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As dúvidas que pairam sobre o Twitter depois da compra por Elon Musk

Empresário acerta a aquisição da rede em uma jogada espetacular, mas futuro da plataforma nas mãos do controverso bilionário ainda é cercado de especulações

Por Luana Zanobia Atualizado em 4 jun 2024, 12h09 - Publicado em 29 abr 2022, 06h00

Irreverente, iconoclasta e boquirroto, Elon Musk, o homem mais rico do mundo, sempre teve uma relação bastante peculiar com o Twitter, rede social onde é seguido por 87,6 milhões de pessoas. Em seu perfil compartilha estratégias de negócios, fala mal de suas empresas, ataca inimigos, propagandeia criptomoedas e faz piadas. No fim do ano passado, por exemplo, publicou uma mensagem em que anunciava a transmissão ao vivo de uma de suas idas ao banheiro. “Acabo de jogar uns amigos na piscina”, escreveu. No último dia 25, entretanto, a relação de Musk com o Twitter mudou radicalmente de patamar. Ele deixou o mundo dos negócios de queixo caído ao fechar em poucos dias a compra da rede social por 44 bilhões de dólares.

A compra do Twitter se tornou uma blitzkrieg pessoal de Musk desde que ele anunciou a aquisição de 9,2% dos papéis da empresa, em 4 de abril, e se tornou o maior acionista individual da companhia. No dia 14, ele formalizou uma oferta hostil para comprar a empresa inteira. Com um patrimônio avaliado em 257 bilhões de dólares, Musk reuniu mais de dez bancos, incluindo titãs como Morgan Stanley, Goldman Sachs e Barclays, e levantou 25,5 bilhões de dólares. O restante deverá sair de seu próprio bolso. Não há registros de um negócio envolvendo tamanho volume de recursos de uma única pessoa. O próprio andamento do processo teve traços da irreverência e petulância que caracterizam o bilionário — o interesse de aquisição, por exemplo, foi anunciado por Musk, no início de abril, em seu perfil no Twitter, e não em comunicado à comissão de valores mobiliários americana, como é praxe. A compra foi tão abrupta que acabou fechada sem que o comprador nem mesmo analisasse os indicadores contábeis internos da empresa, processo costumeiro nas mais prosaicas aquisições corporativas. Musk chegou a declarar que não estava adquirindo o Twitter por seus aspectos comerciais, mas simplesmente porque deseja tornar a plataforma uma arena livre para as opiniões, sem filtros nem censura. “O Twitter é a praça da cidade digital onde são debatidos assuntos vitais para o futuro da humanidade. Espero que até meus piores críticos permaneçam no Twitter, porque é isso que significa liberdade de expressão”, escreveu no seu perfil.

Passado o frenesi, iniciaram-se as especulações sobre o futuro da empresa. O primeiro ponto é a respeito de como Musk levantará os 21 bilhões de dólares próprios que prometeu para fechar o negócio. O segundo é o seu desejo de tornar a rede social um espaço libertário e sem limites em face das polêmicas enfrentadas recentemente pela plataforma. Jeff Bezos, fundador da Amazon e segundo homem mais rico do mundo, ironizou os propósitos de Musk se valendo do exemplo da China. O país é um dos maiores mercados globais da Tesla, o colosso de carros elétricos do qual Musk é fundador e CEO, e que baniu o Twitter em 2009 por publicações inconvenientes ao regime. “O governo chinês acabou de ganhar influência sobre a praça da cidade?”, tuitou Bezos.

O que significa a liberdade de expressão defendida por Musk ainda é um enigma. Logo que a notícia da compra do Twitter surgiu, começaram os rumores de que o ex-presidente Donald Trump poderia voltar à rede. Ele foi expulso da plataforma, acusado de incitar a invasão do Capitólio, em Washington, em janeiro do ano passado. Os bolsonaristas também comemoraram no Brasil o movimento de Musk, prevendo políticas mais frouxas contra discursos qualificados de fake news. Musk, no entanto, declarou na quarta-feira que vai “decepcionar a extrema direita e a extrema esquerda igualmente” e que a liberdade de expressão que menciona é uma que “respeite as leis”. A mensagem provavelmente é uma resposta aos críticos que vinham dizendo que o Twitter não poderia escapar de respeitar as regras nacionais. Em diversos países, não só o Twitter, como os seus rivais, em especial o Facebook, vêm enfrentando um cerco regulatório.

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Uma das ideias de Musk é fazer do algoritmo do Twitter um código aberto, o que serviria para tornar a rede isenta e transparente nas “sugestões” de conteúdo típicas das redes sociais, que hoje acabam priorizando e selecionando mensagens atraentes e viciantes para os usuários, como forma de fazê-los passar mais tempo na plataforma. Isso estaria levando as pessoas a se fecharem em bolhas e se tornarem mais suscetíveis às mensagens que levam à polarização e ao radicalismo de opiniões. Outra promessa do novo dono é a ampliação das contas verificadas para todos os usuários, não apenas às celebridades, e a eliminação das contas automatizadas que simulam as interações humanas, os chamados bots.

DANO COLATERAL - Fábrica da Tesla: perda de valor pelo risco decorrente da compra do Twitter -
DANO COLATERAL - Fábrica da Tesla: perda de valor pelo risco decorrente da compra do Twitter – (Christian Marquardt/Getty Images)

Com um único proprietário e sem ações em bolsa, o Twitter certamente estará menos sujeito a pressões por lucro. Da mesma forma, a gestão não precisará explicar ao mercado situações desconfortáveis, como uma perda do número de usuários caso o desligamento de bots acontecer. Ainda assim, apesar de Musk ter declarado que não está preocupado com retorno financeiro, é difícil que isso não tenha importância para a empresa. “As ações do Twitter seguem abaixo do preço da oferta feita por Musk, pois alguns investidores estão preocupados com o fato de que o negócio ainda enfrente dificuldades até ser completamente fechado”, diz Edward Moya, analista de mercado financeiro da gestora Oanda, em Nova York.

arte twitter

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Com metade de sua fortuna vinculada às ações que possui na Tesla — o equivalente a cerca de 170 bilhões de dólares —, Musk corre o risco de ver o valor da empresa derreter diante de uma venda em massa dos papéis. Só a perspectiva de isso vir a acontecer fez a montadora perder 126 milhões de dólares em dois dias, o que comprometeu seu prestigioso status de empresa trilionária. “Embora ser o dono do Twitter certamente confira muito capital social a Musk, isso aumenta o risco a seus outros negócios”, diz Tim Bergin, sócio da empresa de investimentos britânica Calderwood Capital. Além da Tesla, Musk detém a empresa de foguetes SpaceX, a de satélites Starlink e a de infraestrutura urbana Boring Company, entre outras.

Canal poderosíssimo na disseminação de conteúdo digital, o Twitter conta com apenas uma fração dos usuários ativos das suas principais concorrentes. Também é uma das redes sociais mais problemáticas financeiramente (veja o quadro). Embora a receita tenha crescido ao longo dos anos, os lucros sumiram. O prejuízo, no ano passado, foi de 221 milhões de dólares e, em 2020, de 1,14 bilhão. A receita por usuário na Meta, dona do Facebook, WhatsApp e Instagram, é de 41 dólares, enquanto no Twitter fica em 12. “Desde sua abertura de capital, em 2013, o desempenho da ação do Twitter tem sido sofrível, com retorno acumulado de apenas 5,2% ao ano, comparado com o de 23% ao ano para o Índice Nasdaq, a referência do setor”, explica Marcelo Cabral, sócio da Stratton Capital, gestora de investimentos estabelecida em Nova York. Passado o barulho dos últimos dias, ainda é difícil vislumbrar se o Twitter se tornará uma diversão do homem mais rico do mundo ou um negócio sólido, com inegável responsabilidade no destino das democracias modernas.

Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787

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