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Câmara aprova em primeiro turno PEC dos Precatórios

Texto que muda teto por Auxílio Brasil passou após negociações e manobras de Lira; proposta é aposta do governo para pagar benefício em ano eleitoral

Por Larissa Quintino, Victor Irajá Atualizado em 6 nov 2021, 17h24 - Publicado em 4 nov 2021, 01h51

Por 312 votos favoráveis contra 144 contrários, a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno a Proposta de Emenda à Constituição 23, a PEC dos Precatórios, na madrugada desta quinta-feira, 4. A medida é considerada fundamental pelo governo de Jair Bolsonaro para financiar o Auxílio Brasil, programa substituto do Bolsa Família, que pagará 400 reais para 17 milhões de famílias até o fim de 2022, ano em que o presidente concorre à reeleição. A PEC, que estabelece um limite para o pagamento dos precatórios e mexe no teto de gastos, deve abrir 91,6 bilhões de reais no Orçamento do próximo ano, bem mais que o necessário para pagar os 50 bilhões de reais a mais do auxílio turbinado.

Para conseguir a votação favorável, lideranças da base governista fizeram grande pressão nos parlamentares de suas bancadas para garantir o quórum da votação. Como se trata de alteração na Constituição, a PEC precisa de ao menos 308 votos favoráveis para ser aprovada. Há cerca de um mês, a proposta de mudanças no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) não passou na casa pela falta de 11 votos favoráveis.

A PEC precisa ainda ser aprovada em um segundo turno de votação na Câmara dos Deputados, que deve ocorrer nesta quinta ou na próxima terça, segundo Arthur Lira (PP-AL), e depois segue para o Senado Federal. Lá, pelo rito tradicional, precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça e só depois vai para a votação em dois turnos em plenário. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) já sinalizou, no entanto, que há espaço para que o texto possa ir ao plenário. 

O presidente manobrou para dispensar o registro biométrico para a votação do texto, caríssimo ao Palácio do Planalto e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e liberar deputados em missão no exterior ou em outros estados para votar o projeto. Lira movimentou-se durante toda a quarta-feira 3 em torno de quórum confortável para a apreciação do texto. O registro pôde ser feito pelos sistemas remotos da Casa. Com isso, Lira aglutinou mais 21 deputados autorizados a viajar oficialmente, que puderam votar remotamente. Antes da votação, Lira fez um apelo público pela aprovação da PEC, afirmando que a medida não se tratava de uma iniciativa eleitoreira, mas, sim, um amparo aos mais atingidos pela pandemia. Além disso, o presidente da Casa costurou um acordo para que os precatórios referentes ao antigo Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério) sejam pagos a estados nos próximos três anos, num aceno aos entes subnacionais. Esse texto, foi apresentado como forma de emenda aglutinativa global, isto é, uma junção ao texto apresentado semana passada. A manobra foi amplamente criticada pela oposição, já que, pelo regimento, a emenda deveria ter sido apresentada na comissão especial, que se encerrou há duas semanas. 

Risco fiscal

O texto aprovado em primeiro turno hoje na Câmara dos Deputados é polêmico e fora recebido muito mal no mercado financeiro, pois piora a perspectiva fiscal do país. O objetivo principal da matéria é estabelecer um limite para o pagamento dos precatórios, que são dívidas judiciais da União. Para isso, a PEC estabelece um valor máximo a partir de 2016, ano de implementação do teto de gastos, com correção inflacionária. Assim, o limite para 2022 será de cerca de 40 bilhões de reais, abaixo das dívidas que constam na proposta orçamentária para 2022, de 89,1 bilhões de reais. O valor restante da dívida será rolado para os exercícios seguintes, ou seja, para o próximo mandato.

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A ideia de rolar dívidas que a Justiça mandou pagar já desagradava ao mercado financeiro, porém, com a ordem de Bolsonaro em pagar 400 reais por família no Auxílio Brasil, e a declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, que seria necessário um furo de pelo menos 30 bilhões de reais no Orçamento, a percepção piorou ainda mais. A solução para manter o as despesas dentro do teto de gastos e manter o discurso de responsabilidade fiscal foi alterar o período da correção do teto de gastos. Desde a apresentação da proposta, há duas semanas, a bolsa de valores acumula sucessivas baixas e o dólar chegou a beirar os 5,70 reais.

No relatório do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), votado hoje na Câmara, a solução dada foi alterar a correção inflacionária para o acumulado de janeiro a dezembro e não mais de julho a junho, como é atualmente, de forma que o governo do momento pudesse ter tempo para elaborar o plano de orçamento para o ano seguinte com base num teto já conhecido. Ao mudar o período de contagem, o governo espera se aproveitar de uma inflação maior em dezembro como indexador do teto do que foi em junho, uma vez que a inflação continuou crescendo.

Planos

A aprovação da PEC dos Precatórios é considerada como o “plano A” para a viabilização de um programa de transferência de renda com a digital de Bolsonaro. O presidente determinou a auxiliares que turbinassem o Bolsa Família, além de alterar o nome do programa, implantado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, provável adversário de Bolsonaro no ano que vem. Caso o texto não passe no Senado, o governo afirma ter um “plano B” para financiar o programa social.

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Com o aumento de popularidade de Bolsonaro em 2020, quando o auxílio emergencial pagou 600 reais a 68 milhões de pessoas, a ala política do governo viu a possibilidade de turbinar o programa para facilitar os objetivos eleitorais do presidente. A definição dos 400 reais, entretanto, contrariou a equipe econômica, que afirmava ser possível pagar 300 reais, mesmo caso a PEC dos Precatórios com o limite de pagamento das dívidas fosse aprovada. Com a exigência de Bolsonaro por gastos maiores, Guedes então cedeu — à revelia do mercado financeiro e de membros da sua equipe, já que quatro secretários pediram demissão durante a tramitação da proposta.

Segundo o governo, o Auxílio Brasil de 400 reais deve começar a ser pago em dezembro a 17 milhões de famílias, número maior que as 14,6 milhões que receberão cerca de 200 reais em novembro. Vale ressaltar que, como o governo não criou uma nova fonte de recursos — seja na diminuição de despesas ou no estabelecimento de um tributo — o benefício de 400 reais será pago até o final de 2022. Isso porque a medida promove uma gambiarra no teto de gastos, além de jogar dívidas para depois. Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, para a criação de uma despesa permanente, é preciso criar uma fonte de receita permanente, o que não aconteceu no caso do Auxílio Brasil.

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