Ainda enrolado com a Justiça, Eike Batista se articula para voltar ao jogo
O empresário, sob risco de ser novamente preso, tenta chefiar as duas empresas do antigo império que restaram vivas
O empresário e ex-bilionário Eike Fuhrken Batista da Silva, 64 anos, já figurou entre os dez homens mais ricos do mundo, com fortuna estimada em 30 bilhões de dólares. Principal expoente da vertiginosa ascensão econômica brasileira registrada em meados da última década, viu seu império se desfazer ao entrar na mira da Operação Lava-Jato, acusado de pagar propina para políticos. Depois de ser denunciado pelo Ministério Público Federal, em 2014, por uso de informações privilegiadas no mercado financeiro, de acumular condenações que chegaram a 46 anos e sete meses de prisão em regime semiaberto e de precisar se desfazer de boa parte de seu conglomerado, o Grupo EBX, o empresário foi parar duas vezes atrás das grades, em 2017 e 2019. Agora, solto por decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, e depois de ter homologada a sua delação premiada, vive em sua mansão no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro.
Do ponto de vista dos negócios, Eike preservou participações em duas empresas de seu antigo conglomerado: 49,7% na mineradora MMX e outros 49,4% no estaleiro OSX. No último trimestre de 2020, uma valorização atípica das ações das duas companhias chamou a atenção dos investidores da B3, a bolsa de valores de São Paulo. Os papéis da MMX, que haviam iniciado o ano passado cotados a 2,50 reais, subiram 1 340% em outubro e bateram em 36 reais. Uma semana depois, valiam 6,29 reais, e na semana passada eram negociados acima de 15 reais. As ações da OSX, cotadas a 3,30 reais em janeiro de 2020, também iniciaram uma trajetória ascendente a partir de outubro e fecharam a 20 reais no último dia 22 (veja o quadro). No mesmo período, as duas empresas experimentaram uma inusitada agitação em seus bastidores. Com apenas dois funcionários e falência requisitada pela Justiça, a MMX segue aberta graças a uma liminar e é dona de um complexo de minas de ferro em Corumbá (MS), atualmente arrendadas. Já a OSX, criada como o braço construtor de plataformas de petróleo do grupo, também se mantém à custa do arrendamento de uma área que possui no Porto do Açu, no norte do estado do Rio, e acaba de deixar a recuperação judicial. Na última sexta-feira, dia 22, a empresa divulgou ao mercado a saída de três representantes do conselho de administração da companhia. Emblemática, a demissão confirmou as suspeitas: o ex-homem mais rico do Brasil está de volta ao jogo.
Ainda que continue impedido de assumir cargos de administração em companhias abertas até 2026 pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Eike tem manobrado de forma ostensiva para dar novamente as cartas em suas duas empresas. O primeiro passo ocorreu na mineradora MMX, onde não encontrou empecilhos para nomear Joaquim Martino — amigo e companheiro de trabalho de seu pai, Eliezer Batista (1924-2018) —para o cargo de CEO, em setembro. Mais difícil foi retomar o comando na OSX. O principal entrave era a resistência do acionista minoritário e conselheiro Rogério Freitas, que temia que a proximidade de Eike pusesse em risco a recuperação judicial da companhia. Uma vez encerrado o processo, em dezembro, ambos fecharam um acordo, que culminou com a saída de Freitas do conselho de administração. Com isso, Eike passou a ter carta branca na gestão da empresa, o que deve ser reforçado com a saída do CEO Pedro Borba e da diretora de relações com os investidores, Bruna Peres Born, no futuro.
Tamanha agitação tem sido acompanhada com especial interesse pela Associação Brasileira de Investidores (Abradin). A entidade, responsável pelo processo por uso de informações privilegiadas que levou Eike a ser afastado do comando da petrolífera OGX e da empresa de logística LLX, já pediu à CVM a abertura de investigação para apurar se há manipulação de mercado na valorização dos papéis das companhias. Para a Abradin, fatores circunstanciais que poderiam impulsionar as ações, como o aumento no preço internacional do minério de ferro, o fim da recuperação judicial da OSX ou o sucesso de empresas que no passado fizeram parte do Grupo X, como a companhia de energia Eneva (antiga MPX), não justificam um fenômeno dessa dimensão. A suspeita é que grupos e indivíduos, entre eles o controlador, estariam usando as ações das companhias para especulação, aproveitando-se da efervescência do mercado acionário brasileiro, com milhões de investidores estreantes e com pouca experiência no ramo ávidos por lucro fácil. “A MMX e OSX não valem nada, não têm futuro. São empresas zumbis, que podem ser utilizadas para manobras no mercado de capitais, lesando os investidores e gerando lucros para terceiros, assim como aconteceu com as empresas do mesmo Eike Batista há dez anos”, ataca José Aurélio Valporto, presidente da Abradin. O presidente da MMX, Joaquim Martino, refuta as acusações. “A CVM tem de investigar sim. É o papel dela. Pelo nosso lado, posso afirmar que nós não fizemos absolutamente nada que provocasse essa movimentação nas ações.”
Independentemente das alegações de Martino, em 22 de janeiro, a Abradin protocolou novos anexos à sua reclamação na CVM do que considera uma postura incorreta por parte da MMX. A empresa trava uma disputa judicial contra a arrendatária de sua mina em Corumbá (MS), a Vetorial Mineração, para cancelar o contrato de exploração do complexo de duas minas, capaz de produzir 2 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Por meio do instrumento, a Vetorial paga à MMX um valor anual de 500 000 dólares pelo direito de extração até 2022. Essa é, basicamente, a única receita da companhia de Eike. Segundo o CEO da MMX, reaver os direitos de exploração do complexo faz parte da nova estratégia para que a empresa volte a operar, mesmo sem ter caixa ou funcionários para isso. Em novembro, a MMX comemorou uma decisão judicial que declarou nulo parte do acordo com a Vetorial. Mas a decisão logo foi cassada. Para Gustavo Trindad Correa, sócio e conselheiro da Vetorial, a direção da MMX age motivada por intenções escusas. “A nova gestão percebeu que o preço do minério de ferro disparou e está querendo rasgar o acordo para especular com isso.”
Em meio ao esforço para reconquistar as empresas, Eike segue encrencado com a Justiça. Procurado por VEJA, o ex-bilionário alegou por meio de sua assessoria de imprensa que não concederia entrevistas para não prejudicar o andamento de seus processos. Em seu acordo de delação premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República (PGR), Eike se comprometeu a pagar 800 milhões de reais em multa e terá de cumprir um ano de sua pena em regime fechado, dois anos em regime semiaberto e um ano em prisão domiciliar. O empresário também aguarda em liberdade o julgamento de recursos ligados a novos processos e condenações. Em junho passado, por exemplo, foi sentenciado a oito anos de prisão em regime semiaberto por manipulação do mercado financeiro. Os tempos em que vendia seus projetos mundo afora em mirabolantes apresentações de PowerPoint e rivalizava com bilionários do calibre do mexicano Carlos Slim nas listas das maiores fortunas do planeta ficaram definitivamente no passado. Com dificuldades para obter crédito em bancos e desacreditado junto aos grandes fundos de investimento, Eike busca de forma obstinada mostrar que é capaz de sobreviver e dar a volta por cima nas piores adversidades. O sucesso de algumas das empresas que fundou e hoje estão sob nova gestão mostra que, à parte sua megalomania, faziam muito sentido como negócios. A julgar por suas movimentações, ele acredita que sua nova chance — o retorno da fênix — finalmente chegou.
Publicado em VEJA de 3 de fevereiro de 2021, edição nº 2723