Como a invasão da Ucrânia pela Rússia pode afetar as vendas do McDonald’s
Cerca de 10% da receita, equivalente a US$ 2,1 bilhões, da rede de fast food vem da Rússia e da Ucrânia e há temor sobre um posicionamento sobre o conflito

Um frenesi sem precedentes tomava conta das alamedas de Moscou, capital da Rússia, em 31 de janeiro de 1990. A data marca a chegada da maior rede de fast food do mundo à antiga União Soviética, que seria dissolvida no ano seguinte. Registros da época contabilizam que, naquele dia, o primeiro McDonald’s instalado na icônica Praça Pushkin recebeu cerca de 30 mil ávidos e curiosos clientes, algo muito além dos 900 assentos disponíveis na unidade. Simbólico, o evento marcaria a abertura do país ao capitalismo. Saborear um tradicional Big Mac, com batatas-fritas e milk-shake tornava-se, então, um hábito com sinônimo de gosto de liberdade para os habitantes de uma nação fechada a seu próprio regime socialista.

A recepção calorosa e a abertura da Rússia nos anos seguintes fizeram com que o McDonald’s voltasse parte significativa de sua expansão para o país. Pouco a pouco, o amarelo e vermelho vibrantes que representam as cores da empresa foram ganhando as geladas ruas daquele país. Hoje, segundo último relatório divulgado pela empresa, são 847 operações em solo russo. Acontece que a escalada do conflito militar entre Rússia e Ucrânia colocou a empresa no meio de um fogo cruzado. Com sanções que restringem o espaço aéreo e as transações financeiras no país, o McDonald’s e outras gigantes multinacionais que fazem negócios na Rússia estão se preparando para sofrer represálias.
Os motivos para o receio podem ser facilmente compreendidos. Fatia significativa da receita anual do McDonald’s (9%, ou 2,1 bilhões de dólares) é proveniente das unidades espalhadas por Rússia e Ucrânia. Além disso, quase todos os restaurantes da empresa nesses países são próprios (84% na Rússia e 100% na Ucrânia), o que acentua os riscos e as perdas, em caso de suspensão das atividades na região, como já pode ser notado em unidades ucranianas. Em outros países, como Brasil e Estados Unidos, uma parcela considerável das lojas tem franqueados como donos.
Mas não é só o McDonald’s que pode sofrer com o conflito envolvendo os russos. No caso da rival KFC, a presença na Rússia é tamanha que, em agosto de 2021, a marca anunciava sua milésima operação no país. Em média, a companhia inaugura cerca de 100 unidades por ano em solo russo. O Burger King, por sua vez, tem cerca de 550 restaurantes na Rússia.
Em meio à escalada do conflito na Ucrânia, somente parte dos restaurantes da KFC estão funcionando. O McDonald’s, por sua vez, resolveu fechar seus 108 estabelecimentos no país por “motivos de segurança”. As empresas estão realizando doações por meio de suas lojas para civis e militares ucranianos.
Segundo a especialista Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores, as empresas deveriam tomar uma posição mais clara sobre o conflito. “A partir do momento em que McDonald’s e KFC não se posicionam, isso parece muito ruim”, diz ela. “Boa parte dos clientes do McDonald’s, por exemplo, é formada por jovens, que têm expectativa de um posicionamento anti-guerra por parte das empresas.”
A imprevisibilidade das ações a serem tomadas pelo presidente russo, Vladimir Putin, acentua a incerteza por parte das empresas. Enquanto as sanções contra os russos se intensificam por parte do ocidente, há um receio de que cresça um sentimento ‘antiamericano’ por parte do povo russo que prejudique as operações. Ao mesmo tempo, Putin já declarou que pode estatizar as empresas (a começar por bancos) multinacionais que atuem dentro do país como resposta às sanções. “As atitudes da Rússia não são previsíveis. É um governo que tem poder para desmoralizar a operação das empresas sob diversos pontos de vista, desde questões sanitárias ou estadistas. Há muita coisa em jogo”, complementa Tozzi.
Em fevereiro de 2014, após anexar a Crimeia, a Rússia recebeu sanções de diversos países, sobretudo dos Estados Unidos. Pouco depois, em agosto, o governo do país ordenou o fechamento temporário de quatro estabelecimentos do McDonald’s em Moscou, incluindo a unidade instalada na Praça Pushkin, um dos restaurantes mais frequentados do mundo. À época, a Rússia disse que fechou as unidades devido a “violações sanitárias”. Muitos, no entanto, defendem que a empresa foi punida pelas sanções impostas pelos Estados Unidos. Os estabelecimentos voltaram a funcionar em novembro daquele ano.