‘É um contrassenso o Brasil importar mais petróleo’, diz CEO da Acelen
Luiz de Mendonça, à frente de Mataripe, primeira refinaria privatizada da Petrobras, conta os planos e desafios da empresa no primeiro ano do governo Lula
O mercado de refino de combustíveis no Brasil é amplamente controlado pela Petrobras. Uma das maiores refinarias criadas pela estatal, no entanto, hoje, é uma referência para entender como a iniciativa privada pode ajudar o setor a evoluir. Após pouco mais de um ano de operação privatizada e resultados satisfatórios, a Acelen agora enfrenta os desafios vindos com a mudança do governo, saindo de uma proposta mais favorável à iniciativa privada — mesmo que tenha havido poucas das desestatizações prometidas — para o novo governo Lula, defensor do protagonismo do Estado na economia e do papel da Petrobras na definição de preços dos combustíveis no país. Desde 2021 como CEO da empresa, Luiz de Mendonça falou em entrevista a VEJA sobre as conquistas e os desafios da refinaria.
O executivo acompanhou a transformação da segunda maior refinaria do país de uma estatal para uma empresa privatizada após a venda naquele ano da então Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, para o fundo árabe Mubadala por 1,65 bilhão de reais. Transformada na Refinaria de Mataripe – seu nome original – e após investimentos de 1,1 bilhão de reais, a Acelen aumentou em 22% sua capacidade de produção e criou quatro produtos novos incorporados aos mais de 30 da refinaria. Responsável por 10% do PIB e 17% do ICMS do estado da Bahia, ela hoje refina 302 mil barris de petróleo por dia, o que representa 12% do total da capacidade de refino do país.
Quais são os principais desafios que a Acelen pode enfrentar?
Há incoerências, desafios e obstáculos que precisam ser removidos, como o arcabouço regulatório e fiscal que precisam ser aprimorados no Brasil. Como no ano passado investimos muito em proteção e confiabilidade, em uma situação normal a nossa previsão é, daqui para frente, um crescimento importante, de produção e potencialmente de resultados. Só que toda essa discussão em torno da desoneração dos combustíveis criou um tremendo de um problema. A desoneração de alguns combustíveis como diesel e GLP foi renovada até dezembro e o problema é que a medida provisória 1157 só desonerou o petróleo até 28 de fevereiro. Isso precisa ser corrigido urgentemente.
Quais são as consequências para a empresa caso a desoneração não seja renovada?
Significaria que a partir do dia 1º de março vamos pagar PIS/Cofins no petróleo enquanto os combustíveis vão estar com a alíquota zerada. Ou seja, eu e todas as refinarias privadas no Brasil vamos ter que pagar uma acumulação absurda de créditos de PIS/Cofins. Quando somamos todas as refinarias, e nós somos a maior, são 5 bilhões de reais. Se esse problema não for corrigido urgentemente, dia 1º de março ficaríamos sem capital de giro, o que inviabiliza a produção máxima de combustíveis. Possivelmente, será um impacto contrário ao da medida 1157, porque preciso repassar essa montanha de impostos para os preços do diesel e do gás de cozinha.
Como é a abertura do governo em relação a essa demanda sobre a desoneração dos combustíveis?
No curto prazo, para essas demandas mais urgentes que estou trazendo, percebemos um governo que está se formando, então a capacidade de resposta rápida ainda está um pouco prejudicada. Estamos, há várias semanas, apontando esse problema do dia 28 de fevereiro. Ainda estamos com um pouco com dificuldade de ter uma resposta e um entendimento. Já teve Casa Civil, Ministério de Minas e Energia, Secretaria da Fazenda, e talvez quem esteja mais assustado hoje é o governo da Bahia, que está entendendo o nosso desafio e vai sentir primeiro, caso a gente reduza a produção e aumente os preços no Nordeste.
Como mais privatização pode ajudar o setor?
A privatização traz um montante de investimentos que não viria de outro jeito. As pessoas se impressionam quando mostramos o projeto Acelen no todo, a capacidade de atração de investimento, de modernização de parque de refino, de aumento da capacidade e outros investimentos que gostaríamos de fazer no setor de energia. Pegamos uma refinaria antiga, com manutenção a fazer, e só com os nossos investimentos há ganhos gigantescos ali. Ou seja, se quer aumentar a capacidade de refino brasileira, deixa a gente trabalhar e atrair inclusive novos investimentos. Isso tem sido muito bem recebido, e o pessoal sai daquela dicotomia estatização e privatização.
Já houve rumores de que a privatização da Refinaria de Mataripe pode ser revertida. Isso é possível?
Não acredito. Há muitos fantasmas, muitos rumores desde que chegamos lá. Não houve sinalização do governo em tentar reverter esse processo de privatização. Nem comentamos isso, nosso projeto está investindo o que a Petrobras investiu na Bahia por muitos anos. Criamos 1,2 mil empregos e um outro dinamismo na indústria. É saudável ter uma Acelen no mercado, ou outras que possam vir a ser criadas. O projeto é bom para o Brasil, nós queremos aumentar a capacidade de refino brasileira, atrair mais investimentos e a privatização é um belíssimo caminho para isso. O Brasil tem enormes desafios em outros setores em que a presença do governo é fundamental, e acho que aqui a iniciativa privada está fazendo um bom trabalho. Deixa a gente trabalhar que eu acho que vai ser importante para o Brasil.
Há outras dificuldades enfrentadas pela Acelen na condução do setor que precisam ser melhoradas?
O petróleo brasileiro é exportado em condições mais vantajosos que eu, como uma refinaria privada brasileira, consigo comprar. Eu não quero comprar mais barato, quero comprar nas mesmas condições que está sendo exportado, mas você tem aí toda uma estrutura fiscal que faz com que seja mais vantajoso para a Petrobras e outros produtores exportar para a China ou para a Europa do que vender para mim. É um contrassenso que o Brasil, um país exportador de petróleo, está importando cada vez mais petróleo porque eu não consigo comprar em condições igualmente competitivas do Rio de Janeiro, da Bacia de Campos, por questões de preço de referência da Medida Provisória.
Como uma eventual mudança na Política de Paridade Internacional de preços da Petrobras pode afetar a empresa?
Nós vamos ser competitivos e não vamos perder mercado. No mundo como um todo o setor de petróleo e gás é interconectado. Ae faltar diesel no Japão ou sobrar diesel na Europa, esse efeito será sentido no Brasil, não tem como escapar dessa lógica. Na formação dos nossos preços, consideramos o mercado mundial. Temos uma agilidade muito grande para reajustar preços, fazemos isso semanalmente. Quando cai o preço internacional, ajustamos na semana seguinte. Os nossos clientes entendem e é muito transparente a nossa precificação. Isso posto, vamos ser competitivos e sempre levar em conta a concorrência nacional, não vou perder vendas. Quando eu subo o preço em 22%, significa que eu subi as vendas também em 22%, e vou continuar sendo competitivo. Com as importações, com a Petrobras, assim como com o etanol, o que rege é a oferta e procura, e o balanço de energia mundial.
Há proteções legais para que o investimento feito pelo fundo Mubadala não seja prejudicado por uma eventual redução do preço cobrado nas refinarias da Petrobras?
Nós acreditamos em livre mercado e livre concorrência. A proteção legal é dada pelos limites do Cade, o órgão de defesa da concorrência. Dependendo do que se faz no mercado, pode estar fazendo dumping de preços. No passado, a própria Petrobras foi alvo de ações por abuso do poder econômico. Não acredito nessa hipótese, acho que eles têm uma governança, é uma grande empresa, mas prefiro não comentar em cima de especulações. No momento os preços brasileiros estão alinhados com os preços internacionais, talvez com diferenças de algumas semanas. Continuo acreditando que o mercado é mundial e é isso que vai prevalecer.
E outras políticas públicas para compensar a alta dos preços dos combustíveis?
É possível ter um fundo de compensação ou nos momentos de crise ter uma bolsa caminhoneiro, alguns países fizeram isso em momentos de desequilíbrio extremo respeitando o mercado. Falei um pouco da competitividade do petróleo brasileiro, isso é muito importante, o Brasil está exportando petróleo barato e ter mais petróleo brasileiro sendo refinado é positivo para manter a estabilização de preços. Em tese, existem mecanismos que podem ser criados sem mexer na liberdade de mercado, sobretudo, de um mercado que é mundial. Não faz sentido por exemplo tabelar carne porque o Brasil é um grande produtor. A Argentina fez isso e faltou carne lá, o que é um absurdo.
A empresa investiu 1,1 bilhão de reais no primeiro ano. Como esse recurso foi aplicado?
Focamos em manutenção, aumento de capacidade, segurança, redução da pegada ambiental e de carbono da refinaria. Aumentamos a capacidade de produção em 22% e conseguimos 6% de redução no consumo de energia, 8% no consumo de água da refinaria, reduzimos 268 mil toneladas de gás carbônico, mais de 54% do volume de gases que eram enviados para a tocha. Decidimos banir o gás cloro no tratamento de água da refinaria por ser um risco desnecessário, no dia seguinte mobilizamos o investimento e em oito meses mudamos todo o sistema de tratamento de água da refinaria. E já mapeamos todos os investimentos que temos que fazer em 2023 e 2024, novos negócios. A gente já criou e vai reforçar um centro de inovação e tecnologia que estará na Bahia.
Como foi a experiência de ir para uma empresa que acabou de ser privatizada? Enfrentou algum desafio na cultura corporativa?
Tem uma similaridade no processo porque participei de várias fusões e aquisições e processos de criação. A privatização não é diferente. Compramos uma refinaria que durante muitos anos foi da Petrobras. Tem de ter todo o cuidado ao chegar, respeitar a cultura e sobretudo o conhecimento das pessoas. No começo o grande trabalho em relação às pessoas foi conquistar a confiança e desconstruir rumores e fantasmas como que em uma empresa privada não se tem estabilidade e as dúvidas em relação à meritocracia. Procuramos mostrar que o turnover no setor privado é baixíssimo e que a estabilidade é um mito porque, no setor privado, em grandes e boas empresas, as pessoas trabalham 30, 40 anos, e não estão preocupadas. Terminamos o ano com cerca de 50% do efetivo vindo da Petrobras, ou seja, se manteve na refinaria, e 50% de fora. Quando se falava de refino brasileiro era praticamente Petrobras. Agora, não mais, porque criamos o primeiro centro de formação para o refino nacional. Fizemos um investimento muito forte em formação, em segurança, em manutenção. Você pode ser a favor ou contra a privatização, mas no final todo mundo quer a mesma coisa, crescer, investir e modernizar, e foi isso que a gente fez.
Qual é a expectativa de resultados para este ano?
Estamos fazendo reposicionamento de portfólio. Queremos diminuir o gargalo de certos produtos, como o diesel e o querosene de aviação. São produtos que o Brasil importa. Os resultados vieram muito em linha com o que esperávamos para esse primeiro ano e há ainda umas questões de legado do refino brasileiro, que ficou décadas só com a Petrobras. Tem aí todo um arcabouço jurídico e fiscal desfavorável ao refino privado no Brasil. Isso cria certas dificuldades para a gente. Não vemos a Acelen só como uma refinaria. Na verdade, a ambição é muito maior, é tornar a empresa um dos grandes atores do mercado de energia e da própria transição energética do Brasil. Estamos olhando projetos em energias renováveis. Já temos mapeadas a construção de novas unidades, muito provavelmente a partir de combustíveis renováveis e aproveitando a base que temos para ampliar a refinaria.