Com reforma administrativa de lado, governo tem crise salarial a resolver
Expectativa era aprovar a modernização do funcionalismo em 2021; porém, reajustes a policiais federais desencadearam reações de outras categorias
Na internet, uma forma comum de meme é utilizar imagens opostas para comparar o que era expectativa e o que é realidade. A crise de reajuste para servidores públicos, desencadeada após o Orçamento de 2022 aprovado pelo Congresso conceder aumento apenas a policiais federais, é um clássico caso de oposição entre a expectativa e realidade. O ano em que o governo, em especial o ministro da Economia, Paulo Guedes, planejava a aprovação da reforma administrativa para modernizar o estado brasileiro, termina com discussões de reajuste e aumento do gasto público. Reflexo de como a agenda reformista foi tratada em um ano que o governo enveredou ao populismo fiscal, de olho em 2022, quando Bolsonaro concorre à reeleição.
Em mensagens a seus colegas de Esplanada, Guedes chegou a utilizar o desastre de Brumadinho (MG) para alertar sobre o risco que reajustes pontuais para diversas categorias de servidores podem causar nas contas públicas e na economia. “Temos que ficar firmes. Sem isso, é Brumadinho: pequenos vazamentos sucessivos até explodir barragem e morrerem todos na lama.” Segundo o ministro, os reajustes a servidores precisam ser uma discussão posterior à reforma administrativa, já que parte do corte de gastos poderia ser utilizada na recomposição de salários.
O fato é que depois da aprovação do Orçamento de 2022, com a concessão de aumento à PF, diversas categorias têm intensificado pedidos para também conseguirem reajustes no próximo ano, inclusive com ameaças de greve. No caso da Receita Federal, por exemplo, há uma debandada de servidores em cargo de chefia: 738 pediram exoneração até a última segunda-feira. Fiscais Agropecuários começaram uma “operação tartaruga”, também em protesto. Nesta quarta-feira, 29, servidores filiados ao Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) se reúnem para decidir sobre uma possível paralisação. A entidade representa 37 carreiras do funcionalismo.
O reajuste concedido aos Policiais Federais é mais um sinal das prioridades do Orçamento do governo em ano eleitoral. A categoria compõe uma base de apoio ao presidente, que o levou à eleição em 2018, e vinha reclamando de não terem recebido benefícios no governo. As reformas, inclusive, tão faladas por Guedes, foram atropeladas por outras prioridades focadas em 2022, como a PEC dos Precatórios, que visava a abertura de espaço fiscal para o pagamento do Auxílio Brasil, o Bolsa Família remodelado do presidente. “Bolsonaro terá muito mais prejuízo em não apostar nas reformas no processo eleitoral do que preservar setores específicos que, na minha opinião, independente desse processo já estão ou são contrários a ele”, avalia o deputado federal Alex Manente (Cidadania-SP).
A reforma administrativa é vista como crucial para a reformulação das carreiras do funcionalismo público, além de abrir a possibilidade da contratação de funcionários por um determinado período. Atualmente, a despesa com funcionalismo no Brasil chega a 13,4% do PIB. Com cargos obsoletos, o governo gasta atualmente cerca de 8,2 bilhões de reais. A ideia da reforma é trazer mais eficiência para os cargos e melhor alocação dos recursos públicos.
Prioridades
Logo em fevereiro de 2021, quando Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) assumiram suas cadeiras nas presidências da Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a equipe econômica traçou um plano para desencalacrar as pautas prioritárias e pendentes: a administrativa e a reforma tributária. O plano era caminhar com as duas matérias de forma simultânea na Câmara e no Senado e, quando fossem aprovadas na primeira casa, passariam para a outra. Assim, ambas as pautas seriam aprovadas em 2021. Porém, as reformas perderam espaço para outras necessidades do governo.
A reforma administrativa, por exemplo, teve seu parecer aprovado na Comissão Especial logo no início de setembro e, desde então, está pronta para ser votada. Com o foco do governo na PEC dos Precatórios, Lira deixou o projeto na gaveta e não chegou a colocá-lo em votação neste ano. Inclusive, chegou a expor publicamente a falta de empenho do Executivo para negociação da matéria. A PEC dos Precatórios, em contrapartida, teve seu parecer aprovado na Comissão um mês depois e, logo em seguida foi levada a plenário. A medida foi aprovada nas duas casas e promulgada antes do fim do ano.
A PEC, que era considerada fundamental para o pagamento do Auxílio Brasil, abriu 100 bilhões de reais de espaço fiscal para ser gastos em 2022. Já a administrativa, segundo estimativas de Guedes feitas em outubro, pode gerar uma economia de 450 bilhões de reais em dez anos.