Carta ao Leitor: Um ano perdido
Com sua resistência às reformas e seu empenho em garantir a reeleição a qualquer custo, Bolsonaro é o principal responsável pelas más notícias na economia

Dono de um currículo respeitável como economista, o ministro Paulo Guedes costuma derrapar quando encarna o papel de oráculo do futuro. São parte do folclore econômico seus vaticínios sobre a valorização do dólar —“Só se fizer muita coisa errada chega aos 5 reais” — e a crise da Covid-19 — “Com 5 bilhões de reais a gente aniquila o coronavírus” (a conta atualmente é mais de 100 vezes esse valor e o vírus ainda provoca sobressaltos). Quando se revisita a longa entrevista que deu a VEJA em dezembro do ano passado (acima, no destaque), em que traçava o cenário para os próximos doze meses, o prognóstico do ministro também desenhou, infelizmente, um universo muito diferente do que vivemos.
Otimista, Guedes declarou que investidores estrangeiros desembarcariam no país, atraídos por uma robusta agenda de concessões e privatizações que transformariam o Brasil “na maior fronteira de investimento do mundo”. O respeito ao teto de gastos, então garantido pelo ministro, manteria “os juros baixos e o câmbio favorável”. Doze meses depois da entrevista, vivemos em um cenário de recessão técnica com dois trimestres consecutivos de retração no PIB. Além disso, a aprovação da PEC dos Precatórios rompeu o compromisso com as despesas do governo e o dólar segue acima de 5,60 reais. Para piorar, a previsão de inflação anual em 2021 é superior a 10% e a taxa de juros (Selic) encerra o ano em 9,25%. Deu tudo errado.
Em meio a circunstâncias tão adversas, as relações entre as diferentes áreas do governo começaram a se esgarçar, em um constrangedor jogo de empurra em torno das responsabilidades sobre o fiasco. Há pelo menos um mês Guedes reclama a pessoas próximas de seu colega do Banco Central, Roberto Campos Neto. Para o ministro, o presidente do BC demorou a elevar as taxas de juros e isso acarretou o crescimento da inflação e o comprometimento da recuperação da atividade econômica. Discreto, Campos Neto não se manifestou sobre o assunto, mas o próprio BC, em nota sobre a reunião que elevou os juros em dezembro, alerta sobre o impacto das decisões erráticas da administração federal. Na verdade, procurar culpados na equipe econômica é um erro — ou falta de coragem para apontar o dedo na direção correta. A responsabilidade sobre as más notícias de 2021 deriva basicamente de um personagem: Jair Bolsonaro. Com sua resistência às reformas, seu empenho em garantir a reeleição a qualquer custo e as turbulências políticas que semeou, o presidente fez com que o país perdesse um ano que poderia ter sido muito melhor. Uma lástima.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769