Com novas regras, a Anac quer regularizar o compartilhamento de aeronaves
A mudança diminuirá os custos e as dores de cabeça para os usuários
Para os americanos, o avião foi inventado em 1903 pelos irmãos Wright. Os brasileiros, porém, afirmam que o primeiro voo documentado ocorreu em Paris, na França, três anos depois, e foi realizado por Santos-Dumont. As teses parecem destinadas à eterna disputa, mas, apesar dela, as relações entre Brasil e Estados Unidos sempre foram de respeito mútuo no campo aeronáutico. Recentemente, a FAA, agência americana de aviação, trabalhou em conjunto com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) na recertificação do problemático Boeing 737 Max, envolvido em dois acidentes fatais. A própria posição do Brasil no cenário mundial inspira respeito: é o segundo maior mercado de aviação executiva, atrás apenas — justamente — dos Estados Unidos. Agora, uma nova regulamentação aprovada pela Anac deve impulsionar os negócios por meio de um modelo moderno de compartilhamento, em grande parte inspirado nas regras americanas.
O compartilhamento de aeronaves não é um fato novo. A empresa Prime You, por exemplo, oferece há mais de dez anos serviços de cotização de barcos, carros de luxo e aeronaves. Ela, inclusive, teve um crescimento robusto em 2020, com a aquisição de novos jatos e helicópteros. Entretanto, apesar de organizado, o segmento não estava regulamentado pelo órgão máximo da aviação civil, o que trazia insegurança jurídica para questões como seguro, manutenção e responsabilidade civil em caso de acidente.
Com a nova norma, à qual todos terão de aderir até agosto de 2022, será constituída a figura do administrador. Os associados que desejarem compartilhar uma aeronave em forma de condomínio deverão escolher uma empresa que será responsável não apenas pela agenda de voos, mas por todos os aspectos que envolvem a segurança, inclusive o treinamento dos pilotos. O uso será exclusivo dos cotistas e seus convidados, sendo vetado o transporte público. Além disso, o limite de cotas será de dezesseis para aviões e 32 para helicópteros. Esses parâmetros buscam evitar que o custo final fique baixo a ponto de prejudicar o negócio de táxi-aéreo, por exemplo.
A normatização não necessariamente transformará o Brasil no paraíso da aviação compartilhada. “O negócio brasileiro ainda está concentrado no Sudeste, que responde por mais de 80% dos voos executivos”, diz Márcio Jumpei, veterano pesquisador do tema. A cidade de São Paulo tem a maior frota de helicópteros do mundo, com cerca de 500 unidades, à frente de Nova York e Tóquio. O restante do país não é tão bem servido. Os custos de operação são altos, e o empresário deve pensar bem antes de tomar uma decisão. “Se ele planeja voar menos de 150 horas por ano, melhor optar pelo táxi-aéreo. Entre 150 horas e 250 horas por ano, vale o compartilhamento. Mais do que isso, é melhor investir em aeronave própria”, diz Jumpei.
A força do agronegócio tem produzido novos interessados, mas mesmo o compartilhamento é um serviço ao alcance de poucos. Segundo Rodolfo Costa, diretor da Prime You, a única opção para o cidadão médio continua sendo as linhas aéreas. Um dos jatos mais vendidos, o Phenom 300, no valor de 48 milhões de reais, custaria 3 milhões a cada associado se fosse dividido em dezesseis cotas. Existem opções econômicas, mas só no segmento da chamada aviação experimental. A Magnólia Cubs, empresa do interior de São Paulo, oferece contratos com cota de 29 000 reais, mas o tipo de aeronave oferecido — monomotores como o pequeno PA-18 Supercub — não está na categoria dos jatinhos e helicópteros de turbina procurados por empresários e astros do esporte. Mesmo assim, para quem gosta de um passeio de fim de semana, é uma opção. Está longe do luxo de um avião pressurizado e serviço de bordo, mas ainda é uma forma de compartilhar com alguém um pedaço do céu azul.
Publicado em VEJA de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726