Como o avanço do 5G no Brasil impulsiona a inteligência artificial nas empresas
Em diversos setores, abre-se caminho para o advento de uma nova era tecnológica
Quando começou a ser utilizada comercialmente, em 2019, a 5G prometia uma revolução na forma de relacionamento com a internet, além de aprimorar a conexão entre aparelhos, a chamada internet das coisas (IoT). Embora o mundo tenha observado avanços nessas áreas, a quinta geração de redes móveis não conseguiu promover a transformação que se esperava. “A 5G levou a uma certa frustração mundial, porque prometeu mais do que entregou”, afirma Augusto Neto, coordenador do Lance, centro de pesquisa e desenvolvimento criado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em parceria com a fabricante chinesa de computadores Lenovo. Até pouco tempo atrás, existiam raros exemplos concretos de uso de 5G que justificassem os altos investimentos necessários para a sua adoção em massa. Esse cenário, contudo, vem mudando com expansão da inteligência artificial (IA), já que tecnologias como veículos autônomos e câmeras de reconhecimento facial exigem a aplicação dos diferenciais da 5G — como o tempo de resposta extremamente baixo, grande capacidade de transporte de dados e velocidade até 100 vezes superior à da 4G.
É fácil entender por que a 5G representa um estímulo para a IA. “Ela é responsável por coletar as informações, enquanto a inteligência artificial as interpreta”, diz Rodrigo Vieira, coordenador do Centro de Conectividade do Senai-SP. A indústria é vista como a maior beneficiada pela associação dessas tecnologias. No Brasil, projetos em andamento em companhias como a montadora ítalo-franco-americana Stellantis e a empresa suíça de alimentos Nestlé já avaliam possíveis ganhos de eficiência com a inovação.
Na cidade de Goiana, em Pernambuco, a fábrica da Stellantis emprega um software de inteligência artificial que analisa imagens capturadas por câmeras no chão de fábrica, verificando se todos os automóveis atendem aos padrões de qualidade. As imagens são enviadas em tempo real para a IA por meio de uma rede privada de 5G, em uma estrutura projetada pela consultoria Accenture e a operadora TIM. Na fábrica da Nestlé em Caçapava, no interior de São Paulo, um projeto resultante de parceria entre a operadora Claro e as empresas de telecomunicações Embratel e Ericsson implementou a 5G para auxiliar no processo de automação da produção. Carros-robôs são utilizados para transportar os wafers da Nestlé até uma estação onde são produzidos 2 milhões de unidades do chocolate KitKat diariamente.
Projetos como esses ainda estão longe da massificação esperada. Uma pesquisa global da consultoria EY-Parthenon mostrou que, embora 42% das companhias considerem a integração de 5G e IA uma prioridade de inovação, 60% apontam que há poucas ofertas de serviços e produtos que combinem as duas tecnologias. “A implementação leva tempo porque os modelos de IA precisam ser treinados para atender às necessidades de cada empresa”, diz Auana Mattar, vice-presidente de tecnologia da TIM Brasil. O treinamento envolve ensinar o algoritmo a reconhecer padrões e fazer previsões com base em um histórico de dados, algo que pode ser demorado devido à curva de aprendizado da IA, que precisa ser aprimorada antes de ser aplicada na produção. Com a popularização da IA nos últimos dois anos, espera-se que projetos desse tipo ganhem tração até 2026. “Primeiro na indústria, depois se expandindo para outros setores”, afirma Mattar.
Fora da indústria, a integração da 5G com a inteligência artificial vem sendo testada em projetos de gestão pública, como o uso de câmeras inteligentes para monitorar o fluxo de pessoas em grandes eventos, e na área da saúde, com a possibilidade de realização de cirurgias remotamente. No turismo, um programa do centro de pesquisa e desenvolvimento da UFRN investiga ferramentas de realidade aumentada para enriquecer a experiência dos visitantes, com guias interativos em tempo real para contextualizar os locais históricos.
No universo das redes públicas de 5G — operadas por provedores de telecomunicações e disponíveis para todos os usuários —, a demanda por transporte rápido de dados também tem crescido com o impulso da IA, na esteira da popularização de assistentes virtuais como o ChatGPT. Um relatório da consultoria Mobile Experts indica que a demanda por capacidade de rede aumentará significativamente a partir de 2027, podendo resultar em lentidão na transmissão de informações. O estudo ainda afirma que a 6G, que deverá começar a ser implementada mundialmente em 2030, com perspectiva de ser dez vezes mais rápida que a 5G, pode ser fundamental para atender a essa demanda. “Ainda que a IA consuma pouco da infraestrutura de rede atualmente, a tendência é que esse consumo aumente exponencialmente à medida que as aplicações se tornem mais complexas”, afirma Rodrigo Vieira, do Senai-SP. Exemplo disso são os impressionantes robôs humanoides apresentados pela Tesla em outubro, que prometem elevar o nível dos assistentes de IA. Embora esteja prevista para ser lançada no mercado apenas em 2027 e aprimorada ao longo de mais de dez anos, a tecnologia já oferece uma prévia do que está por vir: a inteligência artificial exigindo um transporte de dados cada vez mais rápido e robusto.
Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916