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China anima produtores brasileiros a vender etanol lá fora

País asiático adota nova legislação sobre a mistura do álcool à gasolina e abre uma porta para que os biocombustíveis do Brasil conquistem o mundo

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h27 - Publicado em 11 out 2019, 06h00

A ambição de emplacar o etanol como base da matriz energética brasileira é antiga e remonta ao primeiro governo de Getúlio Vargas, quando foi criado o já extinto Instituto do Açúcar e do Álcool. Desde então — e lá se vão 86 anos —, os discursos sempre se fizeram acompanhar de uma generosa dose de otimismo, mas nunca passaram disso. Em junho de 2008, na esteira de um programa do BNDES de subsídio ao setor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o Brasil se tornaria a “Arábia Saudita verde”.

O atual governo também marcou posição no assunto no fim de setembro, quando o presidente Jair Bolsonaro, em uma de suas lives no Facebook, deixou o diretor de biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, Miguel Ivan Lacerda, bradar que o país tem hoje o “maior programa de descarbonização e de transição energética do mundo”. Assertivo, o presidente corroborou: “O Brasil está preocupado com a questão ambiental e faz a sua parte”. Para além da retórica oficial, o etanol, que nunca passou de um coadjuvante do petróleo, tem finalmente a chance de alcançar um inédito papel entre as exportações do país. E tal ascensão se deverá à China.

O gigante asiático aprovou recentemente uma legislação que determina que sejam misturados 10% de etanol na gasolina consumida no país, a chamada E10, a partir de 2020, com o intuito de reduzir a quantidade de gases poluentes no ar. Os chineses são os maiores emissores de CO2 do mundo — e signatários do Acordo de Paris, firmado em 2015 com o intuito de conter o aquecimento global. “Lá, a lei é para valer, tanto que a China já está se organizando para distribuir o combustível. É aí que nós entramos: os chineses precisarão importar todo esse etanol”, diz Gustavo Junqueira, secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo.

Empresários do setor calculam que a decisão da China, dona da maior frota de veículos do planeta, demandará pelo menos 15 bilhões de litros de etanol por ano — metade da produção nacional. Diante do novo cenário, as movimentações já são perceptíveis. No Brasil, o grupo São Martinho, o maior produtor mundial de cana, anunciou a construção de uma nova unidade em Goiás. Além disso, planeja começar a produzir álcool a partir do milho nos períodos de entressafra da cana. Haverá, contudo, concorrência para os brasileiros: as multinacionais Bunge, de origem holandesa, e British Petroleum, da Inglaterra, informaram que vão fundir suas subsidiárias dedicadas à fabricação e distribuição de etanol para aumentar seu peso no mercado internacional.

Há mais fatores que animam o mercado do biocombustível. Um deles é a animosidade comercial entre a China e os Estados Unidos, o maior produtor de etanol do planeta. Outro foi o ataque de drones às principais refinarias sauditas, o que fez o preço do petróleo disparar. Para aproveitar as circunstâncias, um grupo de usineiros brasileiros esteve recentemente na China, no Japão e nos Emirados Árabes — e planeja voar para a Índia, país que, seguindo o exemplo chinês, debate uma lei para implementar a E10 em 2022. “No passado o álcool era visto como adversário dos combustíveis fósseis, mas isso mudou: agora são produtos complementares, aliados importantes para diminuir a poluição”, acredita Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-­Açúcar. Depois de passar décadas como alternativa restrita ao mercado brasileiro, o etanol, enfim, ganha fôlego para conquistar o mundo.

Publicado em VEJA de 16 de outubro de 2019, edição nº 2656

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