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Ao liberar compulsório, BC se contradiz e ataca o problema errado

Para economistas, medida anunciada nesta sexta-feira não deve impactar o crescimento e ainda coloca em xeque ata do Copom divulgada apenas um dia antes

Por Ana Clara Costa e Naiara Infante Bertão
25 jul 2014, 19h39

O impacto da medida deve ser sentido de forma mais relevante nos bancos médios, que possuem menos liquidez, e financiam, sobretudo, a compra de automóveis

O Banco Central anunciou nesta sexta-feira uma portaria que permite que até metade do dinheiro aplicado em forma de depósito compulsório pelos bancos possa ser usado em operações de crédito. Com isso, o BC espera aumentar em 30 bilhões de reais a oferta de crédito ainda em 2014. Os depósitos são a contribuição obrigatória que os bancos fazem junto ao Banco Central, cuja alíquota é calculada com base no volume de depósitos feitos à vista e à prazo nas instituições. A obrigação reduz o risco sobre o sistema financeiro e pode ser usada como ferramenta de política monetária. Ao reduzir a taxa do compulsório, o BC permite a liberação automática de mais dinheiro para que os bancos possam emprestar a seus clientes. Quando a taxa aumenta, há um aperto monetário e tendência à redução da oferta de crédito.

Segundo a nota do BC, a medida leva em conta o baixo nível de inadimplência para tentar aumentar a liquidez dos bancos, ou seja, a oferta de crédito ao consumo, por exemplo. A autoridade monetária não deu mais explicações sobre as razões que motivaram o relaxamento das regras, mas diante das recentes revisões nas estimativas de crescimento da economia brasileira, não há dúvidas de que a iniciativa do BC é uma das poucas, senão a única, opção que resta ao governo para tentar reavivar a economia. O problema, segundo economistas ouvidos pelo site de VEJA, é que os 30 bilhões de reais terão efeito nulo no estímulo ao crescimento, por representarem um porcentual insignificante do tamanho do mercado de crédito no Brasil, que hoje está em 2,8 trilhões de reais.

Outro equívoco é o timing do anúncio. Apenas um dia antes, a autoridade divulgou a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), documento que comunica ao mercado as razões que levaram o BC a manter os juros em 11%. Nela, o órgão afirma que a moderação do crédito é positiva para o cenário de inflação: “O Comitê considera oportunas iniciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de operações de crédito”, diz a nota. Em outro parágrafo, a autoridade afirma não ter intenção de implementar mudanças na política monetária. “O Comitê antecipa cenário que contempla inflação resistente nos próximos trimestres, mas, que, mantidas as condições monetárias – isto é, levando em conta estratégia que não contempla redução do instrumento de política monetária – tende a entrar em trajetória de convergência para a meta nos trimestres finais do horizonte de projeção”, afirma.

A contradição deixou economistas perplexos. “A decisão soa completamente fora do lugar quando comparada à ata. Numa medida que desafia o bom senso, o BC simplesmente desdisse o que afirmou um dia antes”, escreveu o economista da Gradual Corretora, André Perfeito, em nota a investidores. A contradição era tudo o que o BC não precisava. A autoridade vinha conseguindo, pouco a pouco, recuperar a credibilidade do mercado depois de episódios ocorridos em 2011 que demonstraram ingerência do governo sobre a política monetária. Para o ex-diretor do BC, Alexandre Schwartsman, a medida desta sexta foi infeliz. “Se alguém no BC ainda tivesse a capacidade de pensar um pouco além do dia seguinte, teria notado que o anúncio das medidas de hoje, pontuais e sem impacto macro, e sim mais voltadas a questões específicas do setor bancário, não deveria se seguir à divulgação da ata que menciona moderação de crédito e manutenção da taxa de juros”, afirmou o economista ao site de VEJA.

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O beneficiário – O impacto da medida deve ser sentido de forma mais relevante nos bancos médios, que possuem menos liquidez, e financiam, sobretudo, a compra de automóveis, afirmou ao site de VEJA a economista Mariana Oliveira, da Tendências Consultoria. “Se o BC olhar apenas o mercado de crédito, as mudanças anunciadas hoje fazem sentido porque o crédito está desaquecido, especialmente em financiamento de veículos”, afirma. Em entrevista recente ao site de VEJA, o presidente da JAC Motos, Sergio Habib, afirmou que a desaceleração econômica fez com que o crédito ao setor ficasse mais restritivo, devido, em especial, à inadimplência registrada nesse tipo de operação. Há alguns dias, a Moody’s alertou para o risco de crédito em bancos de montadoras do Brasil. O setor tem passado por forte queda em vendas e produção, o que tem impactado não só a cadeia industrial, mas também o emprego.

O real problema – Contudo, na avaliação de Alexandre Schwartsman, para retomar a tendência de crescimento, a solução seria colocar em prática planos contundentes de reforma econômica, não medidas paliativas para um único setor. “São necessárias medidas que elevam a produtividade. Ou seja, um programa menos intervencionista de concessões de infraestrutura e petróleo, avanços na privatização, simplificação tributária, correção de preços administrados para destravar investimentos. Enfim, uma agenda longa, mas voltada ao amento da produtividade e investimento”, afirma o economista.

O arrefecimento do crédito em determinados setores não significa, contudo, que a falta de crédito seja o problema que impeça o crescimento do país, segundo análise de Tony Volpon, economista do banco Nomura. “O problema do Brasil não é crédito ou liquidez. Ambos estão amplamente disponíveis, sobretudo nos bancos estatais. O problema é a baixa demanda por crédito decorrente da falta de confiança na economia”, afirma.

A mensagem final transmitida pela portaria do BC, na avaliação dos economistas ouvidos pelo site de VEJA, é de que a medida volta a colocar em xeque as expectativas do mercado em relação à Selic para 2015, caso a presidente Dilma se reeleja e mantenha Alexandre Tombini como presidente do órgão. O mercado se agarra à comunicação do BC para traçar suas perspectivas sobre a economia brasileira. Quando há ruído entre o que o BC diz e o que, de fato, pratica, as expectativas se perdem e o pessimismo tende a aumentar. Para Volpon, do Nomura, há mais garantias em relação às expectativas se o vencedor for o candidato da oposição, Aécio Neves. “Se a oposição ganhar em outubro, colocamos em 70% a probabilidade de haver cortes de juros. Isso ocorre porque prevemos aperto fiscal, um estímulo imediato à confiança dos empresários, o que reduziria as expectativas de inflação e armaria caminho para um real mais forte. Com isso, sob a gestão de Neves, poderia haver corte de juros”, afirma.

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