
“É a economia, estúpido!” Foi assim que James Carville, estrategista-chefe da campanha eleitoral do então candidato à Presidência Bill Clinton, definiu um dos pilares da eleição daquele ano de 1992. A mensagem: num ambiente recessivo, o opositor teria vantagem sobre o presidente que buscava a reeleição, George H.W. Bush, que morreu em novembro passado. Clinton e sua mulher, Hillary, ocuparam lugar especial no funeral, ao lado de outro ex-presidente democrata, Barack Obama — é curioso ver como a empatia do ex-presidente George W. Bush com seus pares do Partido Democrata parecia imensamente maior do que com o republicano Donald Trump, quase um estranho no encontro que reuniu os pesos-pesados da política americana. A cena mais marcante ficou por conta de Bush filho e seu emocionado discurso em homenagem ao pai.
A frase de Carville, com suas infinitas variações, tem como pano de fundo uma questão interessante: na interação entre os mundos da política e da economia, quem puxa o trem? É a política que dita os rumos e determina o andar da economia ou, ao contrário, é a economia que detém a primazia? Naquele instante da vida americana, ele afirmou com convicção — e provou ter razão — que a economia seria determinante. Mas isso está longe de ser uma regra. Em inúmeras situações — por exemplo, na última eleição brasileira —, são temas da própria política que definem o resultado e afetam a economia.
Os economistas só começaram recentemente a levar a sério o estudo da política. De certa forma, o prêmio Nobel Gary Becker foi o primeiro influenciador, ao demonstrar nos anos 60 e 70 que o arcabouço teórico da economia poderia ser aplicado a outras esferas da vida. Mas foi dos anos 80 em diante que a área batizada como economia política ganhou corpo, especialmente a partir do trabalho dos italianos Alberto Alesina e Guido Tabellini. Eles buscaram entender como economia e política interagem: por exemplo, há formas de governo mais propensas a elevar o gasto público? Seria o parlamentarismo superior na condução econômica? Por que alguns países democráticos não conseguem vencer a instabilidade econômica?
Essa reflexão cai como uma luva no Brasil de hoje. Nossos problemas econômicos estão bem diagnosticados. Temos uma infinidade de desafios, todos urgentes num ambiente de revolução tecnológica e outras transformações profundas. Mas tudo isso se tornou secundário: estamos paralisados por uma política que entrou em parafuso. O horror causado por um sistema viciado, com corrupção desenfreada à custa do Erário, gerou um anseio absurdo: o fim da política. Em qualquer democracia séria, o poder é compartilhado. Negociação não é sinônimo de negociata.
O presidente Bolsonaro acaba de instruir os militares a comemorar o golpe de 1964. Provocações à parte, é bom ele lembrar que estamos numa democracia. Seu tempo — e a paciência de seus pares em Brasília e do conjunto de brasileiros — não é infinito. Bem ao contrário.
Publicado em VEJA de 3 de abril de 2019, edição nº 2628
