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Aprovação da reforma tributária já começa a dar frutos; saiba o que muda

O Brasil vira uma página que vinha tentando mover há 35 anos, e elevação de nota de crédito da agência de risco S&P indica efeito gigantesco da decisão

Por Juliana Elias
Atualizado em 22 dez 2023, 09h23 - Publicado em 22 dez 2023, 06h00

“No sistema vigente (…), o imposto sobre a circulação de mercadorias e a existência de diversos impostos que interagem com outros geram cumulatividade e são responsáveis por distorções que reduzem a competitividade dos produtos brasileiros.” A conclusão, que poderia estar em qualquer anotação de hoje sobre a reforma tributária, é de março de 1987. Ela é parte de uma série de propostas elaboradas à época pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para embasar as discussões do tema na Assembleia Constituinte, que começava naquele momento. Foi o primeiro projeto formal de simplificação de tributos sobre bens e serviços em uma cobrança única, aos moldes de um mais moderno imposto sobre valor agregado (IVA). Tentativas semelhantes viriam depois e acabaram engavetadas.

Essa novela de 35 anos acabou neste mês de dezembro. O Congresso Nacional promulgou na última quarta-feira, 20, a Emenda Constitucional 132 de 2023 — a reforma tributária. A proposta aprovada tramitava desde 2019 e foi resgatada no começo do ano pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Na ala dos mais entusiastas, há até quem compare as mudanças nos tributos àquelas promovidas pelo Plano Real ao acabar com a hiperinflação em 1994. “Teremos um novo imposto muito simples e que cria uma transparência tributária”, diz Ernesto Lozardo, professor da Escola de Admi­nis­tração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. “Vamos deixar de ser a jabuticaba tributária para ter um sistema compatível com o que já é adotado em mais de 170 países.” Foi Lozardo, quando presidia o Ipea em 2017, quem desenvolveu com sua equipe a ideia de um IVA dual, modelo que será adotado, com uma porção controlada pela União, batizada de contribuição sobre bens e serviços (CBS), e a outra dos estados e municípios, o imposto sobre bens e serviços (IBS).

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Para a frustração dos desavisados, a reforma tributária não reduz imposto e nunca foi esse o seu objetivo. Ele apenas simplifica o que já existe. É que, diante do nó que uma empresa enfrenta hoje para pagar impostos no Brasil, só essa limpeza já tem um efeito gigantesco. “Mesmo implementada gradualmente, a reforma representa uma revisão significativa do sistema e provavelmente trará ganhos de produtividade no longo prazo”, escreveu a agência internacional de risco S&P em um relatório na terça-feira 19, quando anunciou a elevação da nota de crédito do Brasil. Um estudo do Ipea calculou que a troca dos impostos atuais pelo IVA simplificado, uma transição que só deve terminar em 2033, pode gerar um crescimento adicional do PIB de 2,4% até lá. Outro estudo, de pesquisadores da Escola de Economia e Finanças da FGV, indica um aumento de até 7,8%.

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A reforma tributária mexe nos impostos sobre consumo, que são aplicados nos processos de produção e vendas. Ela extingue os cinco tributos atuais — PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS — para reuni-los no novo IVA dual, que terá uma alíquota padrão no país. Com isso, resumirá a poucos capítulos o que hoje está espalhado por 460 000 normas tributárias, entre legislações municipais, estaduais e federais que ditam, cada uma, centenas de alíquotas e exceções por produto, local ou tipo de regime contábil. “Uma empresa que atue em dez estados tem que consultar a legislação de cada um deles”, diz o tributarista Eduardo Fleury, sócio do escritório FCR Law e consultor do Banco Mundial para impostos. “E isso só para o ICMS.”

Não menos importante, a reforma tributária também inverte outro mecanismo quase exclusivo do sistema brasileiro: a cobrança dos impostos na origem em vez do destino. Com o novo regime, as coisas passarão a ser taxadas onde são compradas. Delicada para cofres de estados e municípios, essa transição será feita ao longo de cinquenta anos. É essa virada de chave, entretanto, que mata na raiz a chamada guerra fiscal, ou seja, barganhas de governos estaduais com descontos em impostos para atrair empresas.

A versão final do projeto deixa a desejar em alguns pontos. É o caso da lista de mais de vinte exceções que pagarão menos imposto, elevando a alíquota geral. Os beneficiados vão da cesta básica a serviços de profissionais como médicos e advogados. A lista de itens que terão direito ao imposto reduzido bem como a maneira de calcular o novo IVA estão entre as dezenas de pontos a ser definidos por lei complementar em 2024. O governo deve apresentar isso em até 180 dias ao Congresso. Só então a reforma terá contornos finais. Mas o rumo traçado e as projeções desenhadas já permitem comemorar uma conquista histórica para os cidadãos, as empresas e a economia do país como um todo.

Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2023, edição nº 2873

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