Apagão traz de volta o medo de que novos blecautes possam paralisar o país
Vinte e cinco estados e o Distrito Federal ficaram sem luz por períodos de até seis horas; o último episódio de tal magnitude havia ocorrido em 2009
A palavra “apagão” passou a fazer parte do repertório dos brasileiros em julho de 2001, quando o país enfrentou a maior crise energética de sua história. O termo não poderia ser mais apropriado. Naquela ocasião, a escassez de chuvas expôs um gargalo até então ignorado pelas autoridades. Após muitos anos sem investimentos no setor e diante da ausência de planos estratégicos, a sociedade descobriu que o Brasil estava exposto aos humores do clima no abastecimento de eletricidade. Com as intempéries, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso não teve outra saída a não ser determinar o racionamento de energia. O apagão cobrou um preço alto. A produção industrial caiu e as pessoas tiveram de enfrentar noites mais escuras. Para FHC, a crise resultou na perda de popularidade e alguns analistas até atribuem a derrota dos tucanos para Lula na eleição presidencial de 2002 ao corte de energia. Desde então, apagão passou a ser sinônimo de trauma para milhões de brasileiros. E, agora, o temor de novos blecautes voltou a assombrar o país.
Na terça-feira 15, um apagão derrubou um quarto do fornecimento de energia do Brasil. Vinte e cinco estados e o Distrito Federal ficaram sem luz por períodos que variaram de duas a seis horas, mas relatos publicados nas redes sociais indicam que, em certas regiões, o restabelecimento do sistema pode ter demorado mais. O episódio chamou a atenção porque o último de tal magnitude havia ocorrido em novembro de 2009, quando falhas em três linhas de transmissão da Usina de Itaipu causaram falta de energia em dezoito estados. Desta vez, também causou preocupação o fato de o governo demorar para indicar a causa do incidente, suscitando todo tipo de especulação. Na quarta-feira 16 veio uma resposta, mas não satisfatória.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, informou que uma falha técnica em uma linha de transmissão da Chesf, subsidiária da Eletrobras no Ceará, foi o que originou a queda do sistema. “Isoladamente, este evento não era suficiente para causar um colapso”, reconheceu o ministro. Silveira disse que, na sequência, um “erro de programação” resultou em uma série de falhas que acabaram por afetar quase todo o sistema. Em nota, a Eletrobras não confirma a teoria: “Ressalte-se que o desligamento da citada linha de transmissão, de forma isolada, não seria suficiente para a abrangência e repercussão sistêmica do ocorrido”. Especialistas dizem que há muito por ser elucidado. “É impossível que um problema em uma linha singela tenha causado um problema dessa dimensão”, afirma Luiz Eduardo Barata, ex-diretor-geral do ONS, o Operador Nacional do Sistema Elétrico.
Enquanto as causas definitivas não são reveladas, alguns políticos aproveitam para criticar a privatização da Eletrobras. Logo após o apagão, o ex-candidato à Presidência Ciro Gomes correu ao Twitter para criticar a desestatização. “A entrega do controle da Eletrobras ao capital privado foi e continua sendo uma das maiores irresponsabilidades que já se praticou no Brasil”, escreveu Gomes. Presidente nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffmann engrossou a lista dos descontentes. “Faz tempo que não se falava em apagão e ele acontece justamente agora, depois de um período de desinvestimento que precede a privatização da Eletrobras”, disse ela.
A afirmação de que a privatização da Eletrobras possa ter algo a ver com o episódio é absurda. “Trata-se do primeiro apagão da Eletrobras privatizada, todos os outros foram quando era uma empresa estatal”, diz Barata. Basta recorrer aos dados oficiais para confirmar que, de fato, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Em 2022, o Brasil teve 42 apagões menores, sendo que boa parte deles ocorreu no primeiro semestre, quando a Eletrobras ainda era uma empresa estatal. Em vez de fazer insinuações levianas, o governo deveria se preocupar em investigar a fundo as causas do apagão e trabalhar para que novos eventos desse tipo não ocorram. Afinal, onde há luz não existe escuridão.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855