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Donos de Viracopos não querem sair de mãos abanando

Concessionária contratou Adalberto Vasconcelos, ex-chefe do ministro de infraestrutura, para ajudar no acerto com governo; dívida é de quase R$ 3 bilhões

Por Josette Goulart 13 set 2020, 08h00

No já distante ano de 2011, quando o Brasil se preparava para receber a Copa do Mundo e o governo de Dilma Rousseff licitava aeroportos, a disparidade de contas em torno do preço de licitação do aeroporto de Viracopos, em Campinas, já prenunciava o desastre. A Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, encomendou os estudos de viabilidade e vaticinou: lance inicial de R$ 436 milhões. O Tribunal de Contas da União (TCU) olhou, olhou e olhou e determinou: dá para vender por pelo menos 1,47 bilhão de reais. A Triunfo Participações e a construtora UTC não quiseram saber: pagaram 3,8 bilhões de reais. Uma Lava Jato que bateu na porta de Triunfo e UTC, duas Copas e alguns anos de crises econômicas depois, Viracopos ganha os holofotes como sendo a primeira concessão de aeroporto no Brasil a ser relicitada e a discutir pendengas bilionárias com a Anac em um processo de arbitragem, que substitui o judicial. O governo assinou decreto para dar início aos trabalhos, em julho. E os sócios de Viracopos estão se armando para a empreitada. Contrataram, como consultor, Adalberto Santos Vasconcelos, um servidor licenciado do Tribunal de Contas da União.  

O currículo de Vasconcelos fala por si só. Ele foi o técnico do TCU que comandou o laudo que serviu de base para os votos dos ministros que determinaram o preço mínimo de 1,41 bilhão de reais para Viracopos, lá em 2011. Ele foi o secretário do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) do governo Temer até meados do ano passado, já no governo Bolsonaro. O PPI é o órgão que coordena com ministérios, agências reguladoras, investidores, os processos de concessões no país. E é o órgão que irá decidir se as dívidas com os bancos feitas por Viracopos podem ser transferidas na relicitação para o próximo concessionário. Algo em torno de uns 3 bilhões de reais. E ainda tem mais no CV de Vasconcelos. Ele foi chefe do atual ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, no PPI. A passagem de Freitas pelo PPI e o currículo militar o alçaram a ministro de infraestrutura do governo Bolsonaro. E o ministério é a pasta que comanda licitações de aeroportos. Resumindo: mais acesso a fontes e conhecimento dos meandros de um processo licitatório do que Vasconcelos é virtualmente impossível de se obter. Tanto que alguns colegas de TCU estão desconfortáveis com o fato de o consultor só ter se licenciado do TCU para abrir sua consultoria e não pedido a exoneração.

Vasconcelos explica que a lei permite que ele se licencie e exerça atividades de consultoria e que não pediu exoneração porque em apenas cinco anos ele poderá se aposentar desde que continue pagando o INSS. Caso saísse agora, perderia o tempo da aposentadoria. Ele diz que incluiu uma cláusula no contrato com Viracopos, entretanto, em que não pode atuar em qualquer processo que a empresa venha a ter no TCU. O tribunal, por sua vez, informou por meio de sua assessoria de imprensa que não há conflitos no caso de Vasconcelos atuar como consultor. De qualquer forma, o órgão poderá se manifestar durante o processo de relicitação, assim como fez em 2011 quando determinou que o valor mínimo da outorga fosse elevado. 

Na época, a justificativa dos técnicos liderados por Vasconcelos era de que a Anac não tinha observado receitas não tarifárias que a concessão poderia ter com hotéis, salas de convenção e uma gama de serviços que poderiam ser oferecidos ao redor do aeroporto por conta da extensão do terreno. Agora, este deve ser justamente um dos principais pleitos de Viracopos na arbitragem com a Anac sobre a questão do desequilíbrio no seu contrato. A empresa alega que o governo só desapropriou 20% dos 17 km2 que prometeu que entregaria ao aeroporto. E, mesmo assim, em áreas não contíguas o que impede que o aeroporto possa utilizá-las. Só por este pleito, a empresa pedia R$ 2,5 bilhões em valores de 2018.

A concessionária ainda não informou quais pleitos vai incluir na arbitragem. No plano de recuperação judicial apresentado em 2018, a empresa queria um reequilibro por motivo fortuito de 2,7 bilhões de reais por conta das crises econômicas que impediram que o fluxo de passageiros e cargas chegasse perto do projetado. Este é um pleito que Vasconcelos não poderá assinar embaixo se for coerente com o que sempre defendeu publicamente. Se crises econômicas pudessem servir de argumento para reequilibrar contratos, o governo teria de rever todo tipo de contrato, e Vasconcelos era contra justamente por conta disso. 

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Outro ponto importante para Viracopos neste processo de relicitação é a transferência da dívida para o novo concessionário. São quase 3 bilhões de reais, sendo que cerca de 90% em dívidas com o BNDES. Houve um acordo feito no plano de recuperação judicial da companhia que só vai adiante se a dívida for transferida. O PPI terá de fazer esta análise, segundo decreto assinado por Bolsonaro em meados de julho, para então dar continuidade ao processo. Pouco antes do decreto permitindo a relicitação, os donos de Viracopos tinham contratado outro advogado de peso: Frederick Wassef, ex-defensor do presidente e de seu filho Flavio Bolsonaro.

Os donos de Viracopos também precisam ser indenizados pelos investimentos que já realizaram e a nova outorga de concessão deve contemplar esses valores. Mas Viracopos também terá de fazer um encontro de contas com o governo. De acordo com informações da Anac, a concessionária deve cerca de 700 milhões de reais em outorgas não pagas. Aqueles 3,8 bilhões de reais oferecidos na licitação de 2011 valem hoje cerca de 7 bilhões de reais, por conta da correção monetária, segundo advogados que conhecem a recuperação judicial da empresa. Anualmente, a empresa deveria pagar entre 150 milhões de reais e 200 milhões de reais, mas o valor que deixou de ser pago nos últimos anos. A Anac também afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que não cometeu erro de avaliação de fluxo de passageiros, tanto que a empresa ofertou um ágio de quase 160%, ou seja, se alguém errou, foi a empresa. Outra questão que poderá ser levantada pela Anac durante a arbitragem, segundo advogados próximos à empresa, são questionamentos sobre possível superfaturamento em obras do aeroporto. Mas se partir por este caminho terá que fazer a requisição com base em laudos e perícias. A desconfiança recai por conta do histórico dos sócios atuais da concessionária. O dono da empreiteira UTC, Ricardo Pessoa, confessou que pagou propinas e chegou a fechar um acordo de delação premiada. Em seu depoimento, o único ponto que o empreiteiro mencionou sobre Viracopos foi um pedido de doação para campanhas que teria sido feito pelo então presidente do BNDES, Luciano Coutinho, depois de uma reunião sobre o projeto do terminal em Campinas. Mas até hoje não houve desdobramentos públicos sobre esta acusação. A Triunfo também foi investigada na Lava Jato, mas até agora em nenhum dos casos Viracopos foi mencionada. 

A relicitação de Viracopos tem outro desafio: a de se negociar a operação num período pós-pandemia e ainda assim garantir o pagamento de todas as contas. Os donos de Viracopos, segundo fontes próximas, nutrem um desejo de até eventualmente continuarem no negócio, em condições contratuais mais vantajosas, caso não surja comprador para o empreendimento. Pela lei de relicitação, os atuais donos não podem participar da disputa. Mas, se não aparecerem outros compradores, a história pode ser outra.

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