecidas pelas vendas on-line. O governo e os fabricantes querem abolir esses produtos, mas enfrentam a resistência dos marketplaces, que recorrem à Justiça para não cooperar. “Há uma má vontade dos sites”, diz Alan Towersey, chefe da divisão de repressão ao contrabando da Receita Federal em São Paulo.

RIGOR - Anatel: a agência amplia o combate à venda de produtos não aprovados
RIGOR - Anatel: a agência amplia o combate à venda de produtos não aprovados (APC/Anatel//)

Até 2022, os celulares piratas representavam 10% das vendas. No ano passado, contudo, essa fatia saltou para 25%. Com isso, 11 milhões dos 43 milhões de aparelhos comercializados eram ilegais. Por lei, apenas os homologados pela Anatel podem ser vendidos no país. Para obter a homologação, os fabricantes devem submeter seus aparelhos a uma série de testes de segurança, radiofrequência e proteção de dados. Também precisam cumprir outras regras, como incluir manuais em português e vender acessórios — como os carregadores de bateria — também homologados. “A homologação garante a segurança de quem compra”, diz Vitor Hugo do Amaral, diretor do departamento de proteção e defesa do consumidor da Senacon. “Um celular não homologado traz grandes riscos, como o de explodir a bateria, emitir radiação acima do permitido e vazar dados do usuário.”

A primeira forma de os contraventores burlarem a lei é a venda de celulares originais (isto é, produzidos pelo fabricante oficial) e homologados pela Anatel, mas contrabandeados para não pagar os impostos. É o que os auditores fiscais chamam de descaminho. A vantagem é óbvia: como os impostos sobre os celulares chegam a 40%, os malfeitores ofertam um produto mais barato e ainda lucram. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) estima que, neste ano, o Brasil deixará de arrecadar 4 bilhões de reais em impostos com isso. O segundo golpe é a venda de celulares originais, mas não homologados pela Anatel. A terceira forma é a venda de celulares falsificados. A rigor, esses são os aparelhos que os especialistas chamam de piratas, pois são fabricados por empresas não autorizadas, com componentes fora do padrão e de baixa qualidade.

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Até recentemente, as falsificações eram contrabandeadas para o Brasil, mas criminosos locais estão nacionalizando a fabricação. Neste mês, a Receita e a Polícia Federal deflagraram a Operação Vaporis 2, contra a venda de cigarros eletrônicos e smartphones ilegais na cidade de São Paulo. “Encontramos sinais de falsificação doméstica de celulares”, diz Towersey, da Receita. “Os envolvidos trazem peças falsificadas do exterior e montam os aparelhos aqui.”

arte celulares

Os malfeitos encontraram no comércio eletrônico o ambiente perfeito para crescer. “As plataformas digitais facilitaram muito o contrabando, ao trazê-lo para dentro da casa das pessoas”, diz Luiz Carneiro, diretor da Abinee. No início do ano, a entidade alertou o Conselho Nacional de Combate à Pirataria sobre o problema. Em maio, a Senacon notificou grandes varejistas on-line para excluir os anúncios ilegais. A ordem dividiu os sites. De um lado, o Carrefour.com e a Shopee assinaram termos de ajuste voluntário de conduta. A Americanas.com, embora sem assinar o termo, prometeu excluir os anúncios e aumentar a fiscalização. O Magazine Luiza passou ileso pelo puxão de orelha, pois oferecia apenas celulares homologados. A Amazon e o Mercado Livre, porém, questionaram a ordem.

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Em junho, foi a vez da Anatel de pressionar os dois. Além de multa diária em caso de desobediência, a agência ameaçou retirá-los do ar. Os gigantes partiram para a guerra. O motivo era óbvio: segundo a Anatel, 52% dos celulares anunciados na Amazon eram irregulares. No Mercado Livre, a fatia era de 43%. Barrar os piratas arruinaria os negócios de ambos. A Amazon obteve uma liminar na Justiça de São Paulo, derrubada em outubro por um recurso da Advocacia-Geral da União apresentado ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Já o Mercado Livre ingressou com pedido semelhante na Justiça do Distrito Federal. Derrotado na primeira e na segunda instância, o site argentino passou a colaborar com as autoridades. No fim de julho, a Anatel reconheceu que o Mercado Livre havia se enquadrado.

MADE IN BRAZIL - Ação da Receita Federal: celulares falsificados já são feitos no país
MADE IN BRAZIL - Ação da Receita Federal: celulares falsificados já são feitos no país (Receita Federal//)

O recuo isolou ainda mais a Amazon. Em nota enviada a VEJA, o site afirma que apoia o combate à venda de celulares ilegais, nega que comercialize esses produtos e sublinha que exige toda a documentação dos lojistas para comprovar a origem e o enquadramento dos aparelhos. Contudo, a empresa não poupa críticas. “A lei não outorgou à Anatel poder para regular a atividade dos market­places, muito menos o poder de impor as sanções que estabeleceu”, diz a nota. A varejista sustenta que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já determinou que a agência só deve exigir a remoção de anúncios mediante ordem judicial. “A Anatel tem feito fiscalizações metodologicamente frágeis, com amostragens irrisórias e resultados totalmente distorcidos”, prossegue. Para completar, segundo a Amazon, “as fiscalizações são dirigidas apenas a algumas empresas, revelando um tratamento desigual”. Procurada por VEJA, a Anatel não se manifestou.

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arte celulares

Após a batalha das liminares, uma ação que deve ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) até o fim do mês pode reacender a briga. Trata-se de um recurso extraordinário em que o Facebook questiona a sua obrigação de remover postagens ofensivas. Seu argumento é que o artigo 19 do Marco Civil da Internet determina que a rede social só deve ser responsabilizada se deixar de atender a uma ordem judicial. Embora o centro da ação seja a liberdade de expressão, uma possível vitória do Facebook no STF encorajaria as varejistas on-line a recorrer ao mesmo artigo para manter anúncios de produtos irregulares.

Para os especialistas, contudo, o argumento não cola, já que um anúncio não é a expressão de uma ideia que pode contrariar o status quo, mas a oferta de um produto ou serviço com fins comerciais. Além disso, as plataformas não são um mero ambiente virtual em que compradores e vendedores se encontram. Suas receitas provêm das taxas cobradas nas transações, pela armazenagem dos produtos em seus centros de distribuição e pela entrega ao cliente final. “Se os sites lucram com a venda, também são responsáveis pelos produtos oferecidos”, afirma Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto de Desenvolvimento do Varejo. “Eles não podem se esquivar.” A guerra dos gigantes está longe de acabar.

Publicado em VEJA de 22 de novembro de 2024, edição nº 2920

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