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Alemanha se dobra e aceita resgatar Europa em meio ao risco de cisão

Após impasse, alemães e franceses selam acordo por por fundo de 500 bilhões de euros para mitigar os impactos da pandemia; tratado vai ao parlamento europeu

Por Diego Gimenes
Atualizado em 20 Maio 2020, 11h25 - Publicado em 20 Maio 2020, 10h55

Após milhares de mortes por Covid-19 em toda a Europa, principalmente em países como Espanha e Itália, que chegaram a registrar quase 1.000 mortes em um único dia no pico da pandemia, a União Europeia parece ter aprendido a lição. Os membros do grupo, que antes enfrentavam impasses quanto a criação de um plano para mitigar os impactos econômicos causados pelo coronavírus, passaram a exercer um protagonismo no combate aos efeitos pandemia que assola as economias e os sistemas de saúde do mundo todo. O mais recente capítulo dessa história mostra que Alemanha e França, as maiores economias do bloco, lideraram um acordo sobre a criação de um fundo de recuperação para a União Europeia. O pacote está estimado em 500 bilhões de euros (2,8 trilhões de reais), e agora precisa passar pelo parlamento europeu para começar a valer. Além do resgate, a solução dissipa em parte a tensão criada pelos países mais afetados pelo vírus — em especial a Itália — que ameaçavam implodir a zona do euro.

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A chanceler alemã, Angela Merkel,e o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciaram a iniciativa em uma videoconferência conjunta na tarde da última segunda-feira, 18. Os fundos seriam levantados pela Comissão Europeia, que tomaria empréstimos nos mercados em nome da entidade — o que até o momento só foi feito em escala relativamente modesta — e seriam usados para apoiar os gastos da própria entidade, em vez de empréstimos aos governos nacionais. Em seguida, esses recursos seriam repassados aos países e regiões mais atingidos pela pandemia. “Para apoiar uma retomada duradoura que restabeleça e reforce o crescimento no bloco, a Alemanha e a França apoiam a criação de um fundo ambicioso e temporário, dentro do orçamento da União Europeia”, diz o texto da declaração conjunta. 

O plano franco-alemão marca um avanço significativo, dado que os países estavam anteriormente em conflito sobre a questão da emissão comum de dívida para pagar os esforços de recuperação. Em primeiro momento, a Alemanha se mostrava contrária a emissão de dívida para injeção de dinheiro nos países membros. O movimento vem após dias de conversas entre os líderes sobre uma resposta conjunta à pior crise econômica da União Europeia. O acordo chega para apaziguar os ânimos, ao passo em que a Itália surgia como a maior perdedora e ao mesmo tempo umas das principais candidatas a abandonar o projeto de integração monetária, uma vez que foi uma das nações mais impactadas pela Covid-19 e ainda ressentia os impactos da crise de 2008. 

“Não se trata de um empréstimo, mas sim de doações diretas aos países mais atingidos pelo coronavírus. O plano de ajuda integra o programa de emergência já adotado pelos ministros das finanças da zona do euro. Sabemos que um acordo franco-alemão sozinho não significa um acordo entre todos os 27 membros, mas esperamos que o nosso acordo possa ajudar”, salientou Macron. O presidente francês ainda criticou os países europeus “que reduzem o Estado de direito” ao adotar medidas para lutar contra a epidemia. Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha e um dos principais defensores do fundo de recuperação, vibrou pelo acordo franco-alemão no Twitter ao classificar a medida como “um primeiro passo na direção certa e uma iniciativa em consonância com nossas demandas”.

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“O Estado europeu tem tido um protagonismo maior, países como Alemanha, França e até mesmo o Reino Unido não tem hesitado em colocar 10%, 15% do PIB a serviço do resgate de pessoas, empresas, da economia em geral. Isso mostra que a despeito de uma certa descoordenação em um momento inicial, os grandes decidiram de unir. A UE está viva e seus dois principais motores, Alemanha e França, que por um momento travaram uma disputa em que cada país confiscava insumos que passavam por seus territórios, agora superaram suas diferenças. Ambos vão liderando os esforços contra a pandemia”, analisa Dawisson Belém Lopes, professor de Relações Internacionais da UFMG. “Os grandões conseguiram se acertar e impuseram à União aquele caminho que construíram”.

Mesa de negociação

As negociações sobre o plano se intensificaram com o fato de Ursula von der Leyen, presidente da comissão, ter passado o último final de semana em uma série de apelos com os líderes da União Europeia para elaborar as propostas. A conciliação franco-alemã levou otimismo a Bruxelas de que um acordo entre os 27 membros da entidade seja sacramentado. Caberá ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, intermediar o acordo final entre todos os países, em uma cúpula.

Por outro lado, o plano divulgado por França e Alemanha encontrou resistência imediata. Pela proposta franco-alemã, todo o dinheiro do fundo de recuperação seria distribuído sob a forma de subvenções. O chanceler austríaco Sebastian Kurz disse que, juntamente com lideranças holandesas, dinamarquesas e suecas, estavam preparados para aceitar um fundo em que as verbas fossem atribuídas na forma de empréstimos a serem reembolsados por cada um dos países. “Sobre essa possível resistência ao plano pelos países do norte, é evidente que França e Alemanha têm uma função de liderança em relação a Áustria, por exemplo. A Áustria deve ser liderada, não o contrário. O papel de França e Alemanha na Europa é muito maior”, pondera Lopes.

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O valor de 500 bilhões de euros é maior do que as estimativas anteriores que haviam circulado dentro da comissão, algo por volta de 320 bilhões de euros. De acordo com Merkel, o objetivo é fazer com que a Europa saia mais coesa e solidária da crise sanitária. “A França e a Alemanha se posicionam a favor da solidariedade. Estamos fazendo uma proposta e devido à natureza incomum da crise, estamos escolhendo um caminho incomum, acho que isso ajudará a chegar em um consenso na UE, mas não podemos forçar ninguém a aceitá-la”, disse a chanceler, reconhecendo que a proposta era passível de críticas vindas de outros países e até mesmo de dentro da própria Alemanha.

Além de chegarem a um acordo sobre o fundo de recuperação econômica, Merkel e Macron concordaram em fortalecer a cooperação de saúde da União Europeia, com o intuito de desenvolver a “soberania estratégica da saúde”, inclusive estabelecendo estoques comuns de medicamentos e equipamentos médicos e coordenando o desenvolvimento de vacinas e tratamentos. Eles também reafirmaram o chamado “Acordo Verde” da entidade e pediram uma aceleração da digitalização. Além disso, prometeram modernizar a política de concorrência e reforçar a “soberania econômica e industrial europeia”, diversificando as cadeias de suprimentos, atualmente fortemente dependentes da produção chinesa.

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