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Baixa concorrência trava crescimento econômico no Brasil e América Latina

Mercados dominados por poucas empresas reduzem a produtividade, encarecem produtos e serviços e dificultam inovações na região

Por Juliana Elias Atualizado em 3 jun 2024, 16h37 - Publicado em 31 Maio 2024, 06h00

Por trás da reação punitiva do mercado à troca de comando na Petrobras, que fez a cotação das ações da petrolífera cair 10% e perder 55 bilhões de reais em valor de mercado em apenas três dias, está uma questão central: qual será o plano da empresa daqui por diante? Entre os maiores temores de investidores e analistas está a reversão do programa de venda de ativos desenhado por gestões anteriores, além da ampliação de investimentos em áreas consideradas menos estratégicas, como refino, fertilizantes e indústria naval. Reduzir os tentáculos que a Petrobras tem sobre uma diversidade de setores faz todo o sentido. Significa, por exemplo, focar nos negócios mais rentáveis e aumentar as margens de lucros. Para a sociedade, há outros ganhos, como a diminuição do enorme poder de monopólio que o gigante estatal acumulou em seus 71 anos de vida sobre todas as atividades em que entrou. Atualmente, quase 90% do petróleo produzido no Brasil sai de poços da Petrobras. No refino, ela continua sendo a dona de mais de 80% da produção de combustíveis no país. A decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em 22 de maio, que desobrigou a companhia de seguir com a venda de suas refinarias — treze das dezessete que existem no Brasil —, apenas confirmou a marcha a ré na desconcentração de seus negócios.

O caso da Petrobras, uma das maiores empresas da América Latina, é o mais evidente de um país em que a falta de concorrência se espalha por muitos cantos da economia. Além dos monopólios, os efeitos dos mercados com características de oligopólio — aqueles dominados por poucas empresas — são nefastos para os consumidores. Resultam em preços mais altos por produtos e serviços quase sempre piores. No Brasil e em outros países da América Latina, onde os níveis de concentração já são elevados, a falta crônica de competição tem consequências ainda mais nocivas: está na base da pouca inovação, da baixa produtividade e, em última instância, da armadilha de baixo crescimento que assombra a região há muito tempo.

Indústria têxtil: com muitas empresas locais e importação, o consumidor tem diversas opções
Indústria têxtil: com muitas empresas locais e importação, o consumidor tem diversas opções (Francois Nascimbeni/AFP)

É essa uma das principais conclusões de um relatório recente do Banco Mundial sobre as razões para a estagnação do crescimento da região. “A baixa produtividade das firmas na América Latina pode ser ligada à baixa educação, à dificuldade de acesso a crédito e a regulações inadequadas”, diz o documento. “Mas uma grande parte tem a ver com o fato de os negócios operarem em um ambiente de baixa competição e ficarem protegidos da necessidade de melhorar suas capacidades.”

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Não faltam exemplos de setores com poucas opções de escolha no Brasil. A indústria bancária é um dos casos mais claros. O setor, que já foi marcado por uma profusão de bancos médios, estaduais e estrangeiros que quebraram, foram comprados ou desistiram do Brasil, tem hoje cerca de 70% das operações concentradas nos cinco bancos grandes que restaram. Fusões, aquisições e falências — ocorrências normais nos negócios — também pioraram outros setores que já são tradicionalmente concentrados. Na telefonia, a operação móvel da quase falida Oi foi comprada em conjunto e dividida entre as três remanescentes — Tim, Vivo e Claro. No ramo aéreo, companhias pequenas, como WebJet e Trip, foram engolfadas pelas grandes e, com o fim da Avianca no Brasil em 2020, 99% dos voos domésticos acabam sendo compartilhados atualmente entre Latam, Azul e Gol.

Agências lado a lado: cinco bancos concentram 70% das operações
Agências lado a lado: cinco bancos concentram 70% das operações (Luiz Carlos Murauskas/Folhapress/.)

Setores como os de alimentos, bebidas, combustíveis ou materiais de construção, além de grandes indústrias, como as de mineração e siderurgia, são com frequência alvo de reclamações de compradores, fornecedores ou competidores menores. “O Brasil tem uma enormidade de mercados em que as quatro maiores empresas têm mais de 80% de participação”, diz o economista Gesner Oliveira, ex-presidente do Cade, o órgão responsável por proteger a concorrência no Brasil. Essa medida das big four de cada setor, conhecida como CR4, é um padrão internacional, e concentrações acima de 70% costumam ser consideradas problemáticas pelas agências de fiscalização.

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Perfilados: 99% dos voos são dominados por três empresas
Perfilados: 99% dos voos são dominados por três empresas (Jardiel Carvalho/Folhapress/.)

As dores da baixa competição aparecem nos números. Um estudo feito por pesquisadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostrou que, se os países latinos já têm sobrepreços maiores do que os de economias desenvolvidas, o Brasil se destaca ainda mais por esse critério. Isso é medido pelo chamado markup, uma espécie de margem de lucro que indica em quanto as empresas conseguem aumentar seus preços acima dos custos incorridos num produto: quanto maior a diferença do markup, maior o poder de mercado que elas têm. Na América Latina, os preços praticados estão, em média, 20% acima do custo. No Brasil, a margem é de 231%. Os dados, reforça Marcela Eslava, uma das autoras da pesquisa, são mais uma referência teórica do que um retrato exato da realidade. “Mas um resultado muito alto é uma boa indicação de que há algo acontecendo, que há uma grande falta de competição”, diz ela.

arte baixa concorrência

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Na América Latina, a pobreza de concorrência é potencializada, ainda, por uma estrutura de mercado sui generis, apelidada de “terra de gigantes” pelos pesquisadores do Banco Mundial. As economias locais são dominadas por poucas companhias enormes no topo e uma infinidade de micronegócios ou empreendedores individuais na base. “Falta um segmento robusto de negócios pequenos e médios no meio, que sejam capazes de fazer pressão nas maiores, o que é ao mesmo tempo causa e resultado da concentração do mercado nas mãos das que estão no topo”, disse a VEJA NEGÓCIOS Marcela Meléndez, economista-chefe adjunta do Banco Mundial para a América Latina. Shireen Mahdi, a principal economista do banco para o Brasil, cita as velhas conhecidas dificuldades do país para a criação e a sobrevivência de negócios, como altos custos de operação, elevada e complexa carga tributária e regulamentações difusas. “Poucas empresas entram e, sem produtividade, as pequenas também não conseguem crescer”, diz Mahdi. Tudo isso resulta em mais falta de produtividade — seja porque os pequenos são rudimentares demais para inovar, seja porque os grandes não têm os estímulos da concorrência para isso.

Pequenos comércios: eles não conseguem crescer e inovar
Pequenos comércios: eles não conseguem crescer e inovar (Wagner Meier/Getty Images)

A dominância dos micronegócios também torna delicado um dos principais e mais rápidos canais de provocação da concorrência: as importações. “Elas conseguem trazer produtos com preço menor, de melhor qualidade e forçam as empresas locais a melhorar a produção”, afirma Fernando Furlan, ex-­presidente do Cade e ex-secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. “Mas são um dilema difícil, porque acabam desincentivando a indústria nacional.”

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À venda: pouca concorrência leva sempre a preços mais altos
À venda: pouca concorrência leva sempre a preços mais altos (Bruno Rocha/Fotoarena/.)

Sem força para resistir, os pequenos produtores são os primeiros a sucumbir à invasão de mercadorias baratas trazidas de fora do país. Por outro lado, estudos indicam que, para as empresas do topo, a mortalidade pela entrada de concorrentes importados é quase nula. “As grandes estão protegidas do aumento da competição estrangeira, e os resultados indicam um aumento da produtividade agregada, porque os negócios menos produtivos saem e os mais produtivos se expandem”, assinala o relatório do Banco Mundial.

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As soluções listadas pelos especialistas para aumentar a competição e, com ela, destravar a produtividade no país são velhas conhecidas. Elas passam por simplificar o ambiente de negócios, destravar o crédito, ampliar a educação e desenhar programas que estimulem a inovação, especialmente entre as empresas menores. O objetivo, em última instância, é abrir caminho para que micro, pequenos e médios empreendimentos cresçam, mais empresas estrangeiras se aventurem a entrar — e ficar — no Brasil e, por fim, que a vida das maiores fique um pouco mais desafiadora diante da crescente competição. “O empresário não pode dormir tranquilo”, afirma o economista e advogado Luiz Carlos Prado, pesquisador do Grupo de Direito, Economia e Concorrência da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Ele pode e deve ganhar dinheiro, mas a contrapartida para isso é não se acomodar em uma situação em que diga: ‘Pronto, já inovei, agora é só aproveitar os louros’. ” A produtividade brasileira está estagnada há anos e deve ser a principal ferramenta para que a economia volte a crescer. Nenhum esforço no sentido de melhorar esse valioso indicador deve ser ignorado.

Publicado em VEJA, maio de 2024, edição VEJA Negócios nº 2

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